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sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

Um timaço sem torcedores - Augusto Nunes

Revista Oeste

Confira a ficha resumida dos supercraques que jogam de toga

 

Foto oficial da composição do STF, em 3 de agosto de 2023 | Foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF
 
Se o Congresso engolir a indicação de Flávio Dino, a audaciosa demonstração de covardia vai apenas reiterar que, no Brasil, o que está péssimo sempre pode piorar. 
Mas a composição do Supremo Tribunal Federal não precisou ser reforçada por um comunista maranhense desprovido de notório saber jurídico e ilibada reputação para assumir a liderança do ranking das mais vergonhosas desde o nascimento do Pretório Excelso. 
Para isso bastou o desempenho da gaúcha Rosa Weber, ocupante até recentemente da vaga ainda sem dona. 
Mesmo um Flávio Dino terá de dar duro para merecer o lugar que foi da ministra que enxergou nas depredações ocorridas em 8 de janeiro a versão moderna do ataque militar japonês à base norte-americana de Pearl Harbor.

A criadora do Dia da Infâmia à brasileira fez bonito num timaço. É o que berram as capivaras em miniatura dos dez parceiros de Rosa Weber, relacionados pelo critério de antiguidade no Egrégio Plenário. Confira:

Gilmar Mendes: Escolhido pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, estreou em junho de 2002 e tem emprego garantido até 2030. Joga nas 11. Decano desde o ano passado, é também o chefe supremo da bancada majoritária, ministro da guerra contra a Constituição e o equilíbrio dos Poderes, porta-voz da Corte em momentos de crise brava, conselheiro dos hesitantes, diretor do departamento de conversões, técnico e capitão do Timão da Toga, organizador de seminários no exterior e gerente da usina de habeas corpus para culpados.
 
Cármen Lúcia:
Indicada por Lula, chegou em junho de 2006 e só sairá em 2029. A performance da ministra é dividida em três fases. Na primeira, ouvia conselhos do pai em conversas telefônicas diárias e decidia com sensatez. 
Com a orfandade, passou a consultar Celso de Mello e a acompanhar o voto do então decano. 
Com a aposentadoria do Pavão de Tatuí, tornou-se a discípula mais esforçada de Gilmar Mendes. Na primeira fase, era favorável à prisão depois da condenação em segunda instância. Agora é contra. Aconselhada pelo pai, virou manchete com a frase “cala a boca já morreu”. Instruída por Gilmar, aprovou a censura com prazo de validade.

Dias Toffoli: Nomeado por Lula, assumiu em outubro de 2009 a vaga que será reaberta em 2042. Reprovado duas vezes no concurso de ingresso na magistratura paulista, achou melhor fazer carreira no PT. Foi assessor de José Dirceu, advogado do PT, advogado de Lula e chefe da Advocacia-Geral da União. Em seus dois primeiros anos no STF, colegas mais velhos usavam o codinome “Estagiário” para referir-se ao novato. 
Manuscritos recentes avisam que vai aposentar-se sem ter conseguido virar juiz
 
Luiz Fux: Escolhido por Dilma Rousseff, entrou em 3 de março de 2011 e ficará no emprego até 2028. Único magistrado por concurso do STF, tocar guitarra tornou-se seu hobby quando era juiz de Direito no interior fluminense. Pela silenciosa performance dos últimos quatro anos, o aplicado guitarrista transformou em hobby o julgamento de processos no Supremo.

Luís Roberto Barroso:
Indicado por Dilma, chegou em junho de 2013 à Corte que deixará em 2033. Atual presidente do STF, protagonizou em março de 2018 um instrutivo bate-boca com Gilmar Mendes.  
Acusado de “dar uma de esperto”, Barroso foi à réplica: “Você é uma pessoa horrível. A mistura do mal com o atraso e pitadas de psicopatia”.   As batalhas contra Jair Bolsonaro encerraram a desavença. 
Na festa de posse de Barroso, ambos foram fofos. “A história de Vossa Excelência é lastro seguro de dignidade”, afagou Gilmar. “Guardarei no coração essas palavras dirigidas a mim”, derreteu-se Barroso.                Essa troca de carícias verbais prova que o antigo tribunal virou partido. Muitos juízes de verdade optaram pela ruptura definitiva depois de gravemente ofendidos. 
Políticos togados só não se reconciliam com manés perdedores e gente que amola.

Edson Fachin: Premiado por Dilma, está no STF desde junho de 2015 e vai aposentar-se em 2033. 
Chegou ao tribunal por ter sido cabo eleitoral no Paraná da madrinha candidata à reeleição. 
Admirador juramentado do MST e simpatizante confesso do marxismo-leninismo, fingiu durante dois anos que apoiava a Operação Lava Jato. Rasgou a fantasia ao anular todas as bandalheiras cometidas por Lula com uma vigarice de assustar qualquer rábula: o ex-presidente presidiário só poderia ser julgado em Brasília, nunca em Curitiba. 
O inventor da Lei do CEP também esbanjou criatividade em sua passagem pelo Tribunal Superior Eleitoral. 
Foi ele quem descobriu, por exemplo, que a maior produtora de fake news destinada a brasileiros é a Macedônia do Norte.

Alexandre de Moraes: Nomeado por Michel Temer, chegou ao Supremo em março de 2017 e pretende continuar acampado por lá até 2043.       Entre o dia da posse e janeiro de 2019, pensou no que fazer. 
Há mais de quatro anos anda fazendo o exato contrário do que ensinou nas aulas de Direito Constitucional e reiterou numa pilha de livros sobre Direito Constitucional.  
Numa sequência de assombrar o mais audacioso chicaneiro, recriou o preso político, o exilado político e o perseguido político. 
Sem pausas para tomar fôlego, inventou o inquérito secreto em que o próprio ministro figura como réu, delegado, promotor, juiz e julgador de recursos, o flagrante perpétuo, a prisão preventiva sem prazo para acabar, a prisão provisória sem prazo de validade, a captura por rebanho, o julgamento por atacado, a condenação sem sentença, a meia-liberdade, o réu sem direito a advogado, o Programa Nacional de Distribuição de Tornozeleiras Eletrônicas e a multa com cinco zeros, fora o resto. 
No momento, usa o que lhe resta de imaginação para explicar a morte sem julgamento de Cleriston Pereira da Cunha, impedido pela permanência na cadeia de tratar doenças crônicas letais.

Nunes Marques: Indicado por Jair Bolsonaro, chegou ao STF em novembro de 2020 e vai sair em 2047. Já teve um almoço reservado com Lula. A dupla informou que a conversa foi bastante cordial. Almoços, jantares e conversas do gênero serão reprisados nos próximos 24 anos com a bancada majoritária no STF. Nunes Marques vai deixando claro que não tem vocação para discordar de quem manda.

André Mendonça: Nomeado por Jair Bolsonaro, instalou-se na Corte em dezembro de 2021 e ali ficará até 2047. 
Chegou lá com a imagem de “terrivelmente evangélico”. 
Evangélico Mendonça é, mas nada tem de terrível. 
Parecia disposto a enfrentar a feroz bancada liderada por Gilmar Mendes. Ao julgar outro pedido de habeas corpus encaminhado por Cleriston Pereira da Cunha, formalizou a rendição. 
Além de negar-se a salvar o condenado à morte, Mendonça fez questão de remeter a Moraes uma cópia da decisão repulsiva.

Cristiano Zanin: Nomeado por Lula em agosto deste ano, tem emprego garantido até a aposentadoria em 2050. 
O currículo do calouro Zanin se limita a duas anotações relevantes. Primeira: ele foi o principal advogado de Lula. Segunda: Gilmar Mendes achou tão comovente o esforço do jovem doutor que, numa sessão do Supremo, fez questão de homenageá-lo com outra invenção — o choro convulsivo sem lágrimas.

Entrosamento é o que não falta ao Timão da Toga
O problema é a plateia. 
Se é que existem, seus torcedores nunca aplaudem os craques que, quando dão as caras em qualquer rua de qualquer país, são invariavelmente hostilizados por quem os reconhece. 
As coisas pioraram com a morte de Cleriston
A imensa torcida adversária perdeu o medo de manifestar-se nas ruas. 
E tem tudo para indignar-se mais ainda caso entre em campo um Flávio Dino. 
É um campeão de impopularidade. E está irremediavelmente fora de forma.

Leia também “Um morto assombra o Supremo”
 
 
Augusto Nunes, colunista - Revista Oeste 
 
 

quarta-feira, 8 de abril de 2020

Os incendiários e os bombeiros - Editorial - O Estado de S. Paulo

A tarefa dos militares lotados no governo, como o general Braga Netto, tem sido a de proteger o presidente Bolsonaro de si mesmo e do tal “gabinete do ódio”

O presidente Jair Bolsonaro esteve a ponto de demitir seu ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, segundo informações de bastidores que circularam em Brasília ao longo de toda a segunda-feira. Não o fez, mas isso não significa que não venha a fazê-lo no futuro próximo, a julgar pelo clima de crispação criado pelo próprio Bolsonaro, empenhado nos últimos dias em desmoralizar publicamente o ministro Mandetta mesmo diante da brutal crise sanitária causada pela epidemia de covid-19.

O motivo do recuo de Bolsonaro não ficou muito claro, assim como já não eram muito claros os motivos pelos quais o presidente estava investindo contra um de seus ministros – e não um qualquer, mas sim, justamente, aquele sobre cujos ombros está a responsabilidade de organizar os esforços do governo federal para enfrentar a epidemia. Sob a Presidência de Bolsonaro, a rigor, nada parece fazer muito sentido, a não ser para a chamada ala “ideológica” que assessora o presidente, e para a qual tudo se resume à luta pelo poder contra os “comunistas” – nome genérico de todos os que essa turma considera como inimigos.

Seja como for, o recuo de Bolsonaro em sua escalada contra o ministro Mandetta, ainda que provavelmente seja apenas momentâneo, é um indicativo de que o presidente se viu limitado pelas circunstâncias. Ou seja, teve que se conformar com as coisas como elas são, e não como os bolsonaristas radicais que o cercam gostariam que fossem.

A julgar pelo que tem sido o comportamento de Bolsonaro até aqui, no entanto, é difícil acreditar que o presidente tenha se dado conta sozinho de que não é prudente brigar tanto com a realidade, especialmente no momento em que o País mais precisa de paz para enfrentar a calamidade sanitária e econômica causada pela epidemia. No caso específico da quase demissão do ministro Mandetta, Bolsonaro voltou atrás depois de ser convencido pelo seu ministro da Casa Civil, general Walter Braga Netto, segundo revelou reportagem do Estado.

Essa informação confirma o papel de “gerente” do governo assumido pelo ministro Braga Netto, formalmente escalado para comandar o comitê de crise que coordena as ações do governo durante a epidemia. A Casa Civil tem entre suas funções primárias justamente a de coordenar a ação do Ministério, mas atualmente, em razão das características caóticas da governança de Bolsonaro, seu titular também está tendo de fazer entrar em forma a própria Presidência.

Assim, o ministro Braga Netto, general que se destacou ao liderar a intervenção federal no Rio de Janeiro em 2018, parece trabalhar ao mesmo tempo como uma espécie de moderador no Palácio do Planalto em face do avanço da ala “ideológica” dentro do governo – a ponto de um de seus principais expoentes, o vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente e líder do chamado “gabinete do ódio”, ter ganhado uma sala ao lado do gabinete do pai. Não à toa, partem de Carlos Bolsonaro alguns dos piores ataques nas redes sociais aos militares que estão no governo e que, como Braga Netto, tratam de temperar os ímpetos voluntaristas do presidente.

A tarefa dos militares hoje lotados no governo, portanto, tem sido a de proteger o presidente Bolsonaro de si mesmo e do tal “gabinete do ódio”, dirigido a distância por um ex-astrólogo que mora nos Estados Unidos. Essa figura extravagante, ao exigir a demissão de Luiz Henrique Mandetta, escreveu nas redes sociais que o ministro da Saúde “é o exemplo típico do que acontece quando um governo escolhe seus altos funcionários por puros ‘critérios técnicos’, sem levar em conta a sua fidelidade ideológica”.

Ao desestimular a demissão do ministro Mandetta, o general Braga Netto e outros que nisso se empenharam provavelmente atuaram pela lógica segundo a qual essa atitude intempestiva minaria o governo a ponto de ameaçar sua própria continuidade. É justamente esse clima de confronto e até de ruptura que interessa muito aos fanáticos do “gabinete do ódio”, que apostam no caos, mas não interessa nada ao País, que precisa desesperadamente de tranquilidade política para atravessar a tormenta.

Editorial - O Estado de S. Paulo