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sábado, 10 de junho de 2023

Um velho princípio será útil a nossa política externa - Alon Feuerwerker

Análise Política

As relações exteriores brasileiras correm o risco progressivo de uma assimetria com a realidade material da política planetária. Um exemplo é quando o Brasil insiste na centralidade de reforçar a Organização das Nações Unidas e conquistar protagonismo na instituição, por meio de uma cadeira permanente no Conselho de Segurança.

Pois ambas, a ONU e seu órgão executivo, dão todos os sinais de caminhar para um destino semelhante ao da antecessora, a Liga das Nações, nascida da Primeira Guerra Mundial e falecida de morte morrida diante dos fatos trazidos pela Segunda. [com seriedade: qual a utilidade atual da ONU? qual guerra, ou guerras,  ela evitou neste século? É apenas uma forma de explorar as nações mais pobres para sustentar um cabide de empregos.]

A ONU e seu Conselho de Segurança emergiram dos resultados da guerra de 1939-45, daí a hegemonia, por meio do poder de veto, de americanos, soviéticos (hoje russos), chineses, britânicos e franceses.

O desenho resistiu por três décadas ao fim da Guerra Fria, mas finalmente parece estar virando um borrão, quando se consolida o realinhamento que hoje contrapõe os Estados Unidos, o G7, a Otan e a União Europeia à aliança, ainda informal, entre a República Popular da China e a Federação Russa, com a República Islâmica do Irã de coadjuvante.

Um sintoma dessa degeneração é o caráter cada vez mais decorativo do Conselho de Segurança. Vide a política de sanções, que, na teoria, só poderiam ser legalmente aplicadas pelo organismo, mas vêm sendo livremente implementadas pelo bloco ocidental conforme os interesses exclusivos deste.

Verdade que, por outro ângulo, tecer loas à ONU não deixa de ser um refúgio retórico temporário, sempre útil enquanto se espera para ver que bicho vai dar. Se a aliança entre russos e chineses obrigará o Ocidente a aceitar um mundo multipolar ou se o “mundo livre” se imporá taticamente a Moscou para, estrategicamente, isolar a superpotência asiática.

O terceiro governo Luiz Inácio Lula da Silva e quinto do Partido dos Trabalhadores largou buscando projetar poder diplomático para além da nossa natural zona de influência regional, no que não vem tendo sucesso por enquanto.

Pois o enigma a decifrar é como um país da América do Sul com aspirações a liderança faz para se equilibrar num cenário de radical polarização entre o Ocidente e o Oriente políticos, ou entre Norte e Sul, ficando “de boa” com os dois lados. Não será trivial.

Até porque o Brasil é o "elo mais fraco" dos Brics.

Nesse contexto, o lance mais produtivo até agora foi Lula buscar reagrupar o continente sul-americano para além das diferenças político-ideológicas, marcando até alguma diferença com as políticas de governos anteriores do PT. Falta só adaptar o discurso à prática. Não sermos juízes da vida alheia nem o presidente virar dublê de comentarista internacional.[expelindo, pela boca, asneiras e estultices, vício que,  recentemente, o levou a ser ignorado até pelo ex-palhaço que preside a Ucrânia. O atual presidente do Brasil sempre falou bobagens,mas piorou, agora que um passarinho lhe contou que é um estadista.]

Para a força da projeção internacional do Brasil, uma premissa essencial é a América do Sul se manter como zona de paz, integrada e dialogando sem restrições com ambos os blocos da polarização planetária. Nessa premissa, talvez seja hora de levar à radicalidade o princípio do respeito à soberania dos países e do direito dos povos à autodeterminação. 
Se o objetivo é tornar a região cada vez mais coesa, deve-se escapar por todos os meios da armadilha imperial de fazer juízos de valor sobre as políticas internas de uns e de outros. 
 
Alon Feuerwerker,  jornalista e analista político
 
 

domingo, 27 de fevereiro de 2022

Putin já foi o motorista Vladimir - Elio Gaspari




Outro dia, antes do início da guerra na Ucrânia, o jornalista americano Thomas Friedman escreveu que o melhor lugar para se acompanhar a crise é tentando entrar “na cabeça de Vladimir Putin”. 
Diversas pessoas já tentaram mapear essa cabeça, da alemã Angela Merkel à ex-secretária de Estado americana Madeleine Albright. O presidente russo é frio como cobra.

Em dezembro de 1989 ele estava na sede da KGB, em Dresden, na falecida Alemanha Oriental, quando uma multidão se aproximou da casa. Ele foi para o portão, disse que era um intérprete e recomendou que fossem embora, do contrário seus compatriotas atirariam. Deu certo, mas não havia atiradores.

Dois anos depois a Alemanha Oriental se acabara, a União Soviética derretera e a Rússia perdera cerca da metade de seu Produto Interno. Putin havia voltado para São Petersburgo e trabalhava com o prefeito da cidade. Para fechar o orçamento familiar, fazia bicos como motorista. Lembrando essa época numa entrevista, foi breve: “É desagradável falar sobre isso, mas infelizmente foi o caso”. 

 
Folha de S.Paulo - 
O Globo

Putin é frio como uma cobra 

Esse anônimo burocrata, que viu o fim do império soviético e a exaustão do Estado russo, governa o país há 22 anos com mão de ferro.

Vendo-se a figura de Putin nos salões da Rússia imperial, vale a pena lembrar que Vladimir já teve que trabalhar como chofer para fechar as contas.

Mourão e 1938
A referência do vice-presidente Hamilton Mourão ao xadrez diplomático de 1938, quando o primeiro-ministro inglês Neville Chamberlain e muita gente do andar de cima inglês defendiam uma política de “apaziguamento” com Hitler, ecoa um livro que saiu em 2019 nos Estados Unidos. Chama-se “Appeasement” (“Apaziguamento”), do historiador inglês Tim Bouverie. Magnificamente pesquisado, ele mostra friamente como e porque Chamberlain construiu a política que o levou a Munique, onde entregou parte da Tchecoslováquia aos alemães. Tinha o apoio da cúpula militar e dos principais jornais ingleses.

Faltava-lhe a simpatia de um leão: Winston Churchill. Ele assumiria o cargo de primeiro-ministro em 1940. [De Churchill sobre o apaziguamento:
Diante da política de “apaziguamento” com os nazistas, Churchill profetizou: “Entre a desonra e a guerra, eles escolheram a desonra, e terão a guerra”. Churchill sabia que um apaziguador é alguém que alimenta um crocodilo esperando ser o último a ser devorado”. Essa percepção se aplica perfeitamente ao caso atual envolvendo a Ucrânia.]

Com o tempo, a conta do apaziguamento foi toda para Chamberlain. Bouverie mostra que não foi bem assim. Em julho de 1938, Lord Halifax, ilustre conservador e ministro das Relações Exteriores, disse a um ajudante de ordens de Hitler que gostaria de ver o Führer em Londres, sendo aplaudido ao lado do rei George VI. Em setembro, Chamberlain foi a Munique e acertou-se com Hitler.

Dias depois a tropa alemã ocupou parte da Tchecoslováquia e em março de 1939 tomou o resto.

Problemas para amanhã
Na melhor das hipóteses, a invasão da Ucrânia criou dois problemas para amanhã. Cada um para um lado da questão:

Putin deverá lidar com o movimento de resistência dos nacionalistas ucranianos.
Os países europeus deverão lidar com centenas de milhares, senão milhões, de refugiados em busca de fronteiras que estiverem abertas para recebê-los.

(...)
 
Elio Gaspari, colunista - Folha de S.Paulo  e o Jornal O Globo 

quarta-feira, 30 de outubro de 2019

A marcha dos insensatos - Elio Gaspari


Folha de S. Paulo - O Globo

Em um cenário de ruína, Bolsonaro e Fernández resolveram se estranhar

Bolsonaro e o presidente eleito da Argentina resolveram se estranhar. Por quê? Por nada

Brasil e Argentina, além de vizinhos, são grandes parceiros comerciais. Ambos estão com taxas de desemprego de dois dígitos. Um torce para que o crescimento de 2019 chegue a 1%, e o outro rala uma contração da economia. Nesse cenário de ruína, Jair Bolsonaro e o presidente eleito da Argentina resolveram se estranhar. Por quê? Por nada. 

Donald Trump briga com Xi Jinping, mas ambos defendem seus negócios. Já houve época em que o Brasil e a Argentina crisparam suas relações por motivos palpáveis, como aconteceu em negociações comerciais e em torno da construção da Hidrelétrica de Itaipu. Mesmo nessas ocasiões, os governos comportavam-se com elegância. Durante uma dessas controvérsias, o presidente Fernando Henrique Cardoso escreveu: “Não gosto dessa coisa truculenta que não leva a nada. Já temos tantas arestas que é melhor nos pouparmos de acrescentar novas.” Agora, em torno do nada, Jair Bolsonaro e Alberto Fernández romperam a barreira da cordialidade. 

Utilizando-se uma medida útil para quem observa briga de rua, foi Bolsonaro quem começou. Em junho ele disse que “Argentina e Brasil não podem retornar à corrupção do passado, a corrupção desenfreada pela busca do poder. Contamos com o povo argentino para escolher bem seu presidente em outubro.” Um mês depois, o candidato Alberto Fernández visitou Lula na carceragem de Curitiba. Domingo, no seu discurso de vitória, ele repetiu o “Lula Livre”, e Bolsonaro classificou o gesto como “uma afronta à democracia brasileira”, recusando-se a cumprimentá-lo pela vitória. [realmente é sem sentido Brasil e Argentina duelarem - ambos já tem muitos problemas a resolver, e a situação dos argentinos é pior.
Mas, quem começou foi o argentino. O presidente Bolsonaro em junho apenas expressou o desejo de que os 'hermanos' fizessem uma bo aescolha.
Já o argentino um mês depois visitou um criminoso brasileiro, encarcerado em Curitiba - erro do Brasil permitir tal visita.
Após as eleições o argentino em seu discurso de comemoração da derrota que o povo argentino se impôs, repetiu um slogan pedindo a liberdade do criminoso condenado, se imiscuindo nos assuntos internos do Brasil e o presidente Bolsonaro respondeu à altura.]
Se diferenças ideológicas justificassem tanta agressividade, os Estados Unidos e a falecida União Soviética teriam começado a Terceira Guerra Mundial no final da década dos 40 do século passado.



(.....)

Em Folha de S. Paulo e O Globo, MATÉRIA COMPLETA - Elio Gaspari, jornalista