Movido pelo revanchismo, Lula conduz o país rumo ao passado, repete antigos erros e dá sinais de que não tem mais fôlego para governar
Luiz Inácio Lula da Silva e Geraldo Alckmin, na reunião do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), realizada no Ministério de Minas e Energia, em Brasília (17/3/2023) | Foto: Wilton Junior/Estadão Conteúdo
Na próxima segunda-feira 10, o presidente Lula vai reunir mais uma vez seu imenso ministério para fazer o mais importante anúncio em cem dias de governo. Lula decidiu relançar o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), uma peça publicitária criada em janeiro de 2007, que cruzou as gestões do PT até o impeachment de Dilma Rousseff em 2016, sem concluir a planilha de obras. Nada é mais simbólico para retratar a volta de Lula ao poder em 2023. [lembramos que naquela época, a farsa era conhecida pelo nome de Conto do PACO.]
Ao longo de quase uma década, o PAC foi alardeado como o destino futuro de até 2% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro para obras de infraestrutura. Em 2010, a campanha de marketing visando a sucessivas eleições chegou a prever investimentos de R$ 1,6 trilhão, antes que menos de um terço dos projetos tivesse saído do papel. Dilma Rousseff virou “a mãe do PAC”. O cartão de visitas do pacote era o trem-bala, previsto para ser inaugurado antes da Copa de 2014, ao custo de R$ 33 bilhões. O outro foi a Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, um dos símbolos do propinoduto descoberto pela Lava Jato — orçada a R$ 5,6 bilhões, consumiu R$ 26 bilhões. Por causa das interrupções, não há um número exato do que foi finalizado até 2016, mas uma estimativa otimista alcança 40%.
O governo Lula 3 atinge o marco de 100 dias — normalmente um período de lua de mel com a opinião pública e com a imprensa — com muito mais dificuldades do que quando o petista chegou à cadeira no passado. O grande desafio é na economia, em que o PT não conseguiu montar um plano de voo desde a eleição, e agora Fernando Haddad tem enorme dificuldade para explicar o que está sendo elaborado no Ministério da Fazenda.
A principal invenção na área fiscal foi batizada de “arcabouço” por Haddad, que lidera a equipe econômica. O ministro apresentou um PowerPoint mal-acabado, preparado às pressas, para conter o noticiário do retorno do ex-presidente Jair Bolsonaro ao país, há duas semanas. O que se sabe até agora é que o governo quer um novo cheque em branco para gastar com investimentos, condicionado ao aumento da arrecadação federal.
Outra indicação de que a única receita será a sobretaxação foi dita pela ministra do Planejamento, Simone Tebet. Nesta semana, ela afirmou que pretende apresentar o “imposto do pecado”: aumentar os impostos de bebidas alcoólicas, cigarros e produtos com alta adição de açúcares, como refrigerantes. Uma semana antes, ela deixou escapar uma frase que causou embaraço com Haddad: disse que “o governo não está preocupado com o gasto público”.
Para piorar, Lula tem tirado a paz dos investidores, ao mirar a artilharia pesada contra o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Para isso, colocou de volta nas ruas os sindicalistas da CUT (Central Única dos Trabalhadores), para queimar bonecos e cartazes com o rosto do dirigente do banco e travar a Avenida Paulista, em São Paulo.
Ao contrário do que disse Lula, não se trata de pessimismo da oposição. Depois de pedir carta branca ao Congresso para torrar R$ 175 bilhões no ano passado, com a aprovação da PEC da Gastança, o governo enfrentou turbulência no mercado. O volume de negócios da Bolsa de Valores caiu pelo terceiro mês consecutivo — perda de 21% em março.
O empresariado também optou pela cautela: houve demissões em diversos setores e, em alguns casos, o fechamento de fábricas, como a da gigante Riachuelo, ou a despedida da Centauro. Para piorar, o desemprego dá os primeiros sinais de que pode assombrar os brasileiros. De dezembro a fevereiro, a taxa de desocupação aumentou 8,6%, depois de 11 quedas significativas seguidas. Sob Lula, o país tem quase 10 milhões de pessoas sem trabalho.
DesgovernoAté o momento, o que o governo entregou de concreto foram a volta do terror ao campo e à cidade, o aparelhamento político da máquina pública e a promessa de gastança desenfreada. Nos três primeiros meses, o país já registrou 35 invasões de terras, segundo a Frente de Agropecuária da Câmara dos Deputados, que conseguiu assinaturas para instalar uma CPI do MST e seus satélites. Esse número supera todo o mandato de Bolsonaro, que registrou 24 invasões.
Além disso, as greves estão de volta. No fim de março, metroviários da cidade de São Paulo cruzaram os braços, afetando a vida de 3 milhões de trabalhadores. As linhas de ônibus ficaram cheias, o trânsito estendeu-se por quilômetros, e muita gente chegou em casa tarde da noite. O acordo com o Metrô só veio dois dias depois de os sindicalistas interromperem os serviços na capital. No mesmo período, o Sindicato dos Professores do Estado fechou parte da Avenida Paulista, para cobrar a revogação da reforma do ensino médio — atendida por Lula nesta semana.
Desde então, o país realizou dez concorrências públicas. Mais de 200 cidades já foram beneficiadas, num total de 20 milhões de pessoas, só com as primeiras obras. O investimento privado foi de R$ 70 bilhões. Mas o país precisa de R$ 700 bilhões para resolver todos os problemas.
Em vez de se ocupar da defesa judicial da União, o advogado-geral Jorge “Bessias”, um dos homens de confiança de Lula, criou a Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia. A finalidade é clara: o órgão adota medidas “cabíveis” contra tudo aquilo que julgar “desinformação”. Ou seja, na prática, algo similar ao que fazem o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral: uma espécie de Corte que chancela o que pode ou não ser dito no Brasil.
Sem apoio no CongressoA isso tudo, acrescenta-se a falta de governabilidade. Apesar de ter loteado todo o governo para partidos políticos, Lula até agora não conseguiu formar uma base parlamentar no Congresso para aprovar qualquer projeto.
Não para por aí. O petista coleciona problemas no ministério: como seu chefe da Casa Civil, Rui Costa, falhou no levantamento das biografias, há pelo menos dois casos de polícia na Esplanada: Daniela do Waguinho, do Turismo, é ligada a milicianos no Rio de Janeiro; e Juscelino Filho, das Comunicações, caiu na malha da corrupção miúda — usou avião da Força Aérea para ir a um evento de cavalos e usou dinheiro dos pagadores de impostos para construir estradas próximas à fazenda da família.
Depois de 100 dias, o Brasil já voltou pelo menos dez casas no tabuleiro da História. E até agora nem sinal da picanha.
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