Análise Política
A aguda demanda global por vacinas anti-Covid-19 é uma bela oportunidade para o exercício do soft power.
Mas mesmo isso tem um limite: a óbvia premência de os países produtores
atenderem em primeiro lugar suas próprias populações. Ter amigos mundo
afora é sempre bom, essencial até, mas quem coloca ou derruba os
governos são em última instância seus próprios povos.
Porém a oportunidade de soft power
é real, e vem sendo mais bem aproveitada por três jogadores: Índia,
Rússia e China. E o motor fundamental nessa disputa em escala mundial é a
capacidade de fornecer vacinas na quantidade e velocidade desejadas,
diante das circunstâncias. A partir daí, talvez seja precipitado achar
que esses países vão sonegar o imunizante para fazer política (leia).
Mais provável é os três concorrerem entre si para ver quem faz mais amigos mundo afora com a vacina. E
a janela de oportunidade está aberta também pela situação do presidente
americano hoje empossado, Joe Biden. O principal desafio dele no curto
prazo é vacinar em massa nos Estados Unidos, país mais afetado em
números absolutos pelo SARS-Cov-2. Não é demais suspeitar que ele vai
gastar pelo menos uns 20 a 25% deste mandato quebrando a cabeça em torno
do assunto.
E segurando o que puder de vacinas para aplicar lá mesmo.
O mar, os rochedos e o marisco Segundo a
Reuters, a
Índia começa amanhã exportar a vacina AstraZeneca/Oxford para países que contrataram o imunizante. Começando por
Brasil e Marrocos. Na sequência,
África do Sul e Arábia Saudita. É a boa notícia do dia
(leia).Todo
esse episódio das vacinas para a Covid-19 deveria levantar um debate.
Já faz algum tempo, os países depositam a segurança do abastecimento
farmacêutico na conta da neutralidade da divisão técnica internacional
do trabalho. Faz sentido economicamente. O problema é que a
geopolítica não segue estritos critérios econômicos, ainda mais em
tempos de fricção crescente entre as potências pela hegemonia
planetária. Por isso, recordando o antigo adágio, vem o risco de na
briga entre o mar e os rochedos quem acabar se dando mal é o marisco.
[outro que vai se dar mal - aliás, fracassar é seu destino - é o Joãozinho, o Doria.
Sem que o presidente Bolsonaro necessite mover uma palha que seja - aliás, o presidente é acusado pelos seus inimigos de ser omisso; se houve alguma omissão foi por imposição, não por desejo do presidente.
O Doria via ficar desmoralizado e conhecido como o homem que prometeu vacinar e não cumpriu o prometido.
Nada temos contra as vacinas - reafirmamos que muitos dos nossos passaram de século e milênio, saudáveis, pela dádiva Divina das vacinas que recebemos há algumas dezenas de anos.
Porém, todos reconhecem que a vacina do governador paulista é um pouco enrolada. Não duvidamos de sua segurança e eficácia, mas a maioria há de concordar que é melhor em 100 vacinados 78 ganharem imunidade do que em 100 apenas 50 ficarem imunes.
Um outro complicador é que a vacina da Fiocruz depende do IFA que está na China, mas na fábrica da AstraZeneca/Oxford, que tem o compromisso com o Brasil de enviar o IFA ou a vacina pronta.
Já o IFA da vacina chinesa/Butantan está na China, só que em uma fábrica chinesa.
Foi brilhante o ilustre articulista quando lembra:
"Mais provável é os três concorrerem entre si para ver quem faz mais amigos mundo afora com a vacina."]
Não
dá para cada país produzir tudo do que precisa, é lógico. Mas tampouco é
razoável que países da dimensão do nosso sejam tão dependentes de
importar coisas tão estratégicas. Infelizmente, é mais uma consequência
de quase quatro décadas de desindustrialização. Ou, pelo menos, de falta de atenção à industrialização.
Alon Feuerwerker, jornalista e analista político