Blog Prontidão Total NO TWITTER

Blog Prontidão Total NO  TWITTER
SIGA-NOS NO TWITTER
Mostrando postagens com marcador forte. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador forte. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 5 de março de 2020

Pura matemática - O que são R$ 30 bi num orçamento de R$ 3,6 trilhões - J.R. Guzzo

Gazeta do Povo

Planalto e Congresso fazem queda de braço por R$ 30 bi do orçamento. É muito atrito para pouco dinheiro.

Por alguma razão que talvez só investigadores da alma brasileira com a pertinácia e a turbinagem mental de um Gilberto Freyre ou um Euclides da Cunha conseguiriam explicar, mas não explicaram, a cultura brasileira tem dificuldades frequentemente mortais com a matemática. A coisa não vai, simplesmente – não gostamos de fazer conta, essa é que é a verdade.

Seria algum desdobramento obscuro das tensões entre casa grande e senzala, talvez, ou uma reação tardia da notória nutrição deficiente das elites coloniais? Quem sabe uma consequência mal avaliada dos contrastes entre o sertanejo, um forte, e os mestiços neurastênicos do litoral? Vai saber. O fato é que o brasileiro é ruim na hora de mexer com a calculadora e conseguir pensar alguma coisa inteligente sobre o que apareceu na tela.

Um dos grandes clássicos do gênero está em cartaz neste preciso momento, com a apaixonada discussão, no mundo político, na mídia e nas mesas redondas da televisão, do “orçamento impositivo”. Você não entendeu muito bem, ou simplesmente não entendeu, o que é isso – e, sobretudo, se é bom, se é ruim ou se não é nada? Não se preocupe: muito pouca gente entendeu, e quem entendeu não está explicando.

Basicamente, trata-se de determinar, entre Congresso e Executivo, como, onde e por quem será gasta uma certa porção do orçamento federal de 2020 – e obviamente, quanto dinheiro público ficará bloqueado nisso. Não é preciso ser nenhum gênio para ver que tanto os parlamentares quanto o governo querem, cada um do seu lado, mais dinheiro para si próprios. A disputa fica ainda mais evidente quando se sabe que a maior parte do orçamento da União, no linguajar em uso nas finanças públicas, é composto pela célebre “verba carimbada”: só pode ir para onde o carimbo manda que vá. Tanto para a folha de pagamento, tanto para a Previdência Social, tanto para esta ou aquela área específica. O resultado é que a parte realmente disponível para ser gasta a cada ano fica estreita – e quanto mais estreita, maior a briga.

Entra em cena, à essa altura, a atávica dificuldade brasileira com as operações aritméticas. É complicado: esse bloqueio, presente em todo o seu esplendor naquilo que sai publicado na mídia, acaba por tornar a questão toda incompreensível. Este ano, como se sabe, o Congresso está querendo, para aplicar nos projetos dos deputados e senadores, uma quantia inédita de dinheiro do orçamento. O presidente da República vetou parte das pretensões dos parlamentares – e agora vai se decidir se os seus vetos serão mantidos, derrubados ou valerão em parte. Pronto.

Congressistas falam em “choque de poderes”, “desafio ao Parlamento” e crise institucional”. Gente do governo fala que há uma conspiração no Congresso para criar uma espécie de “parlamentarismo branco” no país – seriam os políticos e partidos os que iriam realmente mandar no orçamento, uma anomalia em nosso regime presidencial.

O dinheiro envolvido na briga é de R$ 30 bilhões, que passariam a ser gastos segundo as decisões dos deputados e senadores. E o que são R$ 30 bilhões? Um número só quer dizer alguma coisa se comparado com outro; sozinho, pode muito bem não significar coisa nenhuma. No caso, pouco se diz ao público pagante que o orçamento de 2020 é de R$ 3,6 trilhões – e que a reforma tributária ora em cogitação pode envolver um total de até R$ 6 trilhões. E então: será que aqueles trintinha em relação aos quais tanto se grita seriam mesmo capazes de criar um regime “parlamentarista”, de qualquer cor, no Brasil?

Só o déficit previsto nas contas da União em 2020 (repetindo: só o déficit) é de quase R$ 125 bilhões – ou quatro vezes mais que toda a verba “impositiva” em torno da qual se descabelam políticos, governo, mídia e “especialistas”. Não gostou do número? Então experimente esses: serão R$ 95 bi para a Educação, R$ 125 bi para a Saúde, R$ 350 bi para a folha de pagamento do pessoal e a caminho dos R$ 700 bilhões para a Previdência.

Os R$ 30 bi, perto desses números, são outra coisa. Você pode continuar achando que é muito – ou que é pouco. Da mesma maneira, você pode achar que os R$ 2 bilhões extorquidos do contribuinte para o fundo eleitoral de 2020 são um roubo e provavelmente são mesmo. Você pode até achar que não deveria haver nenhuma verba reservada aos projetos dos congressistas, por uma questão de princípio. Mas, em qualquer caso, a esperança de debater com lógica essa questão será igual a três vezes zero enquanto a matemática for proibida de entrar na sala.

J. R. Guzzo, jornalista -Vozes - Gazeta do Povo




sábado, 17 de outubro de 2015

Eduardo Cunha, o senhor do impeachment



Abalroado por denúncias de envolvimento no petrolão, o presidente da Câmara parece derrotado.

Mas ainda é ele quem conduz o ritmo do futuro político do país 


"Uma liminar do Teori Zavascki", anunciou, faceiro, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. A presidente Dilma Rousseff, que estava reunida com seu vice, Michel Temer, e com ministros e líderes do governo no Congresso, festejou. Na manhã da última terça-feira, aquela era a melhor notícia que Dilma poderia receber. Minutos depois, a boa-nova ficou ainda melhor: o Supremo Tribunal Federal havia concedido não uma, mas três liminares. Todas suspendiam o rito criado pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha, para a tramitação de um processo de impeachment de Dilma. No dia seguinte, já no fim da tarde, a decisão do Supremo era o assunto no cafezinho do plenário da Câmara. 

“Já era”, disse o deputado Arthur Lira, do PP de Alagoas, ao colega do PMDB baiano Lucio Vieira Lima – ambos aliados de Cunha, registre-se. Enquanto se serviam em um bufê com saladas, sopas e sanduíches, os parlamentares comentavam que as liminares eram um “balde de água fria”. Cunha enfrenta ainda, há duas semanas, sucessivas denúncias de envolvimento no petrolão. A olhos inocentes, o presidente da Câmara parecia derrotado. Certamente está sangrando. Mas ele ainda é forte, muito forte – e se tornou ainda mais perigoso para o governo Dilma.
 CALMA
O presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Ele está sereno porque sabe que tem um exército para defendê-lo (Foto: Adriano Machado/ÉPOCA)

Eduardo Cunha está sereno. “Não vou agir com raiva ou com o fígado”, diz. Cunha tem a frieza de quem teceu, durante toda a sua carreira política e em várias frentes, uma rede de proteção digna dos mais ousados equilibristas. Na Câmara, trincheira onde hoje atua, Cunha tem, em sua retaguarda, a maior bancada da Casa. Enquanto o PMDB tem 66 deputados, o PT 62 e o PSDB 54, Cunha tem 150 parlamentares que lhe devem fidelidade. Esse exército tem duas missões: livrar Cunha do processo que ele enfrenta no Conselho de Ética e ajudar a construir a maioria de dois terços necessária para a aprovação do impeachment de Dilma. São missões de defesa e de ataque – e o “timing” de uma está condicionado ao “timing” da outra. Cunha precisa se defender nos inquéritos contra ele no Supremo Tribunal Federal, onde depende apenas de si mesmo e de seus advogados, e no Conselho de Ética da Câmara, em que pode contar com a artilharia de seus deputados. Enquanto isso, Cunha trama a ofensiva contra Dilma, contando com os mesmos canhões.

O Planalto aprendeu, ainda que tardiamente, a medir o poder de fogo de Cunha. Na semana passada, escolheu Jaques Wagner, ministro-chefe da Casa Civil, e Edinho Silva, da Comunicação Social, como emissários do governo para buscar uma trégua. Foram necessárias ao menos duas tentativas frustradas dos dois ministros para que Cunha desse algum sinal de que estava disposto a dialogar com o governo. A divulgação de encontros e telefonemas entre os dois lados alimentou equivocados rumores de que um “acordão” seria costurado. Tanto o governo quanto o presidente da Câmara negam com veemência a existência e a possibilidade de um acordo.


Cunha nega, simplesmente, porque não precisa fazer um acordo com o governo. Com os seguidores que tem na Câmara, está confiante em que conseguirá ver o processo contra si arquivado no Conselho de Ética. O pedido de abertura do processo argumenta que Cunha quebrou o decoro parlamentar ao mentir sobre a existência de contas suas na Suíça. O PMDB já indicou para duas vagas suplentes do conselho os deputados Carlos Marun, do PMDB de Mato Grosso do Sul, e Manoel Junior, da Paraíba, ambos próximos a Cunha. Já sua relação com a oposição não está tão fluida quanto há duas semanas. No dia 10, líderes dos partidos de oposição ao governo defenderam o afastamento de Cunha do cargo. Na ocasião, Cunha chegou a dizer para eles: “Se eu derrubo Dilma agora, no dia seguinte, vocês é que vão me derrubar”. Cunha entende tudo de timing. Embora esteja desconfiado da oposição, ele acredita que ainda pode contar, no Conselho de Ética, com votos do PSDB. Nos bastidores, os tucanos resistem em romper com o dono da batuta que pode conduzir o impeachment de Dilma.

Os votos do PT para se livrar desse processo, portanto, não serão necessários. O Planalto não tem nada a oferecer a Cunha neste momento. Nem mesmo um alívio nas investigações da Lava Jato. As acusações contra Cunha chegaram a um ponto incontornável. São graves demais para ser abafadas por manobras políticas. Eram quase 17 horas da quinta-feira quando Cunha recebeu uma mensagem pelo celular de um de seus advogados. Ele avisava que a Procuradoria-Geral da República havia encaminhado ao Supremo um novo pedido de abertura de inquérito contra Cunha. O alvo das investigações são as tais contas mantidas por Cunha na Suíça – contas cuja existência o deputado segue negando. O ministro Teori Zavascki aceitou o pedido. O novo inquérito, esclareceu a PGR no dia seguinte, tem como base as informações enviadas pelo Ministério Público suíço, de que foram localizadas quatro contas em nome de Cunha e de sua mulher, Cláudia Cruz. Os documentos apresentados pela Suíça e os contratos obtidos na Petrobras mostram que Cunha foi beneficiado por um contrato de US$ 34,5 milhões entre a estatal e a empresa Compagnie Béninoise de Hydrocarbures Sarl (CBH), no Benin, na África. 

Desse montante, foi feita uma transferência de US$ 10 milhões, que tinha como destinatário final Eduardo Cunha. A transação foi feita por meio de pagamentos de uma conta, que pertencia a Cunha, a Orion. Essa conta recebeu pagamentos de 1,311 milhão de francos-suíços da conta da empresa Acona International Investments, que pertencia a João Augusto Rezende Henriques, um dos operadores do petrolão. No pedido, a Procuradoria mostra também que o patrimônio de Cunha evoluiu 214% entre 2002 e 2014. Nesse período, os bens de Cunha passaram de R$ 525.700 para R$ 1,6 milhão.

O semblante de Cunha era de apreensão ao descobrir que, além de seu nome, estavam listadas no inquérito sua filha, Danielle Cunha, e sua mulher. Um possível envolvimento de sua família nas investigações era um dos maiores temores do parlamentar desde o início do vazamento de parte do material enviado do Ministério Público suíço ao Brasil. A pessoas próximas, Cunha se disse preocupado com uma eventual investigação de seus familiares em uma ação que corresse em primeira instância. Isso, segundo ele, poderia elevar as possibilidades de um pedido de prisão preventiva de algum deles, por exemplo. 

O pedido de abertura de inquérito da PGR é assinado por Eugênio Aragão, vice-procurador eleitoral, já que Rodrigo Janot está em viagem – justamente à Colômbia. Aragão é ligado ao PT. “Há indícios suficientes de que as contas no exterior não foram declaradas pelas pessoas mencionadas e, ao menos em relação a Eduardo Cunha, de que são produto de crime”, diz um trecho do documento. O procurador também pediu a investigação de Danielle por ela ter um cartão de crédito em seu nome que é vinculado a uma das contas no país europeu.

Perto das 18 horas da quinta-feira, um outro advogado ligou para Cunha, que lhe disse que a intenção era “ir para cima deles”. Um dos principais defensores de Cunha, o ex-procurador-geral da República Antônio Fernando de Souza, aconselhou o deputado a evitar qualquer embate com o atual procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Mas Cunha tem desobedecido ao advogado e atacado Janot, dizendo que as investigações contra ele têm caráter “pessoal”. A interlocutores, Cunha trata governo e Janot como “uma só pessoa” e, portanto, vê por trás das ações do Ministério Público, especialmente dos vazamentos das denúncias contra ele, um gesto do governo. 

Em nota na sexta-feira passada, Cunha questiona: “Onde estão as demais denúncias? Cadê os dados dos demais investigados? Como estão os demais inquéritos? Por que o PGR tem essa obstinação pelo presidente da Câmara, agora, covardemente, extensiva a sua família? Alguma vez na história do Ministério Público um procurador-geral respondeu a ofício de partido político da forma como foi respondido com relação ao presidente da Câmara, em tempo recorde para ser usado em uma representação ao Conselho de Ética? A quem interessa essa atuação parcial do PGR? Onde está a responsabilização dos verdadeiros culpados pela corrupção da Petrobras?”.


Mas o governo não tem mais como interromper o efeito das ações de Janot contra Cunha. A avaliação de parlamentares da base governista é que, ainda que quisesse, a esta altura o PT não teria condições de bancar um acordo com Cunha que fosse capaz de garantir que ele sairá ileso das investigações. O presidente da Câmara chegou a pedir a cabeça de Cardozo, a quem atribui parte da responsabilidade pelos vazamentos sobre seu envolvimento com o petrolão. O pedido agradaria ao ex-presidente Lula, mas enfrenta resistência de Dilma. Cardozo é um dos poucos homens em quem a presidente ainda pode confiar. Lula, por sua vez, é um dos poucos petistas que têm total compreensão do poder de Eduardo Cunha. Lula o respeita. Sabe o que significa ter tantos parlamentares como fiéis seguidores, como Cunha tem. Lula também teme Cunha, porque seus destinos estão entrelaçados no petrolão. Afinal, foi Lula quem nomeou Jorge Zelada para diretor da Área Internacional da Petrobras, a pedido da bancada peemedebista da Câmara. O ex-presidente tem atuado como pode para manter os canais de diálogo com Cunha abertos.

>> Trecho da reportagem de capa de ÉPOCA desta semana