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sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

Um timaço sem torcedores - Augusto Nunes

Revista Oeste

Confira a ficha resumida dos supercraques que jogam de toga

 

Foto oficial da composição do STF, em 3 de agosto de 2023 | Foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF
 
Se o Congresso engolir a indicação de Flávio Dino, a audaciosa demonstração de covardia vai apenas reiterar que, no Brasil, o que está péssimo sempre pode piorar. 
Mas a composição do Supremo Tribunal Federal não precisou ser reforçada por um comunista maranhense desprovido de notório saber jurídico e ilibada reputação para assumir a liderança do ranking das mais vergonhosas desde o nascimento do Pretório Excelso. 
Para isso bastou o desempenho da gaúcha Rosa Weber, ocupante até recentemente da vaga ainda sem dona. 
Mesmo um Flávio Dino terá de dar duro para merecer o lugar que foi da ministra que enxergou nas depredações ocorridas em 8 de janeiro a versão moderna do ataque militar japonês à base norte-americana de Pearl Harbor.

A criadora do Dia da Infâmia à brasileira fez bonito num timaço. É o que berram as capivaras em miniatura dos dez parceiros de Rosa Weber, relacionados pelo critério de antiguidade no Egrégio Plenário. Confira:

Gilmar Mendes: Escolhido pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, estreou em junho de 2002 e tem emprego garantido até 2030. Joga nas 11. Decano desde o ano passado, é também o chefe supremo da bancada majoritária, ministro da guerra contra a Constituição e o equilíbrio dos Poderes, porta-voz da Corte em momentos de crise brava, conselheiro dos hesitantes, diretor do departamento de conversões, técnico e capitão do Timão da Toga, organizador de seminários no exterior e gerente da usina de habeas corpus para culpados.
 
Cármen Lúcia:
Indicada por Lula, chegou em junho de 2006 e só sairá em 2029. A performance da ministra é dividida em três fases. Na primeira, ouvia conselhos do pai em conversas telefônicas diárias e decidia com sensatez. 
Com a orfandade, passou a consultar Celso de Mello e a acompanhar o voto do então decano. 
Com a aposentadoria do Pavão de Tatuí, tornou-se a discípula mais esforçada de Gilmar Mendes. Na primeira fase, era favorável à prisão depois da condenação em segunda instância. Agora é contra. Aconselhada pelo pai, virou manchete com a frase “cala a boca já morreu”. Instruída por Gilmar, aprovou a censura com prazo de validade.

Dias Toffoli: Nomeado por Lula, assumiu em outubro de 2009 a vaga que será reaberta em 2042. Reprovado duas vezes no concurso de ingresso na magistratura paulista, achou melhor fazer carreira no PT. Foi assessor de José Dirceu, advogado do PT, advogado de Lula e chefe da Advocacia-Geral da União. Em seus dois primeiros anos no STF, colegas mais velhos usavam o codinome “Estagiário” para referir-se ao novato. 
Manuscritos recentes avisam que vai aposentar-se sem ter conseguido virar juiz
 
Luiz Fux: Escolhido por Dilma Rousseff, entrou em 3 de março de 2011 e ficará no emprego até 2028. Único magistrado por concurso do STF, tocar guitarra tornou-se seu hobby quando era juiz de Direito no interior fluminense. Pela silenciosa performance dos últimos quatro anos, o aplicado guitarrista transformou em hobby o julgamento de processos no Supremo.

Luís Roberto Barroso:
Indicado por Dilma, chegou em junho de 2013 à Corte que deixará em 2033. Atual presidente do STF, protagonizou em março de 2018 um instrutivo bate-boca com Gilmar Mendes.  
Acusado de “dar uma de esperto”, Barroso foi à réplica: “Você é uma pessoa horrível. A mistura do mal com o atraso e pitadas de psicopatia”.   As batalhas contra Jair Bolsonaro encerraram a desavença. 
Na festa de posse de Barroso, ambos foram fofos. “A história de Vossa Excelência é lastro seguro de dignidade”, afagou Gilmar. “Guardarei no coração essas palavras dirigidas a mim”, derreteu-se Barroso.                Essa troca de carícias verbais prova que o antigo tribunal virou partido. Muitos juízes de verdade optaram pela ruptura definitiva depois de gravemente ofendidos. 
Políticos togados só não se reconciliam com manés perdedores e gente que amola.

Edson Fachin: Premiado por Dilma, está no STF desde junho de 2015 e vai aposentar-se em 2033. 
Chegou ao tribunal por ter sido cabo eleitoral no Paraná da madrinha candidata à reeleição. 
Admirador juramentado do MST e simpatizante confesso do marxismo-leninismo, fingiu durante dois anos que apoiava a Operação Lava Jato. Rasgou a fantasia ao anular todas as bandalheiras cometidas por Lula com uma vigarice de assustar qualquer rábula: o ex-presidente presidiário só poderia ser julgado em Brasília, nunca em Curitiba. 
O inventor da Lei do CEP também esbanjou criatividade em sua passagem pelo Tribunal Superior Eleitoral. 
Foi ele quem descobriu, por exemplo, que a maior produtora de fake news destinada a brasileiros é a Macedônia do Norte.

Alexandre de Moraes: Nomeado por Michel Temer, chegou ao Supremo em março de 2017 e pretende continuar acampado por lá até 2043.       Entre o dia da posse e janeiro de 2019, pensou no que fazer. 
Há mais de quatro anos anda fazendo o exato contrário do que ensinou nas aulas de Direito Constitucional e reiterou numa pilha de livros sobre Direito Constitucional.  
Numa sequência de assombrar o mais audacioso chicaneiro, recriou o preso político, o exilado político e o perseguido político. 
Sem pausas para tomar fôlego, inventou o inquérito secreto em que o próprio ministro figura como réu, delegado, promotor, juiz e julgador de recursos, o flagrante perpétuo, a prisão preventiva sem prazo para acabar, a prisão provisória sem prazo de validade, a captura por rebanho, o julgamento por atacado, a condenação sem sentença, a meia-liberdade, o réu sem direito a advogado, o Programa Nacional de Distribuição de Tornozeleiras Eletrônicas e a multa com cinco zeros, fora o resto. 
No momento, usa o que lhe resta de imaginação para explicar a morte sem julgamento de Cleriston Pereira da Cunha, impedido pela permanência na cadeia de tratar doenças crônicas letais.

Nunes Marques: Indicado por Jair Bolsonaro, chegou ao STF em novembro de 2020 e vai sair em 2047. Já teve um almoço reservado com Lula. A dupla informou que a conversa foi bastante cordial. Almoços, jantares e conversas do gênero serão reprisados nos próximos 24 anos com a bancada majoritária no STF. Nunes Marques vai deixando claro que não tem vocação para discordar de quem manda.

André Mendonça: Nomeado por Jair Bolsonaro, instalou-se na Corte em dezembro de 2021 e ali ficará até 2047. 
Chegou lá com a imagem de “terrivelmente evangélico”. 
Evangélico Mendonça é, mas nada tem de terrível. 
Parecia disposto a enfrentar a feroz bancada liderada por Gilmar Mendes. Ao julgar outro pedido de habeas corpus encaminhado por Cleriston Pereira da Cunha, formalizou a rendição. 
Além de negar-se a salvar o condenado à morte, Mendonça fez questão de remeter a Moraes uma cópia da decisão repulsiva.

Cristiano Zanin: Nomeado por Lula em agosto deste ano, tem emprego garantido até a aposentadoria em 2050. 
O currículo do calouro Zanin se limita a duas anotações relevantes. Primeira: ele foi o principal advogado de Lula. Segunda: Gilmar Mendes achou tão comovente o esforço do jovem doutor que, numa sessão do Supremo, fez questão de homenageá-lo com outra invenção — o choro convulsivo sem lágrimas.

Entrosamento é o que não falta ao Timão da Toga
O problema é a plateia. 
Se é que existem, seus torcedores nunca aplaudem os craques que, quando dão as caras em qualquer rua de qualquer país, são invariavelmente hostilizados por quem os reconhece. 
As coisas pioraram com a morte de Cleriston
A imensa torcida adversária perdeu o medo de manifestar-se nas ruas. 
E tem tudo para indignar-se mais ainda caso entre em campo um Flávio Dino. 
É um campeão de impopularidade. E está irremediavelmente fora de forma.

Leia também “Um morto assombra o Supremo”
 
 
Augusto Nunes, colunista - Revista Oeste 
 
 

sexta-feira, 21 de outubro de 2022

A exumação da censura - Augusto Nunes

Revista Oeste

O aleijão inconstitucional deve ser imediatamente devolvido à cova rasa 

No meio da entrevista a um jornalista amigo, o ministro Edson Fachin confessou que o sistema eleitoral brasileiro, embora seja o mais perfeito do planeta (ou talvez por isso mesmo), corria perigo por estar na mira de hackers homiziados na Macedônia do Norte.  
A revelação bastava para transformar a conversa em leitura obrigatória. Mas o gaúcho com sotaque paranaense, instalado no Supremo Tribunal Federal por indicação de Dilma Rousseff, achou pouco. E garantiu que, tão logo assumiu a presidência do Tribunal Superior Eleitoral, compreendeu que só se mostraria à altura do cargo se levasse em conta a “transterritorialização comunicacional”
Fachin caprichou no sorriso de carrasco do idioma. O entrevistador fingiu que sabia o significado da sopa de letras. 
Leitores com mais de cinco neurônios constataram que coisas estranhas acontecem na cabeça das sumidades que acumulam as atividades no Pretório Excelso com as atribuições do cargo de Senhor das Urnas e dos Votos.

Sessão virtual plenária do TSE (11/10/2022) | Fotos: LR Moreira/Secom/TSE 

Sessão virtual plenária do TSE (11/10/2022) | Fotos: LR Moreira/Secom/TSE  

Todos acreditam, por exemplo, que chegaram ao mundo com três marcas de nascença: onisciência, onipresença e onipotência, tudo em dose dupla.  
Gente assim faz coisas de que até Deus duvida, confirma Alexandre de Moraes de meia em meia hora. 
Comandante do inquérito do fim do mundo no STF, imperador do Brasil eleitoral desde agosto, o afilhado de Michel Temer se acha a maior autoridade mundial em fake news
Ninguém risca com tanta segurança fronteiras que separam informações de alta qualidade e notícias fraudulentas, fatos e boatos, o que é e o que não é, o que aconteceu e o que foi inventado.  
No começo desta semana, o presidente do TSE anunciou a descoberta de outra brasileirice: uma segunda geração de fake news. Na primeira, os inimigos do Estado de Direito se limitavam a espalhar mentiras. A recém-nascida é mais sofisticada. Nessa variante da pandemia de falsidades, “a pessoa se baseia em coisas verdadeiras para chegar a conclusões mentirosas e divulgá-las”, ensina o doutor em tapeações eleitoreiras. [no oportuno comentário da articulista Ana Paula Henkel,com tão estapafúrdia decisão, foi criado o crime de fala conclusão; leio coisas verdade, porém, por incompetência ou para realizar atos antidemocráticos concluo coisas erradas, sem saber que estou tirando conclusões erradas, ao que sou enquadrado pelas agências de checagem em mais um delito tipificado por decisão monocrática de um supremo ministro.] 
 
Moraes acha que a segunda geração tem como alvo preferencial o candidato do PT. É verdade que Lula é ex-presidiário, admitem o mestre e seus discípulos. Admitem também que Lula enriqueceu trocando favores milionários com a bandidagem do Petrolão. Mas espalhar por aí que o retorno do ex-presidente ao Planalto seria uma volta à cena do crime é coisa de fascista sem remédio, de praticante de atos antidemocráticos, de nostálgicos de golpes militares [ - crimes que podem ser punidos com a escolha do criminoso para ser vice do luLadrão que quer voltar à cena do crime ou com prisão preventiva com caráter de prisão perpétua.]  
Não é isso o que repete Geraldo Alckmin nos vídeos da campanha de 2018 que seguem fazendo sucesso na internet?, insistirão os eternos insatisfeitos. 
Não foi a permanência nas redes de uma gravação desbocada feita por Daniel Silveira o pretexto para instituir o flagrante perpétuo e decretar a prisão de um deputado federal protegido por imunidades parlamentares?  
O que espera Moraes para engaiolar o setentão que desertou do ninho tucano para fazer feio em cantorias esquerdistas?
 
Melhor parar por aqui, ouço murmurando os cautelosos demais. 
É perigoso melindrar magistrados que enxergam no espelho a instituição que os empregou. 
Pois chegou a hora de deter o autoritarismo togado, que desde 2019 consolida parcerias com militantes esquerdistas acampados em redações agonizantes e casos de polícia refugiados em partidos arrendados. “Não se ganha uma guerra com retiradas”, avisou Winston Churchill, o maior dos estadistas. 
Como sentimentos têm odores, predadores da liberdade farejam facilmente o cheiro do medo, mais pestilento quando se recua. 
Os atropeladores da Constituição fizeram de conta que nem notaram as advertências formuladas por dezenas de milhões de brasileiros nas urnas do primeiro turno. 
A mais animadora foi a profunda mudança na composição do Senado, que terá na presidência um parlamentar indicado pela majoritária bancada bolsonarista. 
Outras: o confinamento do PT nas regiões atormentadas pelo atraso e as derrotas impostas a Lula pelo Brasil moderno. Claro que mesmo prepotentes vocacionais enxergaram tais mudanças na paisagem.

Se é assim, por que os democratas de manifesto e libertários de galinheiro agiram com tanto desembaraço e atrevimento ao longo deste outubro? Os parceiros têm pressa, palavra que no glossário da política tem por sinônimos também os termos inquietação, afoiteza e ansiedade. Descobriram que terão de enfrentar em 30 de outubro legiões de militantes decididos a inverter o resultado do primeiro turno. Confrontados com as dimensões do eleitorado que não engole o PT, os sacerdotes da seita descobriram que nunca tiveram um genuíno oponente. Os advogados de Lula, com a ajuda do estafeta Randolfe Rodrigues, atravessaram o mês pressionando os aliados no TSE com a média diária de cinco ações judiciais — ora exigindo direito de resposta, ora reivindicando a supressão de verdades, ora pedindo a imposição da censura a empresas de comunicação ou veículos jornalísticos

As ações emplacadas por assessores jurídicos de Jair Bolsonaro não chegaram a dez. 
O TSE disse sim a quase todas as remetidas por lulistas. Até às que imploraram pela exumação da censura, essa abjeção sepultada em cova rasa na década de 1970.
 
No dia 18, o ministro Benedito Gonçalves, corregedor-geral da Justiça Eleitoral, bloqueou até 31 de outubro a monetização de quatro empresas jornalísticas. Incluída no grupo, a Brasil Paralelo sofreu um castigo adicional. 
Benedito trancou no baú da censura prévia o documentário Quem Mandou Matar Jair Bolsonaro?
A multa fixada para o descumprimento da decisão arbitrária é de R$ 500 mil por dia. 
Nem mesmo o Brasil do AI-5 adotou a censura prévia. 
Da mesma forma, os censores que vetavam a publicação de páginas marcadas por um corpulento X desenhado com lápis vermelho nunca ameaçaram os censurados com o fechamento do seu local de emprego. Esse fantasma ronda desde segunda-feira o prédio da Jovem Pan na Avenida Paulista.

Moraes e sua bancada dormiriam em sossego caso essas violências exigissem a aprovação de jornalistas que exigem respeito à liberdade de expressão desde que os beneficiários pensem como eles. 
Kennedy Alencar, do portal UOL, não se satisfez com o garrote financeiro imposto a uma produtora que não obedece a cartilhas esquerdistas. “A Brasil Paralelo é uma difusora de fake news conhecida na praça”, irritou-se o jornalista que, ao ser batizado, prestou com o pronome uma homenagem que seria recusada pelo pior dos espécimes da família Kennedy. “Temos de aplicar o princípio follow the money. Tem de ver quais são os empresários que financiam a produção de conteúdo falso. É uma organização de extrema direita, que dissemina mentira no debate público brasileiro e precisa ser combatida.”

Figuras desse calibre decerto torcem também pelo desaparecimento da octogenária Jovem Pan. E jamais subscreveriam o editorial que noticiou a punhalada desferida na Constituição pela mão de Moraes. O presidente do TSE participou indevidamente do julgamento para desempatar a votação a favor dos liberticidas. Como lembra o editorial, a decisão foi proferida “ao arrepio do princípio democrático de liberdade de imprensa”, que proíbe qualquer forma de censura e obstáculo para a atividade jornalística. O documento adverte para os riscos da escalada autoritária do TSE e reafirma “o compromisso inalienável com o Brasil. Defendemos os princípios democráticos da liberdade de expressão e de imprensa e repudiamos com veemência qualquer forma de censura.”

Se a Jovem Pan está proibida de referir-se a Lula como “ex-presidiário”, a Gazeta do Povo foi submetida à censura depois de publicar no Twitter notícias sobre a expulsão da CNN da Nicarágua. Amigo fraterno do ditador Daniel Ortega, Lula ficou inquieto: alusões a esses laços incômodos poderiam prejudicá-lo na campanha eleitoral. Em mais um pedido repulsivo, o PT solicitou ao TSE a censura prévia de reportagens da Gazeta do Povo que associassem Lula a Ortega. Desta vez a reivindicação absurda foi rejeitada.

O TSE censurou um trecho de entrevista em que o ministro Marco Aurélio Mello, aposentado recentemente, explicava por que Lula mente ao declarar-se inocentado pelo Supremo

Na semana passada, o batalhão de advogados a serviço do chefão solicitou o bloqueio de 34 perfis no Twitter, aí incluído o da Revista Oeste. “A bomba foi anunciada por um veículo de comunicação que fez questão de aplaudir a tentativa de amordaçar parte da imprensa, jornalistas e formadores de opinião”, registrou Paula Leal em reportagem publicada na Edição 134. “Sem ter acesso ao conteúdo da representação, Oeste buscou amparo jurídico para exercer seu direito de defesa. A prática de não dar acesso integral ao processo, aliás, tem se tornado recorrente no Judiciário. O maior exemplo é o inquérito das fake news, em que as partes não sabem nem por qual crime estão sendo acusadas.”

Sinais de desconforto enfim começaram a aparecer em jornais que sempre denunciaram ruidosamente quaisquer ruídos antidemocráticos. A Folha de S.Paulo, por exemplo, criticou em editorial a fábrica de decisões institucionais gerenciada por Moraes. “Ao expandir seu raio de atuação, a Corte pode descair para a censura pura e simples”, avisa um trecho. O Globo foi mais incisivo: “TSE foi longe demais no combate à desinformação”. Segundo o portal carioca, “não é papel da Corte julgar a qualidade dos veículos de imprensa, muito menos censurá-los preventivamente apenas por causa de um título malfeito, nem mesmo pela eventual publicação de informações erradas, que podem perfeitamente ser corrigidas”. A Gazeta do Povo reagiu com elogiável altivez. “A adoção da censura prévia nesta reta final de campanha é a comprovação de que o TSE considera não haver freio nenhum à sua atuação.”

Surpreendentemente, os primeiros sinais amarelos foram acesos no TSE. Também nesta semana, inúmeros casos foram decididos pelo voto de minerva. Integrante da trinca de representantes do STF no puxadinho governado por Moraes, a ministra Cármen Lúcia não conseguiu camuflar o constrangimento ao votar favoravelmente à censura prévia. 
Queria ter certeza de que o relator cumpriria a promessa de retirar em 31 de outubro as algemas que imobilizam determinações da Constituição. O desconforto de Cármen Lúcia deve ter crescido notadamente nesta quinta-feira: o TSE censurou um trecho de entrevista em que o ministro Marco Aurélio Mello, aposentado recentemente, explicava por que Lula mente ao declarar-se inocentado pelo Supremo.

Há poucos meses, Marco Aurélio era o decano do tribunal. Se Alexandre de Moraes não for contido, todos os seus pares estarão arriscados a sofrer a mesma brutalidade que o atingiu. Cármen Lúcia não vai demorar a aposentar-se.

 

A censura do AI-5, à qual estiveram submetidos diretamente a revista Veja, O Estado de S. Paulo e outros veículos de imprensa, era mais honesta em seus propósitos, mais clara para os censurados e mais inteligente do que a censura praticada hoje pelo ministro Alexandre Moraes e os seus colegas do STF.  
No caso específico de Veja havia um censor que se apresentava como censor — era um delegado da Polícia Federal, e mostrava a sua carteira de serviço se alguém lhe pedisse identificação. 
Comparecia pessoalmente à redação da revista em São Paulo, na Freguesia do Ó, na manhã dos sábados, o momento em que todas as matérias da edição semanal estavam escritas. 
Ia a uma sala do 7º andar do edifício e lia os artigos de política, ou de algum outro assunto que quisesse ler. Quando queria censurar alguma coisa, dizia: “Corta este trecho que vai daqui até ali. Corta este também. Não pode deixar em branco os pedaços cortados; tem de escrever alguma coisa para pôr no lugar”. Quando o censor acabava de ler tudo, descia até o estacionamento, entrava em seu carro e ia embora — até voltar no sábado seguinte, na mesma hora.

Nunca, em momento nenhum, o censor disse que estava ali “em defesa da democracia” ou para combater “atos antidemocráticos”; dizia, claramente, que estava ali com o único propósito de impedir que a revista publicasse coisas que o governo não queria que fossem publicadas.        “Isso aqui está vetado”, informava ele. Não perdia um minuto explicando que era “fake news” ou “ameaçava as instituições” — na verdade, não dava a mínima se era verdade, mentira ou o raio que fosse. 

Só dizia que era proibido publicar porque o governo estava mandando, e pronto. Os cortes feitos na sala do 7º andar sempre eram obedecidos — se por acaso fosse impressa alguma coisa censurada, qualquer coisa, a edição toda seria apreendida na boca da máquina, na distribuidora ou nas bancas. Era, acima de tudo, um processo altamente eficaz: não saía nada que o censor tivesse mandado cortar
Com o tempo, a redação ia se cansando de escrever, ser censurada e ter de escrever de novo. 
Passou, então, a não fazer mais as matérias que, segundo se imaginava, poderiam ser censuradas. Era a vitória final da censura; quase não se precisava do censor a essa altura.

A censura em Veja acabou no dia em que o governo resolveu que deveria acabar; a “sociedade civil” não teve nada a ver com isso. 

O secretário de imprensa da Presidência da República chamou a Brasília o diretor de redação e informou que a partir do próximo sábado o homem da Polícia Federal não viria mais

Disse também que a revista deveria tomar cuidado com o que fosse publicar — entendeu? Foi isso. Não houve inquérito ilegal nenhum. Não houve ameaças histéricas de ministros obcecados com notícias “falsas”. Não houve marechais de campo da democracia dizendo que a liberdade de expressão tem limites e não pode “ser usada” se o STF achar que ela prejudica o “estado democrático de direito”. Não houve manifestos de “personalidades”, nem jornalistas, se declarando a favor da censura. Não houve a hipocrisia rasteira que sustenta hoje a violação da liberdade de imprensa. Censura, então, se chamava “censura”. Era muito mais claro.

Leia também “O gol contra de Moraes”

Augusto Nunes -  Edilson Salgueiro,  colunistas - Revista Oeste


sábado, 17 de setembro de 2022

Rosa também acha que só a ditadura salva a democracia - Augsuto Nunes

 Revista  Oeste

O STF prolonga o túnel concebido para perpetuar a escuridão

Ministros Rosa Weber, Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes | Foto: STF/Divulgação
Ministros Rosa Weber, Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes | Foto: STF/Divulgação

No meio do falatório soporífero, resolveu apresentar ao mundo o poeta maranhense Bandeira Tribuzzi. Nem mesmo o bando de brasileiros ouvira qualquer menção ao bardo que conviveu com Sarney durante a juventude em São Luís. A procissão de platitudes recomeçou depois dos versos. Ansioso, o deputado mineiro Milton Reis enxergou na primeira vírgula a senha para soltar o grito de guerra que animava os comícios de antigamente: “Apoiado!”. As cenas de primitivismo explícito confirmaram a frase em que Millôr Fernandes condensou o sentimento nacional decorrente da descoberta dolorosa: o país que dormiu com Tancredo Neves pronto para subir a rampa do Planalto acordou com o vice no gabinete presidencial: “Sarney foi o túnel no fim da luz”.

Neste 12 de setembro, a cerimônia de posse da nova presidente do Supremo Tribunal Federal avisou que Rosa Weber é uma espécie de Sarney em forma de mulher, de toga, com sotaque gaúcho e a expressão atarantada de quem ainda não sabe direito o que faz por lá. Terminada a discurseira, enfeitada por bravatas de vereador de grotão em campanha eleitoral, ficou claro que a ministra nomeada por Dilma Rousseff é o prolongamento de um túnel que começou a ser construído em 2013, com o fim do julgamento do escândalo do Mensalão, e parece condenado a não rever a luz.

Que não se cogite descumprir ordem judicial”, caprichou na bravata a sucessora de Luiz Fux. A salva de palmas revelou que os devotos do ativismo judicial (ou da judicialização da política) encontraram no aplauso unânime o sinônimo sonoro do “apoiado!” berrado na ONU pelo deputado mineiro que admirava Sarney. [oportuno lembrar que ordens só são cumpridas quando há alguém disposto a cumpri-las e/ou quem as dá dispõe de meios para impor que sejam cumpridas.
Outro complicador é que tem uma corrente de ativismo judicial que defende que para salvar a democracia ela tem que ser destruída.!!!]
A festa oferecida a Rosa teve menos pompas e fitas que as exibidas na chegada de Alexandre de Moraes ao comando do Tribunal Superior Eleitoral. Da mesma forma que o atual, nenhum ex-presidente da República deu as caras por lá. Nenhuma surpresa. 
Aos 73 anos, Rosa ficará no cargo só até outubro de 2023. Até aposentar-se, será obediente à maluquice segundo a qual existe uma única forma de impedir que a democracia seja assassinada por Jair Bolsonaro: tratar a pontapés a Constituição e mutilar a machadadas o Estado de Direito.
 
Desde o parto do inquérito das fake news, vulgo inquérito do fim do mundo, abjeções que deixariam ruborizado o pior advogado da Coreia do Norte ganharam o status de “medidas necessárias à preservação de instituições ameaçadas por atos antidemocráticos”
Monitorada pelo decano Gilmar Mendes, a tropa que controla o Poder Judiciário é fortalecida por snipers do calibre de Luís Roberto Barroso (“Eleição não se vence, se toma”), Ricardo Lewandowski (“Se Dilma perder os direitos políticos com o impeachment, não conseguirá emprego nem como merendeira”), Edson Fachin (que proíbe a polícia de enfrentar bandidos e desarma os brasileiros honestos enquanto combate hackers homiziados na Macedônia do Norte) ou Luiz Fux (Mexeu com um ministro, mexeu com todos”).

É compreensível que um tribunal dominado por tamanhas sumidades tenha escalado Alexandre de Moraes para desempenhar simultaneamente, num único inquérito, os papéis de vítima indignada, delegado de polícia à beira de um ataque de nervos, acusador que não perdoa sequer bebê de colo e magistrado que julga tudo a favor de si mesmo até recursos que contestam medidas sem pé nem cabeça. O inquérito infame já consumiu milhares de páginas, cujo conteúdo permanece em sigilo. Assim, os alvos do carrasco não sabem sequer do que são acusados. Mesmo depois de assumir a chefia do Tribunal Superior Eleitoral, o impetuoso artilheiro segue agindo em duas frentes.

Num mesmo dia, por exemplo, enquanto o Moraes da eleição tentava sepultar a candidatura ao Senado do deputado federal Daniel Silveira, o Moraes das fake news mandou às favas os sólidos argumentos apresentados pela Procuradoria-Geral da República para que sejam respeitados os direitos constitucionais de oito empresários suspeitos de terem inventado outra brasileirice de hospício: o golpe de Estado via WhatsApp, urdido e consumado com desabafos eletrônicos. A decisão de Moraes trucidou dois textos legais. Confiram o que dizem: Artigo 129 da Constituição: Compete ao MPF promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei; e requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais.

Parágrafo II do artigo 282 do Código de Processo Penal: “As medidas cautelares serão decretadas pelo juiz a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público”.

“Pessoas sem foro privilegiado perante o STF têm de ser investigadas e processadas na primeira instância”, explica a procuradora Thaméa Danelon. “Alguém que não tem foro no STF poderá ser processado na Corte apenas se for comprovado o envolvimento em crime cometido por um indivíduo com foro.” 
Thaméa lembra que o artigo 102 da Constituição especifica que têm direito a foro privilegiado o presidente e o vice-presidente da República, parlamentares, ministros de Estado, integrantes do Ministério Público Federal, ministros do STF e do Superior Tribunal de Justiça. Empresários não figuram na lista. Mais: a Procuradoria-Geral da República só foi notificada sobre o que aconteceria depois de Moraes ter ordenado a operação
Ministro que age assim não tem notável saber jurídico (se tem, faz de conta que esqueceu).  
Tampouco parece interessado em preservar a reputação ilibada, sem a qual ninguém pode jogar no Timão da Toga
São esses os dois requisitos exigidos pela Constituição. Quem não os preenche é um ministro inconstitucional. 

Como a epidemia de truculências ilegais parece altamente contagiosa, vai se tornando mais extensa que muita motociata liderada por Bolsonaro
Neste fim de inverno, por exemplo, a juíza Marisa Gatelli, em ação numa comarca gaúcha a 90 quilômetros de Porto Alegre, ordenou a remoção de um outdoor com a inscrição DEUS PÁTRIA FAMÍLIA LIBERDADE. Marisa entendeu que a junção das quatro palavras “está ligada ao facismo. (Assim mesmo: facismo, sem o s entre o a e o c.) O nome da cidade é Vale Real. A cabeça baldia da doutora não vale um tostão.
 

Leia também “As pesquisas naufragam nas ruas”

Augusto Nunes, colunista - Revista Oeste

domingo, 13 de março de 2022

O candidato que não pode ganhar - Revista Oeste

J. R. Guzzo

Mesmo que Bolsonaro tenha 99% dos votos, as classes intelectuais, os meios de comunicação e aquilo que se apresenta como o ”campo progressista” vão dizer que o resultado não vale 

Protesto contra Jair Bolsonaro ("Ele Não"), em 2018 | Foto: Shutterstock
Protesto contra Jair Bolsonaro ("Ele Não"), em 2018 | Foto: Shutterstock
 
Ninguém sabe, e possivelmente não vai saber antes de terminar a apuração dos votos, qual será o resultado das eleições para presidente no próximo mês de outubro.  
Mas de uma coisa pode se ter, desde já, certeza absoluta: vão aparecer todas as razões, por mais espantosas que sejam, para os derrotados dizerem que um dos candidatos, o presidente Bolsonaro, não tem o direito de ganhar e continuar no seu cargo para um novo mandato de quatro anos. Ele não. Mesmo que Bolsonaro tenha 99% dos votos, como Fidel Castro tinha nas eleições de Cuba, as classes intelectuais, os meios de comunicação em peso e aquilo que se apresenta como o “campo progressista” vão dizer que o resultado não vale. 

Por que não vale? Porque decidiram que ele não pode ficar nem mais um minuto no governo, mesmo que o eleitor queira que fique; pode ser perfeitamente legal, mas, segundo dizem o tempo todo, “o país não aguenta” — e, por esta razão superior, a lei não deve ser aplicada. Eleições não se destinam a saber se o país aguenta ou não alguma coisa, nem a eleger o mais virtuoso, e sim a colocar no governo o escolhido pela maioria. Mas não é este o entendimento do que passa hoje por ser a “oposição” no Brasil. Nunca aceitaram, não de verdade, o resultado das eleições de 2018, que o atual presidente ganhou com 58 milhões de votos. Não vão aceitar de novo agora.

O Brasil que quer pensar por todos os brasileiros está convencido que o povo não tem direito de opinar

Vão dizer que não vale? Já estão dizendo, e não vão parar mais — a não ser que Lula, e não existe outro candidato além de Bolsonaro na vida real, ganhe as eleições
Não interessa minimamente se Bolsonaro tem sido um presidente bom, médio ou péssimo; 
interessa menos ainda o que poderia ser em mais um mandato.
Isso é uma questão de opinião e, nesse caso, o Brasil que quer pensar por todos os brasileiros está convencido que o povo não tem direito de opinar. 
Mas eleição, numa democracia, não é justamente para a população escolher quem governa? 
É, mas só vai valer se o eleito não for Bolsonaro ele não, de jeito nenhum. A única ideia em circulação entre os negacionistas da candidatura do presidente, à medida que outubro se aproxima, é que ele é “contra a democracia” — e, portanto, “não pode usar as eleições” para continuar com a sua ação “antidemocrática”. É uma alucinação, porque eleição não se “usa” — ou se ganha ou se perde. Mas aí é que está: também é exatamente o que estão falando.
 
Prepare-se, assim, para ler, ver e ouvir cada vez mais que o Supremo Tribunal Federal, o Congresso e “a sociedade” terão o dever cívico de impedir que “Bolsonaro destrua a democracia” e, assim sendo, não podem permitir que ele seja eleito mais uma vez para a Presidência. 
Ninguém diz direito como, na prática, se poderia fazer uma coisa dessas anular uma eleição livre. Mas essa vai ser a alma da campanha do “Ele Não”; depois se vê como ficam os detalhes, não é mesmo? Não há nada que não possa ser resolvido no plenário do STF
O que interessa é impedir a vitória do candidato proibido pelos professores universitários, os jornalistas e os ricos que se consideram civilizados, incluindo aí os banqueiros de investimento de esquerda e os departamentos de marketing que descobriram a urgência de defender a “diversidade”, combater o efeito carbono e censurar os Sete Anões da Branca de Neve
 
Basicamente, para encurtar a conversa, esse mundo considera que quem vota em Bolsonaro é um nazista, ou algo assim, e, como não existe o direito de ser nazista no Brasil, não é possível votar pela sua reeleição.  
Da mesma maneira que os menores de 16 anos não podem votar, por exemplo, os eleitores de Bolsonaro também não poderiam; não seriam “aptos”, simplesmente, a exercer o seu direito de votar.  
É um rompimento com os circuitos normais pelos quais as ideias são processadas no aparelho cerebral — seria preciso achar uns 70 milhões de nazistas para fazer a maioria na eleição, e nem na Alemanha havia tanto nazista assim. Mas e daí? 
Os negacionistas da existência política do presidente (há os que pregam, também, a conveniência de sua morte física) há muito tempo se dispensaram da obrigação de pensar.

A aflição, em geral, aumenta à medida que afunda a “terceira via”. A “terceira via” sempre foi uma piada; hoje não chega a ser nem isso. (Veja a reportagem seguinte.) O que dizer do movimento pelo “equilíbrio” se o seu grande nome, o ex-juiz Sergio Moro, tinha até cinco minutos atrás esse Arthur do Val, o lamentável deputado que foi à Ucrânia, como candidato a governador do maior Estado do Brasil? Se isso é o que Moro tem de melhor para governar São Paulo, quem seriam os seus ministros? É complicado. 

Tudo bem para os inimigos de Bolsonaro que querem Lula na Presidência, abertamente ou não; vão batalhar por ele e chamar o VAR se perderem, como fará todo o Brasil que vive na bolha do “Ele Não”
Problema mesmo, e mais cômico, está tendo o lado que não admite nenhum dos dois. 
Quem, então? Esses são os únicos candidatos que há no Brasil das realidades. Onde vão achar o nome que querem: na Nova Zelândia?

O “Ele Não”, naturalmente, não vai ser um passeio. Que argumentos reais poderiam ser apresentados para dar alguma justificativa ao que pretendem fazer? Não vai dar para dizer, já de saída, que houve fraude na apuração se Bolsonaro ganhar; o STF garante, 24 horas por dia, que é impossível haver fraude na apuração. [quem garante a exatidão, a procedência fidedigna, do que o STF diz? o que mais tem ocorrido são invasões de hackers a destruir a segurança apregoada pelo STF.]  E agora: como se poderia voltar atrás? (O ministro Edson Fachin inventou uns ataques à “justiça eleitoral” brasileira por parte da “Rússia”, ou da “Macedônia do Norte”; mas estava apenas sendo irresponsável, e logo em seguida teve de desfazer, de forma tão incompreensível como havia feito, as suas acusações.) Se a eleição não pode ser roubada, como é questão de fé em todo o ecossistema do “Ele Não”, então quem ganhou foi quem teve realmente mais votos e, portanto, tem de levar, certo? Ainda não há, ao que se sabe, uma saída razoável para esse problema.

Em três anos e três meses, ainda não apareceu nenhuma denúncia de roubalheira que tenha ficado minimamente de pé contra Bolsonaro ou algum de seus ministros

Também não parece possível, até agora, acusar o presidente e o seu governo de corrupção — o remédio clássico para se combater candidaturas à reeleição. 
 Em três anos e três meses, ainda não apareceu nenhuma denúncia de roubalheira que tenha ficado minimamente de pé contra Bolsonaro ou algum de seus ministros
 
Nem a obra mais ambiciosa de todas as tentativas da oposição para descobrir algum delito do governo a “CPI da Covid”, que ficou aí seis meses inteiros conseguiu achar nada de errado com Bolsonaro; até agora, dos “nove crimes” dos quais acusou o presidente, não se produziu uma única ação penal de verdade, nem na mais miserável comarca deste país. “Impeachment”, então, é melhor esquecer de vez. Desde o início do governo, foram apresentados mais de 100 pedidos de “impeachment”; nenhum chegou sequer a ser recebido para discussão na Câmara dos Deputados.[´lembrando que no inicio do governo Bolsonaro, o presidente da Câmara era o deputado Maia, vulgo 'botafogo', inimigo do presidente Bolsonaro e que não vacilaria em encaminhar qualquer processo contra o presidente.]    
Um problema-chave, nessa história, é que o grande candidato do “Ele Não”, o ex-presidente Lula, não pode nem pensar em ficar falando de ladroagem na sua campanha não depois de ter sido condenado por corrupção e lavagem de dinheiro, em três instâncias e por nove magistrados diferentes, na justiça brasileira. [o luladrão foi descondenado pelo ministro Fachin, decisão que se o Poder Moderador criado pelo ministro Toffoli, fora do Brasil, tivesse algum valor e fosse 'moderar' a decisão.] Aí não é um caso de “Ele Não” — é “Isso Não”.
O argumento-chefe para o veto à reeleição de Bolsonaro, pelo que deu para deduzir até agora, é que a sua vitória eleitoral seria “ilegítima” — ou seja, pode estar dentro da lei, mas estaria fora do que “é bom para o país”, e não é bom para o país porque Bolsonaro é contra “a democracia”.  
 
Não parece valer grande coisa como argumento, levando-se em conta que argumento é um raciocínio que leva a justificar uma afirmação através dos instrumentos da lógica comum. Não há lógica nessa história de “contra a democracia”; não é certo nem que haja um raciocínio. Mas é o que temos no momento; é isso o que dizem. Parece bem pouco. O que seria preciso, para o presidente ser um antidemocrata verdadeiro, seria uma lista dos atos objetivos que ele cometeu contra a democracia em seu governo. Não existe essa lista.  
 
Bolsonaro não mandou prender nenhum deputado depois de entrar no Palácio do Planalto, nem antes. Na verdade, não mandou prender cidadão algum. Não deixou de cumprir nenhuma ordem judicial; ao contrário, a cada cinco minutos tem de “dar explicações” ao STF sobre as coisas mais extravagantes.  
A última delas: por que o seu filho foi com o senhor para a Rússia? (Já houve mais de 100 exigências dessas até agora.) Todas as medidas que tomou, incluindo as acusadas de serem “autoritárias”, foram através de recursos legais, como projetos de lei ou medidas provisórias a serem aprovadas pelo Congresso.
 
Nem Bolsonaro nem o seu governo censuraram até agora um órgão de imprensa, nem impediram o trabalho de um jornalista.  
O presidente não pediu a expulsão de nenhum correspondente estrangeiro, nem apresentou projetos de “controle social” da mídia. 
Não deixou de obedecer a nenhuma decisão do Congresso. 
Não fez nada, até hoje, que a justiça brasileira considerasse contra a lei. Não há registro, em nenhuma vara penal ou civil do país, de alguma queixa de cidadãos contra atos de arbitrariedade de agentes federaismuito prefeito mandou algemar mulheres com filhos pequenos durante a covid, pelo fato de estarem tomando ar em público, mas não se sabe de nada parecido por parte da Polícia Federal ou das Forças Armadas. Não houve repressão policial do governo contra qualquer manifestação popular, ou da oposição.

Bolsonaro não expropriou nada, nem invadiu propriedade de ninguém. Não interferiu nos cultos religiosos. O que mais?

Daqui a pouco vão dizer que pagar o funcionalismo em dia é beneficiar-se de dinheiro do Erário para ganhar os votos dos funcionários públicos

Também vai se falar muitíssimo, na verdade já está se falando, que Bolsonaro não pode ser eleito porque vai usar os “recursos do governo” para ganhar votos; assim não vale. De novo, é complicado
Todos os 27 governadores estaduais e todos os 6.000 prefeitos brasileiros têm o direito de inaugurar obras todos os dias todos, menos um. Bolsonaro não pode.  
E qual a sugestão que fazem para as obras que estejam prontas? 
Não podem ser entregues à população que pagou por elas? 
O presidente é acusado de se beneficiar do programa de auxílio financeiro durante a covid e do novo sistema de renda mínima; o negacionismo de sua candidatura diz que isso é demagogia eleitoral. 
O que ele deveria ter feito, então? Não dar nada a ninguém?  
Se dando ele já é genocida, seria o que se não desse? 
Todos os governos do mundo, pelo menos os que têm um mínimo de organização, deram dinheiro para a população na pandemia; todos podem, mas ele não. 
 
É o mesmo com a modesta redução de impostos para dar um pouco de gás à economia, ou o aumento salarial para os professores do sistema federal de educação básica — também não pode, porque caracteriza “compra de popularidade”. É impossível, na verdade, evitar esse tipo de acusação; o governo precisa continuar governando, e se tudo que fizer é demagogia para tirar proveito eleitoral, então não dá para fazer nada. Daqui a pouco vão dizer que pagar o funcionalismo em dia é beneficiar-se de dinheiro do Erário para ganhar os votos dos funcionários públicos. Qual seria a saída?
É claro que também vai se falar que a reeleição não será “legítima” porque Bolsonaro não vai conseguir a maioria dos votos da população total do Brasil; para valer, mesmo, ele teria de ter pelo menos 110.000.001 votos, se forem considerados os 220 milhões de habitantes que o país deve ter hoje. 
Ninguém pode ter isso tudo, é óbvio, mesmo porque nem haverá 110 milhões de votantes, já que uma parte da população não está habilitada a votar e milhões de eleitores vão se abster, ou votar em branco, ou anular o voto. Em lugar nenhum do mundo, por sinal, é possível ter a maioria absoluta de tudoaté porque em nenhuma democracia séria existe a aberração subdesenvolvida do “voto obrigatório”, ou da obrigação de se exercer um direito. É claro, mais uma vez, que essa exigência não vale para nenhum outro candidato — só para ele.

Bolsonaro produziu um fenômeno esquisito neste país o fanatismo liberal. Parece que vai ficar cada vez pior.

Leia também “Bolsonaro desapareceu — e daí?”

J. R. Guzzo, colunista - Revista Oeste