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terça-feira, 21 de abril de 2020

Os novos sócios de Bolsonaro - O Globo

José Casado

Ele atravessou os últimos 15 dias em acertos com líderes do Centrão

O negro gato desfilou diante das lentes do fotógrafo Orlando Brito e buscou abrigo do sol de domingo embaixo do automóvel presidencial, estacionado numa quadra da Asa Norte, em Brasília. No apartamento em frente, Jair Bolsonaro e filhos degustavam milho com ketchup, ao lado de uma metralhadora na parede.

O negro gato fugiu antes de o presidente subir no carro preto e seguir para o QG do Exército. Ativistas o aguardavam, como vivandeiras mascaradas, temerosas da morte pelo vírus, invisível e democrático na contaminação. Apelavam para uma ditadura liderada, claro, por Bolsonaro. Na cena havia algo fora da ordem institucional. O comandante em chefe das Forças Armadas usava a portaria do QG do Exército para um comício planejado, com coro contra o “bando de ladrões no STF, Senado e Câmara”. Presidia um ato de potencial desqualificação do poder militar, inédito também porque jamais se permitiu comício no portão do Forte Apache, como é conhecido o Setor Militar de Brasília. [atualizando:
Forte Apache é a denominação oficiosa de um conjunto de vários Blocos que sedia o Quartel General do Exército, situado no Setor Militar Urbano, em Brasília.] Bolsonaro sorria e, frequentemente, tossia.


Foi para casa, vestiu camiseta amarela, bermuda e chinelos pretos e sentou-se para assistir a críticas de Roberto Jefferson, seu antigo líder no PTB, ao deputado Rodrigo Maia (DEM). Outro jogo combinado. 
Bolsonaro quer eleger o sucessor de Maia na Câmara. Sonha com novos sócios no bloco de centro direita, o Centrão, para dominar a pauta legislativa na campanha eleitoral em crise econômica, marcada pelo número de vítimas da “gripezinha”.

Em público diz que não pretende “negociar nada. Mas atravessou os últimos 15 dias em acertos com líderes do Centrão, entre eles Roberto Jefferson (PTB), Valdemar Costa Neto (Progressistas, antigo PP), Gilberto Kassab (PSD) e Marcos Pereira (Republicano/Igreja Universal). Alguns são personagens do mensalão e da corrupção na Petrobras. Todos, como Bolsonaro, tentam garantir a sobrevivência política na crise pós-coronavírus, se possível culpando outros pela imprevidência — o número de mortos já é o dobro da semana passada.

José Casado, jornalista - O Globo


sábado, 17 de agosto de 2019

Pessoas e pragas - J R Guzzo

Veja - Fatos

Se estivessem pondo "veneno" na comida, você iria ver gente caindo morta na sua frente em cada esquina, todo dia. Em vez disso, a população só aumenta


Publicado na edição impressa de VEJA
Todo mundo sabe o que é um tomate. Ou melhor, falando uma linguagem mais científica: grande parte dos 7 bilhões de habitantes do planeta, talvez a maioria, sabe o que é um tomate. O que bem menos gente sabe é que o tomate é também um dos vegetais que mais recebem defensivos químicos em toda a agricultura mundial — ou “agrotóxicos”, como diz o universo ecológico brasileiro. Não muitos, enfim, sabem que os melhores tomates do mundo são cultivados na área do vulcão Vesúvio, vizinha a Nápoles, na Itália (pelo menos na opinião praticamente unânime dos italianos). O tomate dali é maravilhoso, mas não é mágico. Recebe toneladas de defensivos agrícolas todos os anos, sem falar de fertilizantes, produtos para aumentar o rendimento das culturas e intervenções genéticas de última geração. Os napolitanos não fazem isso porque gostam de gastar dinheiro com “agrotóxicos”, mas porque, se não o fizerem, seus tomates morrerão. E aí: o que seria da pizza? E do molho al sugo? E do ketchup?

O problema não seria só com a pizza de Nápoles e do resto da Itália. Sem tomate iria acabar, do mesmíssimo jeito, a pizza da Mooca, de São José dos Ausentes e da Groenlândia, porque ninguém ainda descobriu como seria possível cultivar tomates, em volume que faça algum sentido, com a ação natural das abelhas, trato de algas marinhas e outras lendas presentes no aparelho mental da população naturalista, orgânica, vegana, e por aí afora. Você decide, então: ou existe tomate do jeito que ele é na vida real, ou não existe tomate. A lógica comum diria que é melhor deixar os tomates quietos, como eles estão — mesmo porque, ao que se sabe, pouquíssima gente morre neste mundo por comer a macarronada da mamma. Mas vá você dizer isso a um combatente a favor da alimentação natural e contra “o veneno na minha comida”. Será acusado de ser um “defensor do agronegócio”, da “indústria química”, da “ganância”, do “lucro” e daí para baixo. Mais: vai ser carimbado como retrógrado, fascista e inimigo da saúde humana em geral.

Não se trata de uma questão só de tomates. O trigo e a soja, o arroz e o feijão, o milho e a batata, e todos os alimentos produzidos em massa na face da Terra têm de receber hoje montanhas de produtos químicos para sobreviver — ou é assim ou desaparecem. O problemão, nesse caso, é como alimentar na prática os 7 bilhões de cidadãos citados acima. Não apareceu até agora uma única resposta coerente para isso. O que existe mesmo, no mundo das realidades, é a seguinte opção: ou você alimenta as pessoas ou alimenta as pragas. Pior ainda, quem vai levar na cabeça são os mais pobres, pois a maioria da população global é constituída de pobres — e, por eles serem muitos, criam o incômodo de consumir mais comida que todas as classes médias, altas ou altíssimas do mundo somadas. São eles os que vão comer menos — até porque não têm dinheiro para comprar sua janta nas lojas “biô”, orgânicas ou naturalistas do Leblon.

Nunca houve tanto agronegócio no mundo. Nunca se consumiram tanta carne, frango e outras proteínas básicas. Nunca houve tanto alimento para o homem — e nunca se produziu e vendeu tanto produto artificial para o campo. Ao mesmo tempo, jamais a população do planeta foi tão grande como hoje. Nem tão bem alimentada, até por questões legais — uma Volkswagen, por exemplo, é obrigada por lei a oferecer pelo menos dois tipos de proteína em seus refeitórios, no almoço e no jantar, todos os dias. Só consegue cumprir a lei se acha frango e boi em quantidade suficiente — e para isso frangos e bois têm de engordar cada vez mais depressa, o que é impossível sem hormônios, rações com componentes químicos, vacinas. Milhares de outras empresas brasileiras precisam, por lei, fazer exatamente a mesma coisa — ou os fiscais vão lhes socar em cima uma quantidade de multas capaz de levar até o Google à falência.

Como fica, então? Se estivessem pondo “veneno” na comida, você iria ver gente caindo morta na sua frente em cada esquina, todo dia. Em vez disso, a população só aumenta. É óbvio que o uso da química, biogenética e outras tecnologias na agricultura é uma questão de doses certas, produtos de qualidade, mais segurança quanto aos seus danos potenciais à saúde, mais competência no manejo. Mas nunca, também, houve progressos tão espetaculares na melhoria científica dos adubos, pesticidas, transgênicos e tudo o mais que se põe nas lavouras. São os fatos. A alternativa é voltar à Idade da Pedra, quando a alimentação era 100% natural — e o sujeito precisava ter uma sorte do cão para chegar vivo aos 30 anos de idade.

J R Guzzo - Blog Fatos - Veja