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terça-feira, 17 de maio de 2022

Ironia - O povo não tem vez no casamento de Lula

J.R. Guzzo    

Por que alguém que se considera a pessoa mais popular do Brasil e do mundo, amado por todos e apresentado por sua própria propaganda como uma combinação de Jesus Cristo e Nelson Mandela, precisa fazer uma festa de casamento secreta? 
É o que Lula, candidato à Presidência da República como marechal-de-campo da esquerda nacional, tentou. 
Não deu certo, é claro, porque esse tipo de coisa vaza mesmo, e vaza rápido. Mas tentaram esconder, e é aí que está o problema: esconder por quê?

casamento de Lula

Lula discursa em Belo Horizonte na semana passada: ex-presidente só participa de eventos controlados -  Foto: Ricardo Stuckert/PT

A explicação oficial é a necessidade de segurança, como na festa de qualquer burguesão desses que andam por aí. Tudo bem: rico é assim mesmo, faz suas comemorações atrás de uma muralha de homens de terno preto e fones de ouvido, em fortalezas defendidas por equipamento eletrônico, armamento de último tipo e tudo mais que pode isolar quem está dentro de quem precisa estar fora. Vale tudo, desde que a pobrada fique longe. Some daqui, pobre – é este o mandamento número 1 de qualquer festa de magnata.

Mas Lula não poderia ser assim.
Ele não é o pai universal dos pobres e dos coitados? Nessas horas deveria ter o povo em volta de si, em vez de fazer tudo para ficar isolado como um paxá. A explicação para isso é a mais simples de todas: é mentira que Lula seja um “homem do povo”, que tenha mesmo essa “popularidade” que encanta os institutos de pesquisa e que viva cercado pelo amor da população brasileira.

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Lula foi homem do povo, 40 anos atrás hoje é apenas um milionário a mais deste Brasilzão de sempre, igualzinho a todos os que fazem festas como a sua, circulam em carro blindado com motorista e levam uma vida sem nenhum ponto de contato com o dia a dia de pelo menos 95% da população deste país.

Sua popularidade, ao mesmo tempo, sofre há anos de uma deficiência terminal: ele não pode sair na rua, pelo medo invencível que tem de levar vaia, ouvir xingação de mãe e ser chamado de ladrão. 
A prova disso é que não sai nunca. Só vai a eventos fechados da CUT, do MST, da militância petista, de empresários em busca de oportunidades, de artistas e mais do mesmo – sempre em ambiente fechado, com entrada controlada e garantia de que o povo não chega perto.

Lula, em plena campanha eleitoral, não pode nem dar uma volta no quarteirão. Passa ao longe, de cara fechada, inatingível, escondido por vidros escuros e defendido por um batalhão de seguranças armados com submetralhadoras.

É natural, assim, que a sua festa de casamento seja idêntica às festas dessa “elite” que ele denunciou como a praga fatal do Brasil durante toda a sua vida política. É uma prova a mais, depois de tantas, de que na vida real ninguém é mais da elite do que ele próprio. Na discurseira que a mídia publica, Lula continua fazendo de conta que é o grande combatente mundial contra o capitalismo, o homem do povo inconformado com o excesso de gastos da classe média e o santo protetor dos pobres brasileiros.

Na hora da sua festa de casamento, os únicos pobres presentes são os garçons, os ajudantes de cozinha e os manobristas todos eles, por sinal, proibidos de comparecer ao trabalho com os seus celulares, para que não possam dizer nem mostrar para ninguém o que acontece dentro. Lula, o PT e os seus devotos são isso.

J. R. Guzzo, colunista - Gazeta do Povo - VOZES

sexta-feira, 22 de março de 2019

O anexo zero

Em mais um capítulo da guerra contra o Supremo, procuradores da Lava-Jato pressionam delatores e colhem uma suspeita contra Luiz Fux 



O embate entre procuradores da Lava-Jato e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) parecia ter atingido seu ponto de ebulição quando o ministro Gilmar Mendes chamou os membros do Ministério Público de “cretinos” e “desqualificados” durante uma sessão da Corte. Na verdade, o conteúdo de uma proposta de delação premiada ainda sob sigilo tem potencial para aumentar muito mais a temperatura do conflito. VEJA apurou que o empresário Jacob Barata, conhecido como “rei do ônibus” no Rio de Janeiro, envolveu em sua delação o ministro Luiz Fux, do STF, ao informar que um ex-assessor do magistrado teria sido o destinatário de alguns milhões de reais para ajudar a influenciar uma decisão judicial. A acusação não trazia nenhum outro detalhe, mas os procuradores viram aí uma chance de alcançar um objetivo que perseguem desde os primórdios da Lava-­Jato: atingir o STF.

Acusado de pagar mais de 140 milhões de reais em propinas nas últimas três décadas, Barata começou a tentar um acordo de delação com o Ministério Público do Rio em 2017. Desde então, seus advogados já redigiram mais de três dezenas de “anexos”, como são chamados os capítulos que resumem os segredos que o colaborador pretende revelar. Em abril de 2018, apresentaram a primeira leva. O empresário se comprometia a revelar pagamentos de suborno e contribuições clandestinas de campanhas para vários agentes públicos. Os investigadores não demonstraram maior interesse pela delação porque a maioria dos casos e personagens que Barata desejava delatar já era conhecida. Os procuradores queriam nomes novos, ou, nas palavras de um dos negociadores do acordo, nomes de “pessoas importantes”, nomes de “autoridades do Judiciário”.

Durante as conversas, o Ministério Público jamais disse qual autoridade do Judiciário estava buscando, mas os negociadores entenderam: era Gilmar Mendes. Afinal, o ministro fora padrinho de casamento de uma das filhas de Barata e, nos oito meses anteriores, lhe concedera três habeas-corpus consecutivos para libertá-lo da prisão. Os procuradores, que pediram a suspeição de Gilmar nos processos envolvendo Barata, acreditavam que as ligações do ministro com o empresário iam além de uma festa de casamento. Mas Barata, mesmo querendo emplacar sua delação para reduzir a pena de prisão, nunca relatou nada que pudesse comprometer o ministro.
DELAÇÃO – O empresário Jacob Barata: relato de reunião em que se discutiu propina (Andre Melo/Agencia Tempo/Estadão Conteúdo)

Em agosto do ano passado, o empresário e seus advogados fizeram uma nova tentativa de acordo. Informaram que, finalmente, tinham algo que poderia interessar os procuradores. A história era a seguinte: em 2011, Barata participou de uma reunião do conselho de administração da Fetranspor, entidade que reúne os empresários de ônibus do Rio de Janeiro. Na ocasião, o então presidente do conselho da Fetranspor, José Carlos Lavouras, disse que precisava sacar dinheiro do caixa da entidade para repassá-lo a um assessor do ministro Luiz Fux. O objetivo, segundo Lavouras, seria “influenciar” decisões de interesse da Fetranspor. Só isso. Barata não sabia dizer qual o processo judicial que despertava o interesse da federação, não sabia o montante que teria sido sacado do caixa, nem mesmo se o pagamento teria sido realmente feito. No fim do anexo, seus advogados informaram que, na época do suposto repasse, o assessor do ministro chamava-se José Antônio Nicolao Salvador. Mesmo vaga, a história foi reunida em um anexo classificado como “confidencial” e apresentado à Procuradoria-Geral em Brasília. É o “anexo zero” da tentativa de delação de Barata.

Empossado no STF em março de 2011, o ministro Luiz Fux analisou apenas um processo que, aparentemente, poderia ser do interesse da Fetranspor. Ele discutia se o INSS estava ou não autorizado a cobrar das empresas a contribuição previdenciá­ria sobre o valor do vale-transporte pago em dinheiro. O STF, um ano antes, havia decidido a favor das empresas, mas a Fetranspor queria que a sentença deixasse claro que a medida era extensiva a quem usava vale-trans­porte em cartão. Em dezembro de 2011, quando Fux tinha apenas nove meses de tribunal, o plenário do STF confirmou a sentença a favor das empresas de ônibus por unanimidade. Especialistas consultados por VEJA dis­seram que a decisão era totalmente previsível. Por isso a acusação contra Fux não parece fazer sentido. Afinal, por que alguém pagaria “alguns milhões de reais” para “influenciar” uma decisão que já estava ganha?
(...)

A informação de que um anexo colocava o ministro Fux em situação suspeita chegou aos ministros do STF — e ali produziu a certeza de que a Lava-­Jato está promovendo uma orquestração para desacreditar a Corte. Em fevereiro, em entrevista à revista Época, Gilmar Mendes disse que um colega do STF estava sendo “chantageado” pelos procuradores, mas não revelou a identidade do ministro. Era Fux, que conversara com Gilmar depois de ouvir, ele próprio, alguns rumores sobre o conteúdo da delação de Barata. Na conversa, Gilmar, crítico mordaz dos métodos de investigação da Lava-Jato, alertou o colega. “Estão tentando te comprometer”, disse. E chamou sua atenção para a proliferação de notícias com insinuações de que novas delações realizadas no Rio envolveriam autoridades da Justiça.

(...)

Há outro caso em que os procuradores parecem ter pressionado um delator a envolver o Judiciário. Preso em fevereiro de 2018 sob a acusação de corrupção e lavagem de dinheiro, Orlando Diniz, ex-presidente da Federação do Comércio do Rio, contou ter pago mais de 25 milhões de reais para “influenciar” decisões no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Os procuradores acharam que, finalmente, o nome de algum magistrado seria envolvido, mas, na hora de descer aos detalhes, a delação emperrou. Diniz afirmou que não efetuou pagamento a nenhum ministro, mas sim a um escritório de advocacia em Brasília, cuja missão seria fazer o trabalho de “influência” no STJ. O escritório pertence ao ad­vogado Eduardo Martins, filho de Hum­berto Martins, ministro do STJ e corregedor nacional de Justiça. Para fecharem a delação, os procuradores queriam que Diniz reconhecesse que o pagamento ao advogado era, na verdade, destinado a Humberto Martins ou a outros juízes do STJ. Diniz disse que não tinha como saber. A delação melou. Naquela época, o processo de maior interesse da Fecomércio no tribunal se referia a uma disputa pelo comando do Sesc e do Senac do Rio. Diniz obteve uma decisão favorável. Humberto Martins não participou do julgamento, mas, no dia seguinte, Eduardo Martins recebeu parte dos honorários. Procurado, o ministro disse que não atua em nenhuma causa de seus filhos no tribunal.
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Publicado em VEJA de 27 de março de 2019, edição nº 2627

MATÉRIA COMPLETA na Revista VEJA,  edição nº 2627