A condução coercitiva do ex-presidente Lula, para depor sobre sua
participação no Petrolão, é a prova definitiva de que o edifício
institucional e democrático do Brasil resistirá a essa gigantesca onda
de fisiologismo, corrupção e imoralidade que tomou o Congresso, o
Executivo e parte substancial do empresariado desde que o PT chegou ao
poder. As autoridades do Judiciário não se deixaram intimidar pela
salivação da matilha lulopetista, que passou os últimos meses a desafiar
o juiz Sérgio Moro, a Polícia Federal e os procuradores da Lava Jato a
cometerem a ousadia de tocar em seu dono, elevado à categoria de santo.
As evidências contra Lula são tantas e suas explicações, tão
ofensivas à inteligência alheia, que os agentes da lei estariam
prevaricando se não tivessem tomado nenhuma providência contra o chefão
petista. Pode-se dizer até que demorou demais, pois já está claro, desde
os tempos do mensalão, que Lula não apenas sempre soube da corrupção
que devastou a administração pública sob os governos do PT, como a
corrupção em si mesma acabou por se tornar um método, cujo mentor não
pode ser outro senão o ex-líder sindical que ascendeu usando a máscara
de herói da ética na política.
Essa máscara finalmente lhe foi arrancada. Conduzido a depor sob
escolta policial, Lula teve de prestar contas de seu enriquecimento em
meio a suspeitas cada vez mais fortes de que se aproveitou pessoalmente
do esquema que assaltou a Petrobras. Durante quase quatro horas, ele
teve de responder a questões envolvendo os favores que recebeu de seus
grandes amigos empreiteiros, todos mergulhados até o pescoço na Lava
Jato.
Qualquer cidadão sobre quem pairassem suspeitas desse tipo teria sido
igualmente obrigado a dar esclarecimentos à polícia. Assim funciona o
Estado de Direito, no qual ninguém está acima da lei. Mas Lula, para o
PT, não é “qualquer cidadão”. É o “maior líder popular da história do
Brasil”, como seus cupinchas dizem e repetem há anos, desses que, vez ou
outra, podem transgredir a lei. Ora, é a lei que nos torna iguais. Mas,
para os petistas, Lula se tornou “preso político”, e forçá-lo a depor
caracteriza um “golpe”, contra o qual só é possível responder por meio
da truculência. “Agora, é rua e guerra”, anunciou o líder do governo na
Câmara, José Guimarães (PT-CE) [conhecido no submundo do crime e no mundo de transporte de valores pelo vulgo 'capitão cueca'] – aquele que não gosta que se fale de
transporte de valores em sua presença. Foi esse o tom adotado pelo PT.
Lula reiterou, de maneira irresponsável e truculenta, o seu
desrespeito habitual à democracia e às instituições, às quais
praticamente declarou guerra, convocando a militância lulopetista para
defendê-lo nas ruas. Mas o seu julgamento pelas ruas virá depois.
Primeiro, terá de se haver com as leis do país e com quem as faz valer. E
aí a conversa não admite valentia de botequim.
Diante do chamamento à desordem e à indisciplina cívica feito por
Lula, das autoridades judiciais e dos líderes políticos exige-se
energia, mas também serenidade e responsabilidade para isolar aqueles
que não têm nenhum compromisso com o diálogo e com o respeito às
instituições. É a estabilidade do Brasil que está em jogo. Essa grave crise, na qual as fantasias criadas em torno do grande
projeto revolucionário petista e de seu líder messiânico se desfazem de
forma dramática, leva à reflexão de como o país chegou a esse ponto.
Deve-se perguntar como o Brasil se deixou seduzir por esses
prestidigitadores que, em quatro eleições presidenciais desde 2002,
convenceram os eleitores de que bastava o desejo de Lula para que se
fizesse a justiça social e o país se transformasse, por milagre, num
paraíso de riqueza e felicidade.
Lula et caterva chegaram ao poder porque alguém os colocou lá. O
monumental desastre do lulopetismo é um pesadelo que o Brasil escolheu
ter, nas urnas, mesmo diante das evidências de corrupção e de
incompetência.
Na hora de decidir os rumos da política, os brasileiros precisam
considerar que impulsos e entusiasmos momentâneos frequentemente se
transformam em ônus insuportáveis, pouco tempo depois. Cada escolha deve
ser, portanto, medida e pesada responsavelmente. Do contrário, o País
estará condenado à ruína crônica e à irrelevância, como uma república
bananeira que, embora riquíssima, definha e se deixa devorar pelos
corruptos e pelos ineptos. Lula é o exemplo vivo – muito vivo – dos
males que podem advir a uma nação despreocupada.
Fonte: Editorial - O Estado de São Paulo