O
Ministério Público Federal (MPF) quer que o Ministério da Defesa
dê uma explicação sobre um "eventual risco de função interventora"
das Forças Armadas, situação que se depreenderia das afirmações feitas
pelo comandante do Exército, general Eduardo Villas Boas. O pedido para
que exista uma manifestação por parte do ministro da Defesa — cargo hoje
ocupado interinamente pelo general Joaquim Silva e Luna — foi assinado
nesta quarta-feira pelo procurador da República Ivan Marx, com atuação no
Distrito Federal. Como o ministro tem foro privilegiado, o ofício deve ser encaminhado via PGR. [na verdade o procurador do DF solicitou para que a procuradora-geral encaminhe o pedido - Raquel Dodge é quem decidirá se o assunto merece ter seguimento. Caso encaminhe estará referendando o solicitado.]
Esta é a
segunda reação do MPF ao posicionamento de Villas Boas. Além do pedido de
explicações por parte de um integrante da Procuradoria da República no DF, a
Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) – órgão do MPF, com atuação
no âmbito da PGR – emitiu nota na manhã desta quarta em que diz que
"ameaças explícitas ou veladas de violação à autonomia do Supremo Tribunal
Federal por parte do Poder Executivo são inadmissíveis em quaisquer
hipóteses".
"Mais grave se partem da cúpula de instituições que detêm o monopólio do
uso das força armada no país", cita a nota, assinada pela procuradora
federal dos direitos do cidadão, Deborah Duprat, e por três procuradores
federais adjuntos.
Na noite
de terça-feira, véspera do julgamento do pedido de habeas corpus do
ex-presidente Lula no STF, o comandante do Exército usou sua conta no Twitter
para dizer que a Força está "atenta" para o cumprimento de
"missões institucionais". "Nessa situação que vive o Brasil,
resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem
do País e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses
pessoais?", escreveu o general Villas Boas às 20h39.
"Asseguro
à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os
cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz
social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões
institucionais", continuou, numa mensagem subsequente.
Em
entrevista ao GLOBO, ainda na noite de ontem, o ministro da Defesa tentou
minimizar os efeitos das afirmações do comandante do Exército: — O
general Villas Boas tem mostrado coerência, é uma marca de sua gestão. Ele tem
preocupação com preceitos constitucionais. E valoriza nossas bases, que são os
anseios do povo, o legado em termos de valores para as gerações futuras. A
mensagem é que a população pode ficar tranquila, pois as instituições estão
aqui. Não é uma mensagem de uso da força. É o contrário — afirmou o ministro
interino, posição reiterada em nota divulgada na manhã desta quarta.
O
procurador Ivan Marx, responsável por um procedimento investigatório criminal
(PIC) já em curso no MPF, decidiu oficiar o ministro para que ele dê
explicações sobre as declarações do comandante do Exército. "Oficie-se ao
ministro da Defesa (via PGR), com cópia integral do presente procedimento, para
ciência e manifestação sobre eventual risco de função interventora das Forças
Armadas", diz o procurador no ofício.
O PIC foi
aberto em setembro do ano passado para investigar suposta incitação ao crime
pelo general do Exército Antonio Martins Mourão, que, naquele mês, sugeriu
intervenção militar no país. Ele ainda estava na ativa. Em fevereiro deste ano,
Mourão foi para a reserva do Exército. A
declaração do general foi dada num evento da maçonaria em Brasília, após o
então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, denunciar o presidente
Michel Temer pela segunda vez, por organização criminosa e obstrução da
Justiça. As duas denúncias contra Temer foram barradas pela Câmara.
O
Exército já se manifestou no procedimento aberto pelo MPF em duas ocasiões. Os
dois ofícios são assinados pelo chefe de gabinete do comandante do Exército, o
general de divisão Tomás Miguel Paiva. O primeiro ofício é de 8 de novembro de
2017. "O Comando do Exército entende que a atuação das Forças Armadas,
especialmente da Força Terrestre, deve pautar-se em três pressupostos: promoção
da estabilidade, respeito à legalidade e preservação da legitimidade",
escreveu o chefe de gabinete.
O general
afirmou que houve uma reunião com Mourão, que disse ter considerado "estar
em um ambiente privado". "A manifestação do general Mourão não foi de
encontro a nenhuma norma constitucional. Pelo contrário, o oficial
manifestou-se no sentido de que o Exército não se furtará a cumprir sua missão,
caso se verifique a existência das condicionantes constitucionais para a
atuação castrense", cita o ofício.
Em 12 de
janeiro deste ano, o procurador Ivan Marx decidiu prorrogar o PIC. "Surgem
interrogantes sobre qual seria a interpretação dada ao artigo 142 da
Constituição Federal: legitimaria a função interventora dos militares?",
escreveu o procurador. O Comando do Exército foi novamente oficiado para dar
uma explicação a respeito.
O novo
ofício do chefe de gabinete de Villas Boas é de 1º de fevereiro. "O
posicionamento institucional do Exército Brasileiro segue o entendimento do
Ministério da Defesa e da Presidência da República, segundo o qual tal
atividade somente pode ser cumprida após a iniciativa dos poderes constitucionais
e mediante ordem do presidente da República nesse sentido", escreveu.
"Infere-se
que não compete às Forças Armadas, por deliberação própria, promover qualquer
tipo de intervenção federal ou apontar os casos em que essa medida excepcional
deve ser adotada."
Depois de
toda a controvérsia envolvendo as manifestações do comandante do Exército no
Twitter, o Palácio do Planalto se manteve em silêncio. O presidente não tratou
do assunto nem esboçou qualquer intenção de punição ou repreensão ao ato de
Villas Boas.[não há motivo, nem amparo legal, para punição ou mesmo repreensão do Comandante do Exército - na condição de Chefe da Força Terrestre o general tem competência para falar em nome da mesma.]
O Globo