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sexta-feira, 22 de março de 2019

O anexo zero

Em mais um capítulo da guerra contra o Supremo, procuradores da Lava-Jato pressionam delatores e colhem uma suspeita contra Luiz Fux 



O embate entre procuradores da Lava-Jato e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) parecia ter atingido seu ponto de ebulição quando o ministro Gilmar Mendes chamou os membros do Ministério Público de “cretinos” e “desqualificados” durante uma sessão da Corte. Na verdade, o conteúdo de uma proposta de delação premiada ainda sob sigilo tem potencial para aumentar muito mais a temperatura do conflito. VEJA apurou que o empresário Jacob Barata, conhecido como “rei do ônibus” no Rio de Janeiro, envolveu em sua delação o ministro Luiz Fux, do STF, ao informar que um ex-assessor do magistrado teria sido o destinatário de alguns milhões de reais para ajudar a influenciar uma decisão judicial. A acusação não trazia nenhum outro detalhe, mas os procuradores viram aí uma chance de alcançar um objetivo que perseguem desde os primórdios da Lava-­Jato: atingir o STF.

Acusado de pagar mais de 140 milhões de reais em propinas nas últimas três décadas, Barata começou a tentar um acordo de delação com o Ministério Público do Rio em 2017. Desde então, seus advogados já redigiram mais de três dezenas de “anexos”, como são chamados os capítulos que resumem os segredos que o colaborador pretende revelar. Em abril de 2018, apresentaram a primeira leva. O empresário se comprometia a revelar pagamentos de suborno e contribuições clandestinas de campanhas para vários agentes públicos. Os investigadores não demonstraram maior interesse pela delação porque a maioria dos casos e personagens que Barata desejava delatar já era conhecida. Os procuradores queriam nomes novos, ou, nas palavras de um dos negociadores do acordo, nomes de “pessoas importantes”, nomes de “autoridades do Judiciário”.

Durante as conversas, o Ministério Público jamais disse qual autoridade do Judiciário estava buscando, mas os negociadores entenderam: era Gilmar Mendes. Afinal, o ministro fora padrinho de casamento de uma das filhas de Barata e, nos oito meses anteriores, lhe concedera três habeas-corpus consecutivos para libertá-lo da prisão. Os procuradores, que pediram a suspeição de Gilmar nos processos envolvendo Barata, acreditavam que as ligações do ministro com o empresário iam além de uma festa de casamento. Mas Barata, mesmo querendo emplacar sua delação para reduzir a pena de prisão, nunca relatou nada que pudesse comprometer o ministro.
DELAÇÃO – O empresário Jacob Barata: relato de reunião em que se discutiu propina (Andre Melo/Agencia Tempo/Estadão Conteúdo)

Em agosto do ano passado, o empresário e seus advogados fizeram uma nova tentativa de acordo. Informaram que, finalmente, tinham algo que poderia interessar os procuradores. A história era a seguinte: em 2011, Barata participou de uma reunião do conselho de administração da Fetranspor, entidade que reúne os empresários de ônibus do Rio de Janeiro. Na ocasião, o então presidente do conselho da Fetranspor, José Carlos Lavouras, disse que precisava sacar dinheiro do caixa da entidade para repassá-lo a um assessor do ministro Luiz Fux. O objetivo, segundo Lavouras, seria “influenciar” decisões de interesse da Fetranspor. Só isso. Barata não sabia dizer qual o processo judicial que despertava o interesse da federação, não sabia o montante que teria sido sacado do caixa, nem mesmo se o pagamento teria sido realmente feito. No fim do anexo, seus advogados informaram que, na época do suposto repasse, o assessor do ministro chamava-se José Antônio Nicolao Salvador. Mesmo vaga, a história foi reunida em um anexo classificado como “confidencial” e apresentado à Procuradoria-Geral em Brasília. É o “anexo zero” da tentativa de delação de Barata.

Empossado no STF em março de 2011, o ministro Luiz Fux analisou apenas um processo que, aparentemente, poderia ser do interesse da Fetranspor. Ele discutia se o INSS estava ou não autorizado a cobrar das empresas a contribuição previdenciá­ria sobre o valor do vale-transporte pago em dinheiro. O STF, um ano antes, havia decidido a favor das empresas, mas a Fetranspor queria que a sentença deixasse claro que a medida era extensiva a quem usava vale-trans­porte em cartão. Em dezembro de 2011, quando Fux tinha apenas nove meses de tribunal, o plenário do STF confirmou a sentença a favor das empresas de ônibus por unanimidade. Especialistas consultados por VEJA dis­seram que a decisão era totalmente previsível. Por isso a acusação contra Fux não parece fazer sentido. Afinal, por que alguém pagaria “alguns milhões de reais” para “influenciar” uma decisão que já estava ganha?
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A informação de que um anexo colocava o ministro Fux em situação suspeita chegou aos ministros do STF — e ali produziu a certeza de que a Lava-­Jato está promovendo uma orquestração para desacreditar a Corte. Em fevereiro, em entrevista à revista Época, Gilmar Mendes disse que um colega do STF estava sendo “chantageado” pelos procuradores, mas não revelou a identidade do ministro. Era Fux, que conversara com Gilmar depois de ouvir, ele próprio, alguns rumores sobre o conteúdo da delação de Barata. Na conversa, Gilmar, crítico mordaz dos métodos de investigação da Lava-Jato, alertou o colega. “Estão tentando te comprometer”, disse. E chamou sua atenção para a proliferação de notícias com insinuações de que novas delações realizadas no Rio envolveriam autoridades da Justiça.

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Há outro caso em que os procuradores parecem ter pressionado um delator a envolver o Judiciário. Preso em fevereiro de 2018 sob a acusação de corrupção e lavagem de dinheiro, Orlando Diniz, ex-presidente da Federação do Comércio do Rio, contou ter pago mais de 25 milhões de reais para “influenciar” decisões no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Os procuradores acharam que, finalmente, o nome de algum magistrado seria envolvido, mas, na hora de descer aos detalhes, a delação emperrou. Diniz afirmou que não efetuou pagamento a nenhum ministro, mas sim a um escritório de advocacia em Brasília, cuja missão seria fazer o trabalho de “influência” no STJ. O escritório pertence ao ad­vogado Eduardo Martins, filho de Hum­berto Martins, ministro do STJ e corregedor nacional de Justiça. Para fecharem a delação, os procuradores queriam que Diniz reconhecesse que o pagamento ao advogado era, na verdade, destinado a Humberto Martins ou a outros juízes do STJ. Diniz disse que não tinha como saber. A delação melou. Naquela época, o processo de maior interesse da Fecomércio no tribunal se referia a uma disputa pelo comando do Sesc e do Senac do Rio. Diniz obteve uma decisão favorável. Humberto Martins não participou do julgamento, mas, no dia seguinte, Eduardo Martins recebeu parte dos honorários. Procurado, o ministro disse que não atua em nenhuma causa de seus filhos no tribunal.
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Publicado em VEJA de 27 de março de 2019, edição nº 2627

MATÉRIA COMPLETA na Revista VEJA,  edição nº 2627
 
 

domingo, 21 de maio de 2017

A nova trama do coronel do comércio

Há 36 anos no comando da Confederação Nacional do Comércio, Antônio Santos manobra para permanecer no poder e continuar manipulando um orçamento de R$ 5 bilhões

Democracia e alternância no poder são expressões inexistentes no vocabulário do presidente da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Antônio Oliveira Santos. Aos 90 anos de idade, há incríveis 36 anos ele está à frente da entidade que abriga o Sesc e o Senac. Aos longo dessas quase quatro décadas, construiu um patrimônio superior a R$ 10 milhões, com endereços nobres no Rio de Janeiro, Vitória e São Paulo, além de um avião Cessna 182 e outros bens de menor valor. Tamanho apego ao cargo, talvez possa ser explicado por números tão superlativos quanto o patrimônio. Embora curiosamente os salários não estejam detalhados na contabilidade da CNC, sabe-se que anualmente são gastos R$ 3,5 milhões apenas com quatro diretores. Outros R$ 5 milhões são destinados a cobrir diárias da diretoria. Em 2015, por exemplo, só em diárias, o “coronel do comércio”, como Santos é tratado por alguns líderes de federações estaduais, recebeu R$ 850 mil da CNC. Como o ano tem 54 semanas, o presidente de 90 anos foi aquinhoado com diárias equivalentes a R$ 15,7 mil por semana. No ano que vem, haverá eleição e mais uma vez, Santos se prepara para conquistar um novo mandato. Para isso, vem trabalhando para alterar os estatutos da CNC.

Segundo as regras atuais, caso o presidente seja impedido de exercer a função, assume o vice com a missão de convocar nova eleição. Santos pretende mudar isso. Quer que, em caso de vacância do cargo maior, o vice assuma o restante do mandato, sem necessidade de eleição. Com isso, o “coronel” aposta na idade avançada para recrutar como vice algum eventual opositor que lhe ameace efetivamente. Tudo para evitar disputa. Não é a primeira vez que Santos recorre a métodos questionáveis para manter-se no poder. Nas últimas disputas, ele não se intimidou em prejudicar as federações lideradas por opositores, promovendo intervenções e cortando recursos.

Engenheiro de formação, o presidente da Confederação Nacional do Comércio, nunca trabalhou no comércio. Em plena ditadura militar, chegou ao comando da entidade, em 1980, com a ajuda efetiva do então poderoso general Golbery do Couto e Silva. Para manter-se no cargo, apesar das inúmeras transformações porque o País passou ao longo desses anos, ampara-se em um orçamento superior a R$ 5 bilhões, arrecadados em forma de imposto sindical e com a contribuição das empresas ao chamado Sistema S e usa critérios muito particulares para distribuir os recursos às 27 federações em todo o País. Onde há focos de oposição, Santos decreta intervenções e corta o fluxo de recursos.



 ALTO CUSTO As torres da CNC custaram R$ 200 milhões e uma delas permanece desocupada (Crédito:Dida Sampaio/Estadão)

Tanto tempo no poder faz com que Santos administre os recursos da entidade como se fosse seu próprio orçamento doméstico. Criou para a filha Ana uma estrutura do Sesc em Parati (RJ). O terreno onde um dos prédios foi construído estava anunciado por R$ 10 milhões, mas o Sesc Nacional pagou R$ 11 milhões pelo imóvel. Com a nora Chole Lerina, casada com Marco Antônio, o coronel foi mais contido. Abriu para ela uma sala no Sesc da Barra da Tijuca para que ali fosse instalado um brechó privado. Há, no entanto, casos mais escandalosos. Um deles vem chamando a atenção do Ministério Público. Trata-se da construção das torres da CNC em Brasília. A obra foi feita pela Via Engenharia e apenas os dois últimos prédios custaram R$ 200 milhões. Um deles está vazio e custa à entidade cerca de R$ 20 milhões por ano apenas com a manutenção. A Lava Jato já investiga a Via Engenharia por conta de superfaturamento na construção do estádio Mané Garrincha, e os procuradores também irão apurar os detalhes sobre as torres da CNC.

Festeiro e bem relacionado, Santos, no ano passado, comemorou o aniversário no sofisticado Country Clube de Ipanema. Entre os convidados, a ex-ministra do STF, Ellen Grace, e os ex-ministros Bernardo Cabral e Francisco Dornelles. Nos governos de Lula e Dilma, o principal aliado do “coronel do comércio” era o então ministro da Previdência Carlos Gabas. A ligação era tão próxima que o petista, que presidia o Conselho Fiscal do Sesc, disse publicamente que não investigaria as contas de Santos. No caso, pesou mais do que a amizade. Santos e outro diretor da CNC determinaram pagamentos do Sesc à Fundação Perseu Abramo, órgão ligado ao PT, sob o argumento de financiar pesquisas. Esse pagamento está sob investigação em Brasília.

 Uma outra mudança de estatuto proposta pelo “coronel” é mais marota. Ele quer que o presidente indique representantes para órgãos de jurisdição nacional sem o aval da diretoria. Um desses órgãos é o Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), cuja atuação dos conselheiros vem sendo acompanhadas de perto pelo Ministério da Transparência e Controle. Um dos investigados é o ex-conselheiro Antônio Lisboa Cardozo, indicado pela CNC. Ele favoreceu a Via Engenharia em processo que soma R$ 45 milhões e foi indiciado pela Operação Lava Jato.

Fonte: Isto É

 

sexta-feira, 17 de junho de 2016

Filho de ministro do STJ recebeu R$ 10 mi por processos que não tinha procuração



Mesmo sem nenhuma assinatura nos processos, o advogado Eduardo Filipe, filho do ministro Humberto Martins, ganhou os honorários de dinheiro público pagos pela Fecomércio do Rio



O advogado Eduardo Martins, filho do ministro do STJ Humberto Martins (Foto: Reprodução)

Eduardo Filipe Alves Martins, 31, é um jovem advogado de carreira próspera em Brasília. Carrega em seu currículo o sobrenome do pai, Humberto Martins, ministro do Superior Tribunal de Justiça desde 2006 e atual vice-presidente da corte. Eduardo Martins, apesar da pouca idade, já pode se considerar um milionário na advocacia. ÉPOCA obteve documentos que mostram pagamentos de R$ 10 milhões por dois processos no STJ. A fatura foi paga com dinheiro da Fecomércio do Rio de Janeiro. Apesar dos altos pagamentos, Eduardo Martins não consta nos processos que ele mesmo registrou nas notas fiscais emitidas. Não tem nem sequer procuração, enquanto as outras bancas de advocacia contratadas pela Fecomércio-Rio atuaram nessas mesmas ações com procuração e fizeram petições.


 Nota fiscal emitida por Eduardo Martins cita um processo no STJ na qual ele não assina nenhum documento (Foto: Reprodução)

Os processos citados nas notas são dois Agravos em Recursos Especiais, mais conhecidos no mundo jurídico como ARESPs. Juntos, os dois processos somam 4.772 páginas, 12 procurações e mais de 20 advogados inscritos. Trata-se de dois processos de uma longa disputa jurídica, com sucessivas reviravoltas, para decidir se Orlando Diniz pode continuar à frente da Fecomércio, Sesc e Senac do Rio, ante uma tentativa da Confederação Nacional do Comércio de fazer uma intervenção nas entidades.  

Enquanto o processo não se define, Orlando Diniz não poupou esforços  -  e dinheiro das entidades -  para permanecer no cargo. ÉPOCA obteve documentos internos que mostram que, desde 2012, a Fecomércio do Rio fez contratos de mais de R$ 100 milhões com advogados. Essas entidades têm receitas próprias e recebem dos trabalhadores e empresas a chamada contribuição compulsória, prevista em lei, como principal fonte de renda, daí o entendimento de que usam dinheiro público. Prestam contas, inclusive, aos órgãos de controle, como nas auditorias do Tribunal de Contas da União.

Entre essas diversas reviravoltas na disputa judicial, uma delas aconteceu no fim do ano passado, quando Orlando Diniz conseguiu retomar o controle do Sesc-RJ. Diniz estava afastado da entidade há cerca de um ano e, quando voltou, determinou repasses de R$ 36 milhões para a Fecomércio. O motivo, segundo o ofício obtido por ÉPOCA, era justamente pagar as faturas dos advogados, “considerando que a Fecomércio-RJ responsabilizou-se pelos pagamentos dos valores decorrentes dos contratos de prestação de serviços advocatícios que se referem a defesa dos interesses comuns das instituições que compõem o sistema Fecomércio- Rio”.

[são entidades do famoso ‘Sistema S’ – SESC, SENAC, SESI, SENAI e outros – e que servem de cabide de empregos para petistas – Jair Menegheli, ex-deputado pelo PT – é ‘dono’ do SESI e SENAI de São Paulo – e Gilberto Carvalho, pau mandado do Lula, está desfrutando da merecida recompensa pelos crimes que cometeu quando no governo Lula e Dilma, exercendo a presidência do SESI e SENAI.
A CNA, CNC e CNI também recebem volumosos recursos do ‘imposto sindical’ e não prestam nenhum tipo de serviço as categorias de trabalhadores que deveriam assistir.]