Foto oficial da composição do STF, em 3 de agosto de 2023 | Foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF
Se o Congresso engolir a indicação de Flávio Dino, a
audaciosa demonstração de covardia vai apenas reiterar que, no Brasil, o
que está péssimo sempre pode piorar.
Mas a composição do Supremo
Tribunal Federal não precisou ser reforçada por um comunista maranhense
desprovido de notório saber jurídico e ilibada reputação para assumir a
liderança do ranking das mais vergonhosas desde o nascimento do Pretório
Excelso.
Para isso bastou o desempenho da gaúcha Rosa Weber, ocupante
até recentemente da vaga ainda sem dona.
Mesmo um Flávio Dino terá de
dar duro para merecer o lugar que foi da ministra que enxergou nas
depredações ocorridas em 8 de janeiro a versão moderna do ataque militar
japonês à base norte-americana de Pearl Harbor.
A criadora do
Dia da Infâmia à brasileira fez bonito num timaço. É o que berram as
capivaras em miniatura dos dez parceiros de Rosa Weber, relacionados
pelo critério de antiguidade no Egrégio Plenário. Confira:
Gilmar
Mendes: Escolhido pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, estreou em
junho de 2002 e tem emprego garantido até 2030. Joga nas 11. Decano
desde o ano passado, é também o chefe supremo da bancada majoritária,
ministro da guerra contra a Constituição e o equilíbrio dos Poderes,
porta-voz da Corte em momentos de crise brava, conselheiro dos
hesitantes, diretor do departamento de conversões, técnico e capitão do
Timão da Toga, organizador de seminários no exterior e gerente da usina
de habeas corpus para culpados.
Cármen Lúcia:
Indicada por Lula, chegou em junho de 2006 e só sairá em 2029. A
performance da ministra é dividida em três fases. Na primeira, ouvia
conselhos do pai em conversas telefônicas diárias e decidia com
sensatez.
Com a orfandade, passou a consultar Celso de Mello e a
acompanhar o voto do então decano.
Com a aposentadoria do Pavão de
Tatuí, tornou-se a discípula mais esforçada de Gilmar Mendes. Na
primeira fase, era favorável à prisão depois da condenação em segunda
instância. Agora é contra. Aconselhada pelo pai, virou manchete com a
frase “cala a boca já morreu”. Instruída por Gilmar, aprovou a censura
com prazo de validade.
Dias Toffoli:
Nomeado por Lula, assumiu em outubro de 2009 a vaga que será reaberta em
2042. Reprovado duas vezes no concurso de ingresso na magistratura
paulista, achou melhor fazer carreira no PT. Foi assessor de José
Dirceu, advogado do PT, advogado de Lula e chefe da Advocacia-Geral da
União. Em seus dois primeiros anos no STF, colegas mais velhos usavam o
codinome “Estagiário” para referir-se ao novato.
Manuscritos recentes
avisam que vai aposentar-se sem ter conseguido virar juiz
Luiz Fux: Escolhido por Dilma Rousseff, entrou em
3 de março de 2011 e ficará no emprego até 2028. Único magistrado por
concurso do STF, tocar guitarra tornou-se seu hobby quando era juiz de
Direito no interior fluminense. Pela silenciosa performance dos últimos
quatro anos, o aplicado guitarrista transformou em hobby o julgamento de
processos no Supremo.
Luís
Roberto Barroso: Indicado por Dilma, chegou em junho de 2013 à Corte que
deixará em 2033. Atual presidente do STF, protagonizou em março de 2018
um instrutivo bate-boca com Gilmar Mendes.
Acusado de “dar uma de
esperto”, Barroso foi à réplica: “Você é uma pessoa horrível. A mistura
do mal com o atraso e pitadas de psicopatia”. As batalhas contra Jair
Bolsonaro encerraram a desavença.
Na festa de posse de Barroso, ambos
foram fofos. “A história de Vossa Excelência é lastro seguro de
dignidade”, afagou Gilmar. “Guardarei no coração essas palavras
dirigidas a mim”, derreteu-se Barroso. Essa troca de carícias verbais
prova que o antigo tribunal virou partido. Muitos juízes de verdade
optaram pela ruptura definitiva depois de gravemente ofendidos.
Políticos togados só não se reconciliam com manés perdedores e gente que
amola.Edson Fachin:
Premiado por Dilma, está no STF desde junho de 2015 e vai aposentar-se
em 2033.
Chegou ao tribunal por ter sido cabo eleitoral no Paraná da
madrinha candidata à reeleição.
Admirador juramentado do MST e
simpatizante confesso do marxismo-leninismo, fingiu durante dois anos
que apoiava a Operação Lava Jato. Rasgou a fantasia ao anular todas as
bandalheiras cometidas por Lula com uma vigarice de assustar qualquer
rábula: o ex-presidente presidiário só poderia ser julgado em Brasília,
nunca em Curitiba.
O inventor da Lei do CEP também esbanjou criatividade
em sua passagem pelo Tribunal Superior Eleitoral.
Foi ele quem
descobriu, por exemplo, que a maior produtora de fake news destinada a
brasileiros é a Macedônia do Norte.
Alexandre de
Moraes: Nomeado por Michel Temer, chegou ao Supremo em março de 2017 e
pretende continuar acampado por lá até 2043. Entre o dia da posse e
janeiro de 2019, pensou no que fazer.
Há mais de quatro anos anda
fazendo o exato contrário do que ensinou nas aulas de Direito
Constitucional e reiterou numa pilha de livros sobre Direito
Constitucional.
Numa sequência de assombrar o mais audacioso chicaneiro,
recriou o preso político, o exilado político e o perseguido político.
Sem pausas para tomar fôlego, inventou o inquérito secreto em que o
próprio ministro figura como réu, delegado, promotor, juiz e julgador de
recursos, o flagrante perpétuo, a prisão preventiva sem prazo para
acabar, a prisão provisória sem prazo de validade, a captura por
rebanho, o julgamento por atacado, a condenação sem sentença, a
meia-liberdade, o réu sem direito a advogado, o Programa Nacional de
Distribuição de Tornozeleiras Eletrônicas e a multa com cinco zeros,
fora o resto.
No momento, usa o que lhe resta de imaginação para
explicar a morte sem julgamento de Cleriston Pereira da Cunha, impedido
pela permanência na cadeia de tratar doenças crônicas letais.
Nunes Marques: Indicado por Jair Bolsonaro, chegou ao STF
em novembro de 2020 e vai sair em 2047.
Já teve um almoço reservado com
Lula. A dupla informou que a conversa foi bastante cordial. Almoços,
jantares e conversas do gênero serão reprisados nos próximos 24 anos com
a bancada majoritária no STF.
Nunes Marques vai deixando claro que não
tem vocação para discordar de quem manda.André
Mendonça: Nomeado por Jair Bolsonaro, instalou-se na Corte em dezembro
de 2021 e ali ficará até 2047.
Chegou lá com a imagem de “terrivelmente
evangélico”.
Evangélico Mendonça é, mas nada tem de terrível.
Parecia
disposto a enfrentar a feroz bancada liderada por Gilmar Mendes. Ao
julgar outro pedido de habeas corpus encaminhado por Cleriston Pereira
da Cunha, formalizou a rendição.
Além de negar-se a salvar o condenado à
morte, Mendonça fez questão de remeter a Moraes uma cópia da decisão
repulsiva.
Cristiano
Zanin: Nomeado por Lula em agosto deste ano, tem emprego garantido até a
aposentadoria em 2050.
O currículo do calouro Zanin se limita a duas
anotações relevantes. Primeira: ele foi o principal advogado de Lula.
Segunda: Gilmar Mendes achou tão comovente o esforço do jovem doutor
que, numa sessão do Supremo, fez questão de homenageá-lo com outra
invenção — o choro convulsivo sem lágrimas.
Entrosamento é o que
não falta ao Timão da Toga.
O problema é a plateia.
Se é que existem,
seus torcedores nunca aplaudem os craques que, quando dão as caras em
qualquer rua de qualquer país, são invariavelmente hostilizados por quem
os reconhece.
As coisas pioraram com a morte de Cleriston.
A imensa
torcida adversária perdeu o medo de manifestar-se nas ruas.
E tem tudo
para indignar-se mais ainda caso entre em campo um Flávio Dino.
É um
campeão de impopularidade. E está irremediavelmente fora de forma.
Augusto Nunes, colunista - Revista Oeste