Mourão não é a única pessoa que atribui a uma
mítica herança do passado as desgraças do presente
O general
Hamilton Mourão expôs em Caxias do Sul sua teoria da formação da identidade
nacional a partir do gosto dos portugueses pelas sinecuras, da indolência do
índio e da malandragem dos africanos. Pegou mal e no dia seguinte ele se
explicou:
“Não sou
racista, muito pelo contrário. Tenho orgulho da nossa raça brasileira. O que eu
fiz foi nada mais nada menos que mostrar que nós, brasileiros, somos uma
amálgama de três raças, a junção do branco europeu com o indígena que habitava
as Américas e os negros africanos que foram trazidos para cá. (...) Somos a
junção desses três povos, com as coisas boas e ruins que eles têm, sem colocar
estigma em nenhum deles.”
Teria
sido mal interpretado: “O que acontece é que as pessoas pinçam determinadas
frases e querem retirar do contexto em que foram colocadas.”
Coisa
desses malditos jornalistas. Mourão
não é a única pessoa que atribui a uma mítica herança do passado as desgraças
do presente. Cada um tem direito de achar o que quiser, mas a explicação do
general, atribuindo o mal-estar a uma pinçagem foi um exercício pueril de
dissimulação. Em
dezembro do ano passado, durante uma palestra, o general Mourão expôs a sua
teoria das raças com mais precisão. O vídeo está na rede. Foi uma fala
articulada, o general estava fardado e seguiu um roteiro ilustrado por
transparências. No 43º minuto, ao concluir, anunciou:
“E aqui
minha gente, existe a maior de todas as reformas, que é a reforma moral, em
cima dos valores da sociedade, a reforma cultural. Nós carregamos, dentro de
cada um, uma herança cultural tripla. Nós temos a herança cultural ibérica, que
é a do privilégio e da sinecura. Todo mundo quer se dar bem. Temos a herança
cultural indígena, que é a da indolência. É o índio deitado na rede e a mulher
cavando lá, carregando filho. E temos a herança cultural africana que é a da
magia. Vai dar certo, vai dar tudo certo. A malemolência, o samba. Nós somos
melhores. A embaixadinha. Nós temos que romper esse ciclo. Essa é a realidade.”
A
realidade é que o general não se orgulha de coisa alguma. Pelo contrário,
seriam vícios que exigem uma “reforma moral”. Gilberto Freyre orgulhava-se do amálgama da formação do brasileiro, já o Conde Gobineau,
o embaixador francês no Brasil durante o Segundo Império, previa que a
miscigenação provocaria o colapso da sociedade brasileira ainda na primeira
metade do século XX. Mourão está mais para Gobineau do que para Gilberto Freyre. Entre os
defeitos que Mourão atribuiu a portugueses, índios e negros, ele não incluiu a
dissimulação. Certamente há portugueses, índios e negros dissimulados, mas isso
não caracteriza os conjuntos. O dissimulador é apenas um dissimulador, quer
seja português, índio, negro, chinês ou ucraniano.
(...)
Tunga
Um
brasileiro que sabe fazer contas jura que queria trocar US$ 100 no guichê do
banco Safra da área de desembarque do aeroporto de Guarulhos e disseram-lhe que
receberia R$ 250.
O dólar
estava cotado a R$ 3,70.
A turma
do Safra informa que nada tem a declarar. Talvez o Banco Central tenha.
Eremildo,
o idiota, aceita ficar ao lado do guichê do Safra oferecendo R$ 3 por cada
dólar. Mas se fizer isso, vai preso.
(...)
Urucubaca
Numa
malvadeza do calendário, o ministro José Antonio Dias Toffoli foi eleito para a
presidência do Supremo Tribunal Federal no mesmo dia em que o pretório excelso
decidiu por 7x4 pedir ao Congresso um aumento de 16,38%. Cada eminente ministro
pretende receber R$ 39,2 mil mensais.
Toffoli
votou a favor do mimo e disse o seguinte:
“Não se
está encaminhando para o Congresso um acréscimo ao orçamento do Supremo. Está
se encaminhando uma previsão para uma recomposição remuneratória parcial de
2009 a 2014. Não se está tirando de saúde, de educação. Está-se tirando das
nossas despesas correntes, dos nossos custeios.”
De duas
uma, ou Toffoli não sabe que o aumento dos ministros do Supremo desencadeia um
efeito cascata que pode custar entre R$ 3 bilhões e R$ 4 bilhões à Viúva, ou
sabe e acha que a choldra é boba.
Tomara
que ele acredite na segunda hipótese, pois se o novo presidente do Supremo não
sabe como funciona o teto dos salários dos servidores, sua presença na cadeira
é uma ameaça à ordem pública.
Elio Gaspari, jornalista - O Globo