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domingo, 15 de março de 2020

Palavra de presidente - Folha de S. Paulo

 Hélio Schwartsman

Bolsonaro mente ou perde a oportunidade de ficar calado

Qual o valor da palavra de Jair Bolsonaro? Julgue você mesmo. Ao longo da última semana, o presidente abordou quatro assuntos principais: manifestações contra o Congresso, Orçamento impositivo, fraude eleitoral e coronavírus. Em duas dessas ocasiões, Bolsonaro mentiu e, nas outras duas, deveria ter ficado quieto.

As mentiras são facilmente demonstráveis. Na quarta (11), ele disse que não convocou ninguém para as manifestações que ocorreriam neste domingo (15). Mas há um vídeo, gravado em Roraima no sábado (7), em que o presidente fala da manifestação e instruí seus simpatizantes a participaremNa terça (10), ele voltou a afirmar em suas redes sociais que não havia negociação entre o governo e o Parlamento em torno da verba do Orçamento disponível para investimentos. Mas há farta documentação mostrando que o governo negociou, sim, e longamente, para ter acesso a ao menos parte do dinheiro. [o próprio articulista e acusador, movido pela honestidade que a hostilidade ao nosso Presidente não conseguiu sufocar, isenta Bolsonaro de dolo, quando reconhece, no último parágrafo, ser comum aos políticos a imprecisão e falta de objetividade nos discursos - o que preferimos considerar adaptações/versões criativas - tornando  fato que palavra de político não combina com a verdade que a palavra do homem expressa.

Infelizmente é aceitável que os políticos tenham o comportamento padrão de sempre tentar em seus pronunciamentos mudar o teor ou sentido do que falou - fosse só o presidente Bolsonaro, seria fácil corrigir tal prática.

Devemos também ter presente que não houve necessidade do presidente mentir - convocar manifestações legítimas é um direito de qualquer cidadão e o cargo de presidente da República não cassa do seu titular a condição de cidadão.]


Passemos às oportunidades perdidas. Na segunda (9), Bolsonaro veio com a história de uma suposta fraude eleitoral que o teria impedido de vencer no primeiro turno. Aqui ele se põe na fronteira do Código Penal. Se tem mesmo provas e não as exibe, comete prevaricação; se não tem e diz que tem, só conta mais uma mentira.

É no coronavírus, porém, que Bolsonaro se supera. Enquanto a maior parte dos líderes mundiais já se decidia por medidas duras para conter a progressão da Covid-19, nosso presidente, talvez por julgar que um ser tão pequenininho como um vírus não pode causar grande mal, passou boa parte da semana denunciando um suposto exagero da mídia e dizendo que a epidemia tinha muito de fantasia. Foi só quando a doença bateu à porta de sua casa que ele passou a agir de forma menos exótica. [é um péssimo hábito dos governantes - que não se limita apenas aos brasileiros - tentar esconder eventuais doenças ou mesmo suspeitas de estar doente - atribuem a morte de Tancredo Neves, ao fato de ter escondido a gravidade da doença que já portava e se manifestou às vésperas da sua posse.
O nosso presidente Bolsonaro agrava essa propensão política com o fato do hábito inconveniente de conceder entrevistas improvisadas - de corredor - quando o correto seria sempre se manifestar através do porta-voz e em entrevistas agendadas e com perguntas apresentadas previamente.]


O discurso de governantes não costuma mesmo ser exemplo de precisão e objetividade, mas o nível de deterioração que Bolsonaro impôs à palavra presidencial impressiona.

 Hélio Schwartsman, colunista - Folha de S. Paulo



sábado, 14 de março de 2020

Ministro do STF explica silêncio dos colegas sobre falas de Bolsonaro - VEJA - Radar

“O Bolsonaro agora a gente trata como aquele tio bêbado na festa. Não dá para ficar discutindo com ele”, diz o magistrado, sob a condição do anonimato.

[quando não se consegue contestar verdades que são ditas, fica bem mais fácil chamar os que as profere de bêbado ou louco.
Sempre vai existir bêbados e loucos, prontos a acreditar na  contestação fajuta.]
Um ministro do Supremo Tribunal Federal resume de forma pouco simpática o motivo do silêncio dos colegas da Corte diante do novo festival de declarações polêmicas de Jair Bolsonaro nos últimos dias.Durante a viagem aos Estados Unidos, Bolsonaro voltou a convocar protestos em plena pandemia do coronavírus, atacou a credibilidade das eleições de 2018 dizendo ter provas de fraude no pleito que ele mesmo venceu e fez chantagem explícita com o Congresso ao falar dizer que o povo não protestaria se deputados e senadores rejeitassem o projeto do orçamento impositivo que tira do governo o poder sobre 15 bilhões de reais.

Blog Radar - VEJA


quinta-feira, 5 de março de 2020

Pura matemática - O que são R$ 30 bi num orçamento de R$ 3,6 trilhões - J.R. Guzzo

Gazeta do Povo

Planalto e Congresso fazem queda de braço por R$ 30 bi do orçamento. É muito atrito para pouco dinheiro.

Por alguma razão que talvez só investigadores da alma brasileira com a pertinácia e a turbinagem mental de um Gilberto Freyre ou um Euclides da Cunha conseguiriam explicar, mas não explicaram, a cultura brasileira tem dificuldades frequentemente mortais com a matemática. A coisa não vai, simplesmente – não gostamos de fazer conta, essa é que é a verdade.

Seria algum desdobramento obscuro das tensões entre casa grande e senzala, talvez, ou uma reação tardia da notória nutrição deficiente das elites coloniais? Quem sabe uma consequência mal avaliada dos contrastes entre o sertanejo, um forte, e os mestiços neurastênicos do litoral? Vai saber. O fato é que o brasileiro é ruim na hora de mexer com a calculadora e conseguir pensar alguma coisa inteligente sobre o que apareceu na tela.

Um dos grandes clássicos do gênero está em cartaz neste preciso momento, com a apaixonada discussão, no mundo político, na mídia e nas mesas redondas da televisão, do “orçamento impositivo”. Você não entendeu muito bem, ou simplesmente não entendeu, o que é isso – e, sobretudo, se é bom, se é ruim ou se não é nada? Não se preocupe: muito pouca gente entendeu, e quem entendeu não está explicando.

Basicamente, trata-se de determinar, entre Congresso e Executivo, como, onde e por quem será gasta uma certa porção do orçamento federal de 2020 – e obviamente, quanto dinheiro público ficará bloqueado nisso. Não é preciso ser nenhum gênio para ver que tanto os parlamentares quanto o governo querem, cada um do seu lado, mais dinheiro para si próprios. A disputa fica ainda mais evidente quando se sabe que a maior parte do orçamento da União, no linguajar em uso nas finanças públicas, é composto pela célebre “verba carimbada”: só pode ir para onde o carimbo manda que vá. Tanto para a folha de pagamento, tanto para a Previdência Social, tanto para esta ou aquela área específica. O resultado é que a parte realmente disponível para ser gasta a cada ano fica estreita – e quanto mais estreita, maior a briga.

Entra em cena, à essa altura, a atávica dificuldade brasileira com as operações aritméticas. É complicado: esse bloqueio, presente em todo o seu esplendor naquilo que sai publicado na mídia, acaba por tornar a questão toda incompreensível. Este ano, como se sabe, o Congresso está querendo, para aplicar nos projetos dos deputados e senadores, uma quantia inédita de dinheiro do orçamento. O presidente da República vetou parte das pretensões dos parlamentares – e agora vai se decidir se os seus vetos serão mantidos, derrubados ou valerão em parte. Pronto.

Congressistas falam em “choque de poderes”, “desafio ao Parlamento” e crise institucional”. Gente do governo fala que há uma conspiração no Congresso para criar uma espécie de “parlamentarismo branco” no país – seriam os políticos e partidos os que iriam realmente mandar no orçamento, uma anomalia em nosso regime presidencial.

O dinheiro envolvido na briga é de R$ 30 bilhões, que passariam a ser gastos segundo as decisões dos deputados e senadores. E o que são R$ 30 bilhões? Um número só quer dizer alguma coisa se comparado com outro; sozinho, pode muito bem não significar coisa nenhuma. No caso, pouco se diz ao público pagante que o orçamento de 2020 é de R$ 3,6 trilhões – e que a reforma tributária ora em cogitação pode envolver um total de até R$ 6 trilhões. E então: será que aqueles trintinha em relação aos quais tanto se grita seriam mesmo capazes de criar um regime “parlamentarista”, de qualquer cor, no Brasil?

Só o déficit previsto nas contas da União em 2020 (repetindo: só o déficit) é de quase R$ 125 bilhões – ou quatro vezes mais que toda a verba “impositiva” em torno da qual se descabelam políticos, governo, mídia e “especialistas”. Não gostou do número? Então experimente esses: serão R$ 95 bi para a Educação, R$ 125 bi para a Saúde, R$ 350 bi para a folha de pagamento do pessoal e a caminho dos R$ 700 bilhões para a Previdência.

Os R$ 30 bi, perto desses números, são outra coisa. Você pode continuar achando que é muito – ou que é pouco. Da mesma maneira, você pode achar que os R$ 2 bilhões extorquidos do contribuinte para o fundo eleitoral de 2020 são um roubo e provavelmente são mesmo. Você pode até achar que não deveria haver nenhuma verba reservada aos projetos dos congressistas, por uma questão de princípio. Mas, em qualquer caso, a esperança de debater com lógica essa questão será igual a três vezes zero enquanto a matemática for proibida de entrar na sala.

J. R. Guzzo, jornalista -Vozes - Gazeta do Povo




terça-feira, 3 de março de 2020

Bolsonaro proíbe tentativa de acordo com Maia sobre Orçamento impositivo - VEJA

Por Robson Bonin

Presidente aposta suas fichas na relação com o Senado para manter os vetos à proposta; chefe da Câmara é considerado hostil ao bolsonarismol


Bolsonaro proíbe tentativa de acordo com Maia na discussão dos vetos 

Jair Bolsonaro deu uma ordem, nesta segunda, que mostra como anda sua relação com Rodrigo Maia no Congresso.

Ele desautorizou qualquer tentativa de acordo com Maia nessa questão dos vetos ao orçamento impositivo. Bolsonaro literalmente amarrou as mãos do seu time de articuladores, dentro e fora do governo.
Trata-se de uma jogada arriscada. O presidente usa sua força no Planalto para fortalecer o Senado e tentar enfraquecer o poder do chefe da Câmara, considerado um interlocutor hostil ao bolsonarismo.

Em 2015, Dilma Rousseff tentou fazer o mesmo com Eduardo Cunha, ao negociar nacos do governo com o grupo de Jorge Picciani, que prometia controlar a bancada do MDB e setores do Parlamento ante os ataques de Cunha e sua pauta-bomba. O final da história é bem conhecido.

Veja - Blog Radar



sábado, 29 de fevereiro de 2020

Sucessão de equívocos - Merval Pereira

O Globo

Orçamento impositivo -  Sucessão de equívocos

Toda essa desavença entre Executivo e Legislativo pelo orçamento da União surgiu de um raciocínio equivocado do ministro Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Não me refiro ao palavrão que gerou a convocação da manifestação do “fod*-se”, mas à idéia de que se o Congresso quer mudar as regras do presidencialismo, que aprove o parlamentarismo.

[A democracia direta não pode, nem deve, ser implantada no Brasil. Mas, mesmo assim, o recurso eventual a consulta popular, - via  plebiscitos, referendos -  não deve ser extirpado das alternativas de exercício eventual do Poder pelo Povo, de forma direta.
Certas peculiaridades da 'constituição cidadã', propositadamente 'engessada', tornam obrigatório que mudanças mais profundas sejam objeto de referendo.
Mas, o Brasil não pode se transformar em uma República plebiscitária.]

A separação dos poderes, criada na Constituição americana em 1789, é característica do presidencialismo. Existia na teoria, principalmente pela famosa obra de Montesquieu “O espírito das leis”, e de forma incipiente na Inglaterra A primeira república constitucional do mundo moderno é considerada a dos Estados Unidos, com a base de que quem dá os rumos é o Congresso. No presidencialismo, um deputado, um senador, não tem chefe, muito menos poderia ser subordinado ao chefe de outro Poder, o Executivo. Por isso, para que um parlamentar americano seja ministro, precisa renunciar ao seu mandato, e não apenas licenciar-se, como acontece no Brasil.

O que não tem a ver com o presidencialismo é a democracia direta, baseada em plebiscitos ou referendos, e em convocações de manifestações para pressionar o Legislativo ou o Judiciário. Essa é a maneira usada pelos bolivarianos que tanto Bolsonaro combate.  A disputa entre Executivo e Legislativo em torno do Orçamento tem origem nas colônias americanas da Inglaterra, que se rebelaram por quererem ter representantes presenciais no Parlamento em Londres, em vez de uma representação apenas virtual como queriam os ingleses. A frase “No taxation without representation” (Nenhuma taxação sem representação) tornou-se o símbolo de um movimento de autonomia das 13 colônias americanas que culminou, anos depois, em 1776 na fundação dos Estados Unidos.

No Brasil, o orçamento sempre foi uma peça de ficção dominada pelo Executivo, tanto que ele era considerado “autorizativo”, isto é, o Executivo poderia liberar as verbas que quisesse. Há quem considere que a aprovação do orçamento impositivo no que se refere às emendas dos deputados e senadores e das bancadas, como existe hoje, pode trazer um benefício: acabar o “é dando que se recebe” com relação às emendas parlamentares, provocando uma redefinição de forças no Congresso porque parlamentares deixariam de se alinhar automaticamente com o governo só para liberar suas emendas.

Este é o estranhamento do governo Bolsonaro, que pretende representar a “nova política”, mas se espanta quando o Congresso ganha autonomia de gastos. Um efeito colateral da demonização que Bolsonaro faz da política partidária. Os parlamentares assumiram o controle do Orçamento querendo ser independentes do Executivo.  Se o governo tivesse uma base parlamentar sólida, não haveria problema, pois essa maioria controlaria o Orçamento de acordo com um programa de governo estabelecido em consonância com o presidente eleito.

 Como estamos em ano eleitoral, essa disputa pelas verbas públicas se acirrou. Ontem, a Secretaria de Governo anunciou que somente liberará até março 30% das emendas impositivas, o que parece a deputados e senadores uma retaliação à posição majoritária de derrubar os vetos do presidente Bolsonaro, alargando o controle do Orçamento pelo Legislativo.  Como o prazo máximo de liberação de verbas para obras antes das eleições municipais é julho, e o governo pode liberar as emendas até dezembro, temem os políticos que elas ficarão retidas pelo Executivo, sem poderem ser usadas a tempo de impactar as eleições.

Se o veto for derrubado na semana que vem, R$ 30,1 bilhões em emendas serão liberados pelos próprios parlamentares neste ano. O problema não é o volume de dinheiro à disposição do Congresso. Nos Estados Unidos, o orçamento é totalmente impositivo e controlado pelo Congresso, que pode alterar integralmente a proposta do Executivo. É claro que não acontece a toda hora, mesmo quando o presidente eleito não tem a maioria na Câmara, como é o caso hoje de Trump. Mas a Câmara tem poder para negar verba extra ao presidente, e nesse caso paralisa os serviços públicos federais.

A alternativa que a Câmara e o Senado no Brasil encontraram para sobreviver à campanha de demonização da negociação política, depois dos escândalos de corrupção revelados pela Operação Lava Jato, foi assumir o controle das reformas estruturais de que o país precisa, e, ao mesmo tempo, controlar o Orçamento para ter condições de atender às necessidades de eleitores em seus Estados e municípios.  O que vai ficar agora sob o escrutínio da opinião pública é o que farão com essa dinheirama. 


Merval Pereira, jornalista - O Globo


sexta-feira, 29 de março de 2019

Maldades à vista

Há quem considere que aprovação do Orçamento impositivo pode trazer benefício: acabar o ‘é dando que se recebe’

A munição da Câmara de maldades constitucionais para assumir o protagonismo na aprovação do Orçamento está longe de esgotada. Deputados federais de diversos partidos já estudam, entre outras medidas, retomar os termos de uma emenda constitucional proposta em 2000 pelo falecido senador Antonio Carlos Magalhães, muito mais rigorosa com relação ao Orçamento impositivo, que hoje abrange apenas as emendas individuais dos parlamentares e passará a abranger também as emendas de bancadas com a PEC aprovada na Câmara.
A proposta de 2000, que pode ser ressuscitada, impõe ao governo limites rigorosos para contingenciamento de verbas, exigindo explicações formais ao Congresso. Ou a necessidade de autorização do Congresso para aumentar os gastos além do Orçamento. Há até mesmo um mecanismo semelhante em vigor nos Estados Unidos, de paralisação das atividades dos serviços públicos caso o Congresso não aceite as explicações do governo.
Nos Estados Unidos, cerca de 400 mil funcionários públicos ficaram em casa, sem receber, durante a mais recente paralisação pela disputa com o presidente Donald Trump pela verba adicional para a construção do muro na fronteira com o México. Repartições públicas não funcionaram, museus fecharam as portas. Outros tantos foram considerados “essenciais” e trabalharam sem receber. A disputa entre Executivo e Legislativo em torno do Orçamento tem origem no que aconteceu com as colônias americanas da Inglaterra, que se rebelaram por quererem ter representantes presenciais no Parlamento em Londres, em vez de uma representação virtual como queriam os ingleses.
A frase “No taxation without representation” (Nenhuma taxação sem representação) tornou-se o símbolo de um movimento de autonomia das 13 colônias americanas que culminou, anos depois, em 1776, na fundação dos Estados Unidos. Aqui, não há separatismo, mas desejo de ter mais influência na definição do Orçamento. Por enquanto, o governo ainda mantém certo controle da situação, tanto que, a seu pedido, o Senado fará uma alteração na proposta de emenda à Constituição que retira do Executivo poder sobre o Orçamento. Com isso, a PEC terá que retornar à Câmara.
Mas essa alteração, se realmente acontecer, vai provocar reações da Câmara, que aumentou no primeiro ano de 0,6% para 1% da Receita Corrente Líquida o percentual obrigatório das emendas coletivas, um acréscimo de R$ 4 bilhões nos gastos. A partir do segundo ano, o valor alocado em emendas será corrigido pela inflação. O Senado está sendo instado pelo governo a voltar atrás, pois a PEC produz efeitos a partir da execução orçamentária do exercício seguinte à sua publicação, e não em 2022 como informei ontem, baseado em um comunicado oficial da presidência da Câmara.
O que causou a confusão foi a correção do valor das emendas parlamentares e de bancadas, que são impositivas, justamente o que o governo quer evitar. Se publicada em 2019, a execução do Orçamento de 2020 (a ser aprovado em 2019) será obrigatória no montante de até 1 % da RCL de 2019. Se aprovada em 2020, a execução obrigatória se dará com o orçamento de 2021, com a RCL de 2020. Em relação à correção, de acordo com o art. 2º, ela se dará, a partir de 2021, de acordo com o IPCA de junho/19 a julho/20 (se aprovada a PEC em 2019). Se aprovada a PEC no ano que vem (2020), aí a correção se daria a partir de 2022.
Há quem considere que a aprovação do Orçamento impositivo pode trazer um benefício: acabar o “é dando que se recebe” com relação às emendas parlamentares, provocando uma redefinição de forças no Congresso porque parlamentares deixarão de se alinhar automaticamente com o governo só para liberar suas emendas. O governo tenta ainda convencer os deputados de que é mais vantagem apoiar a proposta de desvinculação total que a equipe do ministro da Economia Paulo Guedes pretende apresentar. A descentralização dos recursos beneficiaria estados e municípios, pois as despesas hoje carimbadas como obrigatórias ficariam à disposição para serem usadas em outras áreas, de acordo com decisões do Congresso. O problema, para o Governo, é que os parlamentares, especialmente na Câmara, não acreditam nessa promessa, e querem impor mecanismos que garantam a autonomia do parlamento.
 
Merval Pereira - O Globo
 
 

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Planalto recua em três pontos do pacote de cortes - Dilma tem que ficar de 'quatro' e depois ser expulsa

Pressionado, Planalto negocia recuo em três medidas do pacote de cortes

O passo atrás do Executivo na negociação com o Congresso também pode comprometer outros R$ 6 bilhões dos R$ 45,6 bilhões previstos como elevação de receita

Na tentativa de salvar o pacote de medidas anunciado segunda-feira (14/9), para reverter o rombo de R$ 30,5 bilhões no Orçamento do ano que vem, a presidente Dilma Rousseff admitiu alterar pontos cruciais da proposta. O Planalto recuou na suspensão do reajuste do funcionalismo, no direcionamento das emendas parlamentares e na diminuição de recursos do Sistema S. Se, ao fim das negociações com Congresso e entidades empresariais, o Planalto abrir mão, por exemplo, da integralidade dessas medidas, o recuo pode diminuir em até R$ 14,6 bilhões a meta dos cortes, estimada em R$ 26 bilhões. O passo atrás do Executivo na negociação com o Congresso também pode comprometer outros R$ 6 bilhões dos R$ 45,6 bilhões previstos como elevação de receita.

No caso do reajuste dos servidores, o aumento passaria a valer em abril de 2016, e não mais em agosto, como previa o pacote inicial. A medida atende ao PT, que tem reclamado da forma "pouco amistosa" no Planalto na relação com os servidores. O governo também aceita discutir a redução do prazo de vigência da CPMF, de quatro para dois anos. A duração do tributo, segundo fontes, ainda não está definida. Parte da equipe econômica quer que a contribuição vigore por menos tempo. Um setor do governo fala em três anos, no máximo, para não ir além da gestão Dilma. O governo prevê arrecadar R$ 32 bilhões por ano com a nova CPMF.

O Planalto ainda acenou tirar menos recursos do chamado Sistema S. Em vez de utilizar 30% da contribuição paga pelas empresas ao Sistema S, para cobrir parte do rombo da Previdência, a oferta é usar apenas 20%. O recuo atende ao setor empresarial, que reclamou da medida. Na quarta-feira, 16, o assunto foi discutido na Confederação Nacional da Indústria (CNI) com os presidentes das federações de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, e do Rio (Firjan), Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira. Os dirigentes não se mostraram dispostos a aceitar a proposta. O Sistema S reúne entidades como Senai, Sesc, Sesi e Sebrae. 

O Executivo também mostrou disposição para recuar em um dos principais pontos de rejeição dos parlamentares ao pacote. Interlocutores de Dilma afirmam que ela acenou voltar atrás na proposta para que deputados e senadores destinem emendas parlamentares às obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PACo) e à Saúde. Com o direcionamento da aplicação das emendas, o governo esperava economizar R$ 7,6 bilhões no ano que vem em gastos da Saúde e do programa de infraestrutura. Só para cobrir os cortes do PAC, são R$ 3,8 bilhões. Normalmente, os parlamentares usam esses recursos para irrigar bases eleitorais.

Os parlamentares voltaram a sinalizar dificuldades do governo em aprovar o pacote. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), fez coro com outros deputados que têm criticado a proposta do governo de direcionar as emendas: "Além de não ser exequível, não é legal. Você tem o Orçamento impositivo que a obrigatoriedade é metade da Saúde. O governo quer que essa metade da Saúde se coloque nos programas dele de alta complexidade e não nos trabalhos de Saúde feitos em cada município. E botar em PACo? Tem município de deputado aqui que não existe PACo".

Senado
O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), afirmou que é melhor aprofundar a redução de despesas do que propor o aumento de impostos. "Não pode haver dúvida sobre a profundidade do corte. Se houver, você deslegitima qualquer alternativa para elevação de receita. Este é o desafio do Congresso, discutir sobre essas coisas", disse Renan. Segundo ele, a pergunta que deve ser feita é se o corte que está sendo feito pelo governo não poderia ser maior. "Na medida em que ele seja maior e que possibilite uma reestruturação (da máquina pública), você esvazia a necessidade de elevar a receita", afirmou o senador.

Novo imposto
Enquanto o governo recua, o PT tenta encampar o debate sobre a nova CPMF. Sob ameaça de perder apoio de setores ligados a movimentos sociais e diante de um provável desgaste eleitoral, petistas do Congresso iniciaram debate para alterar a proposta que estabelecerá a recriação do tributo. Petistas do Senado defendem critérios para livrar da CPMF a "nova classe média", que ascendeu à classe C do consumo nos últimos anos. "Chamamos de faixa de isenção. Estamos conversando", afirmou ao Estado o líder do governo no Congresso, José Pimentel (PT-CE). A ideia inicial é estabelecer um modelo similar de isenção adotado no Imposto de Renda da Pessoa Física. A forma de restituição, porém, não foi discutida. 

Fonte: Correio Braziliense


 


 

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Câmara aprova lei que obriga governo a liberar emenda parlamentar

Com a chancela de Eduardo Cunha, texto foi aprovado com 452 votos contra 18. 

Emenda vai para promulgação – e não depende do aval do Planalto

A Câmara dos Deputados concluiu nesta terça-feira a votação da proposta de emenda à Constituição (PEC) que torna obrigatória a liberação na íntegra das emendas parlamentares, dinheiro que deputados e senadores recebem para investir em obras em seus Estados. Ao mesmo tempo em que esse é um recurso prioritário aos congressistas, pois garante injeção milionária de verbas nos redutos eleitorais, é usado pelo governo como instrumento de barganha na aprovação de temas de seu interesse. Com a execução compulsória, essa "chantagem" ficaria inviabilizada. O texto, agora, segue para promulgação – e não depende do aval do Planalto. 

Sob a chancela do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o texto-base da proposta foi aprovado a toque de caixa por 452 votos a dezoito. Em seguida, foi recusada uma proposta de mudança a trecho do projeto com 427 votos favoráveis à manutenção do texto original contra 44. Cunha colocou o Orçamento Impositivo como uma de suas principais promessas do mandato após ser eleito ao comando da Casa. O texto é de autoria do ex-presidente Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), um dos fiadores da campanha do novo presidente e que compareceu à sessão nesta noite, apesar de não estar mais no exercício do mandato.


Além de ter uma atuação mais autônoma, a briga dos parlamentares para garantir o pagamento obrigatório desses recursos ocorre porque normalmente suas emendas são os alvos preferenciais de cortes do governo em momentos de ajuste fiscal. Nesse cenário, o governo "empenha" a emenda – ou seja, se compromete a liberar os recursos, mas depois bloqueia o pagamento em situações de aperto de caixa.

Um dos casos mais ilustrativos de como o Planalto controla o Congresso com as emendas está na aprovação da manobra fiscal que permitiu uma maquiagem no superávit primário de 2014. Diante da resistência dos parlamentares em dar aval à medida, o governo anunciou a liberação de mais 444 milhões de reais em emendas – mas desde que os parlamentares aprovassem a mudança na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). E, de fato, aprovaram.  “O ‘toma-lá-dá-cá não pode continuar, e por isso votamos a favor das emendas impositivas. Nós queremos acabar com a lógica do clientelismo e com a circulação humilhante de parlamentares pelos ministérios. Deputado não deve ser despachante de luxo atrás de emendas”, disse o deputado Ivan Valente (PSOL-SP). “Hoje temos essa grata satisfação de pôr fim àquele balcão de negócios que havia sido estabelecido desde o governo Lula, onde tão somente os partidos da base aliada tinham direito a fazer emendas. Hoje se repara um erro”, afirmou o líder do PSDB, Carlos Sampaio (SP).  

Votação Inicialmente, o governo voltou a tentar impedir a aprovação da proposta sob o argumento de que o Brasil estava passando por um arrocho e que este não seria o momento de “apertar o cinto”. “Nós temos certeza das despesas, mas não temos certeza nenhuma das receitas. E as receitas não estão crescendo", declarou, na semana passada, o líder do PT, Sibá Machado (AC). Mas, diante da grande mobilização dos partidos na Casa, o discurso foi alterado: “Essa questão do Orçamento Impositivo foi acordada lá atrás, já está na LDO [Lei de Diretrizes Orçamentárias]. Isso foi negociado no Senado com o governo, portanto nós temos acordo. Já está resolvido", disse nesta terça-feira o líder do governo, José Guimarães. 

A matéria já havia sido aprovada em dois turnos pela Câmara e pelo Senado, onde sofreu alterações e teve de voltar para análise dos deputados. O primeiro turno foi novamente aprovado em dezembro do ano passado, mas, por questões regimentais, a votação não pôde ser concluída.  

Proposta — O texto do Orçamento Impositivo, como a emenda ficou conhecida, torna obrigatória a aplicação de 1,2% das Receitas Correntes Líquidas de cada ano em emendas parlamentares — o que, em 2014, equivaleria a cerca de 12 milhões de reais. Em tramitação desde novembro de 2013, o governo inicialmente apresentou resistência ao projeto. Depois, diante do risco de uma derrota completa, aceitou negociar e conseguiu assegurar que 50% das emendas sejam vinculadas à saúde pública, o que pode amenizar o impacto da proposta. O governo também conseguiu garantir a fixação da aplicação de até 15% da Receita Corrente Líquida para a saúde. Deputados oposicionistas alegaram que o recurso ainda não é o suficiente para as necessidades do setor e defenderam um aumento gradual de até 18% - mas a alteração foi recusada.

Fonte: Revista Veja

 

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Governo Dilma aperta o cinto do contribuinte sem apertar o próprio



Economistas defendem redução das despesas públicas para cumprir o ajuste fiscal prometido, que até agora só alcançou a população ao aumentar os tributos
Desde o fim do ano passado, a nova equipe econômica do Governo Dilma vem anunciando uma série de medidas pouco populares para tentar diminuir o rombo nas contas públicas, incluindo a elevação de tributos e o ajuste nas regras para o acesso ao seguro-desemprego, pensões e auxílio doença. As práticas, que destoam das promessas da presidenta durante a campanha eleitoral, pesam no bolso do contribuinte, enquanto o Governo não dá sinais claros de que passará a tesoura nos próprios gastos para alcançar a meta de poupar 66,3 bilhões de reais. Esse valor corresponde a 1,2% do PIB, que é o superávit primário prometido para 2015. "O que eles fizeram foi apertar o cinto da classe média ao invés de apertar o próprio cinto. Chega a ser incoerente o ajuste na receita com aumento de impostos diante da gastança do Governo nos últimos anos", afirma o professor de economia do Ibmec Alexandre Espírito Santo. De acordo com o especialista, na última década, houve um aumento de despesa na ordem de 10% ao ano. Em 2014, as contas do Governo Central (Tesouro, Banco Central e Previdência Social) registraram o primeiro déficit primário em 18 anos, de 17,24 bilhões de reais.

Para ajudar a aumentar a arrecadação do país em cerca de 20,63 bilhões neste ano - valor necessário para fechar as contas projetadas - o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, anunciou quatro medidas que envolvem a cobrança de tributos em um momento que o brasileiro já paga impostos elevados. Uma das principais medidas foi a elevação das alíquotas de PIS/Confins e Cide sobre os combustíveis. O aumento conjugado dos dois tributos responde por uma alta de 22 centavos para a gasolina e de 15 centavos para o diesel. O Imposto Sobre Operações Financeiras (IOF), incidente sobre pessoa física, dobrou: passou de 1,5% ao ano para 3%.

As outras medidas foram: ajuste da alíquota do PIS/Cofins sobre a importação, de 9,25% para 11,75%, e a equiparação do atacadista ao industrial no setor de cosméticos para aplicar o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Outra decisão que não favoreceu o trabalhador foi o veto ao reajuste de 6,5% na tabela do Imposto de Renda. Se o aumento tivesse sido aprovado, as pessoas que ganham até 1.903,98 reais não precisariam prestar contas à Receita Federal.  Para o economista Paulo Rabello de Castro, as medidas anunciadas só irão trazer mais recessão e não contribuirão para a queda da inflação, que ainda se mantém no teto da meta. "Se o Governo não tem uma política econômica capaz de cortar um pouco das despesas do grande gastador, que é o setor público, e ainda produz recessão justamente no setor produtivo, ele não pode esperar que o Brasil cresça", explica. Uma pesquisa feita entre instituições financeiras pelo Banco Central mostra que a projeção do mercado é de que o país tenha um crescimento nulo em 2015. 

Enquanto a lei orçamentária não é aprovada pelo Congresso (a votação deve acontecer ainda neste mês), os gastos da máquina pública são limitados a 1/12 do valor que está projetado na lei. O Governo também decretou, no último dia 8, um corte provisório de 33% sobre as despesas não obrigatórias, como viagens, diárias e gastos administrativos. De acordo com a assessoria do Ministério do Planejamento, essa limitação provisória significará um bloqueio mensal de 1,9 bilhão de reais e preserva os recursos de investimento e as ações prioritárias nas áreas de Saúde e Educação. Mas, a avaliação geral é que essas medidas são insuficientes.  "Até agora só foram feitos cortes avulsos, de vento. Quando se falará de uma regra para o Governo se ajustar? É necessário uma reforma geral. Nunca houve um plano real de contenção que determine que os gastos públicos precisam crescer como uma fração proporcional ao PIB. Há 20 anos, colocam o cidadão para pagar esse ajuste. É uma surra no contribuinte, nem na Grécia se aplicou algo desta maneira", afirma Castro.

Votação do Orçamento Impositivo
Nesta terça-feira, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) tentará colocar em votação a PEC do Orçamento Impositivo. De acordo com o texto, as emendas parlamentares individuais devem ser executadas até o limite percentual de 1,2% da Receita Corrente Líquida da União do ano anterior. Metade desse valor deve, obrigatoriamente, ser destinada  a programas na área de saúde. Na soma total, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2015 prevê 9,6 milhões de reais, cerca de 16 milhões de reais por parlamentar, que não poderão ser atingidos por cortes. 

De acordo com Mansueto Almeida, especialista em contas públicas, a execução das sugestões de gastos feitos pelos parlamentares pode interferir na lei do Orçamento que ainda será votada. "Como as emendas possuem um teto e metade do valor irá para a saúde, talvez o Governo reduza um pouco das propostas para o Ministério da Saúde. Porém, é importante destacar que o Orçamento da União é autorizativo e não impositivo. Dessa forma, ele pode sofrer alterações", explica Almeida.

Ainda segundo o especialista, mesmo que o Governo tenha evitado o tema, a redução nos investimentos parece inevitável. "É a única despesa que conseguiria cortar de forma rápida os gastos públicos. O próprio Joaquim Levy, como secretário do Tesouro em 2003 no governo Lula, adotou essa medida fiscal e cortou 50% dos investimentos", afirma. 

Enxugamento da máquina pública
A presidente Dilma Rousseff já deixou claro que não pretende fechar ministérios para controlar os gastos, pois em sua opinião o problema das despesas não é a quantidade de pastas do Governo, que hoje já somam 39. "Por mais que fosse o caso de optar por enxugar a máquina administrativa ou cortar secretarias, o Governo atual e seu apoio político não permitem este tipo de reforma", afirma João Sayad, doutor em economia.  O professor Alexandre Espírito Santo calcula que um corte de metade dos ministérios geraria uma economia de 0,6% do PIB e a demissão de 20% dos funcionários ajudaria a poupar 0,4% do PIB. "É claro que não é necessário fazer esse tamanho de corte, mas poderia se pensar em acabar com pelo menos uns cinco ministérios, temos funcionalismo em excesso", explica Santo.

Ainda de acordo com o especialista, no atual momento, Levy está preocupado em entender os "reais esqueletos escondidos no armário" do Governo. "Este será um ano muito difícil, de transição, vão precisar de um tempo considerável para ajeitar as contas. A questão da queda de preço das commodities, sem perspectiva de alta neste ano, torna ainda mais difícil esse panorama", completa.


Fonte: El País