Opinião
Seria equívoco achar que cuidados e protocolos podem ser flexibilizados por 'termos vacina'. Não é hora de relaxar. Ainda é longo o caminho para vencer a pandemia. Depois
de longos e ansiosos meses de espera, o País está próximo do início do processo
de vacinação contra a covid-19. Na sexta-feira passada, o Instituto Butantan e
a Fiocruz pediram à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)
autorização para o uso emergencial de suas vacinas, a Coronavac e a
AstraZeneca/Oxford.
[Somos favoráveis à vacinação - muitos dos nossos gozam de saúde perfeita, e devem em grande parte às vacinas que receberam ainda no século passado.
Mas, imperioso lembrar que a vacina, ou vacinas, contra a covid-19, estão em uma situação especial e apresentam particularidades que não podem ser esquecidas.
Alguns exemplos:
- prazo de imunização: não se sabe se a imunização é por seis meses, um ano, permanente, etc - há o risco de quando alguns milhões forem imunizados, se constatar que os primeiros milhões imunizados perderam a proteção, o que tornará necessário que sejam revacinados;
- efeitos colaterais: o tempo de uso e testes do fármaco é muito breve para garantir que não ocorrerão efeitos colaterais.
E, tem outros.]
No
ofício à Anvisa, a Fiocruz solicitou autorização para importar 2 milhões de
doses da vacina, bem como para produzir aqui 100 milhões de doses no primeiro
semestre e mais 110 milhões no segundo semestre. No caso da Coronavac, há
previsão de que ela seja utilizada para imunizar toda a população do Estado de
São Paulo, segundo o Plano Estadual de Imunização. Além disso, estão em curso
negociações para sua utilização em todo o País.[não há muito o que negociar, tendo em conta que o Plano Nacional de Vacinação - aplicado em TODO o Brasil, beneficiando TODOS os brasileiros - tem prioridade sobre qualquer plano estadual.]
As
notícias sobre as vacinas são excelentes. Desde o ano passado, a covid-19 já
matou mais de 1,9 milhão de pessoas e provocou enormes estragos sociais e
econômicos no mundo inteiro. No Brasil, já são mais de 200 mil mortes. Os
pedidos de autorização à Anvisa são, portanto, motivo de grande esperança. É
especialmente alvissareiro, por exemplo, saber que os brasileiros poderão,
muito em breve, ser imunizados com uma vacina com 78% de eficácia contra casos
leves de covid-19 e 100% de eficácia na prevenção de casos graves, moderados ou
que precisam de internação hospitalar. Essas são as taxas de eficácia da
Coronavac, desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac em parceria com o
Instituto Butantan.
No
entanto, é preciso cuidado para que a boa notícia – na verdade, a espetacular
notícia – a respeito das vacinas não se transforme em uma ilusão. As vacinas
não são fórmulas mágicas que fazem sumir a pandemia de covid-19. Elas não
extinguem, por exemplo, a necessidade de respeitar os protocolos sanitários,
tantas vezes repetidos pelas autoridades nos últimos meses.
Vacinas
são instrumentos para imunizar a população. Seu principal – e tão esperado –
efeito não é uma espécie de passe livre para quem foi vacinado, autorizando um
retorno imediato à “vida normal”. Seu resultado mais relevante, capaz de
afastar os principais riscos advindos da covid-19, virá apenas depois da vacinação
de parte expressiva da população. Vacina-se
com uma seringa e agulha. Mas a vacinação de uma população não é um ato, e sim
um longo processo, que deve durar vários meses. É preciso, portanto, cuidado
para não confundir início da vacinação com automática imunização.
Ter
vacinas aprovadas pela Anvisa é um passo importante no enfrentamento da
covid-19, mas está longe de ser suficiente. Basta pensar em tantas doenças para
as quais há vacinas e mesmo assim continuam ceifando vidas e causando
sofrimento e limitações a muitas pessoas. Na
batalha para vencer a pandemia, não basta dispor de alta tecnologia biomédica.
É preciso empenho da sociedade e do poder público, nas três esferas. Medida
essencial, por exemplo, é assegurar que informações claras e precisas cheguem a
toda a população.
As
famílias precisam estar bem orientadas a respeito da função e dos limites da
vacina no combate à covid-19. O distanciamento social, as medidas de higiene e
o uso de máscara continuam sendo necessários – vitais, mesmo. “Uma
vacina tem papéis diferentes em situações normais e em situações pandêmicas
como essa”, disse Dimas Covas, diretor do Instituto Butantan. “Temos de lembrar
que estamos perdendo pessoas. Uma vacina nesse momento vem para diminuir a
carga da doença, para impedir que as pessoas uma vez infectadas desenvolvam a
forma grave da doença.”
Os
pedidos de autorização das vacinas à Anvisa são uma excelente notícia
precisamente porque a batalha contra a covid-19 é árdua. O início da vacinação
é motivo de profunda esperança, mas deve ser também ocasião para relembrar a
gravidade da pandemia. Vidas humanas continuam em perigo – e o cuidado de cada
um continua sendo decisivo. Seria
um equívoco achar que os cuidados e protocolos podem ser flexibilizados porque
“temos vacina”. Não é hora de relaxar. Ainda é longo o caminho para que a
pandemia seja vencida.
Opinião - O Estado de S. Paulo