José Casado
O negro gato desfilou diante das lentes do fotógrafo Orlando Brito e
buscou abrigo do sol de domingo embaixo do automóvel presidencial,
estacionado numa quadra da Asa Norte, em Brasília. No apartamento em
frente, Jair Bolsonaro e filhos degustavam milho com ketchup, ao lado de
uma metralhadora na parede.
O negro gato fugiu antes de o presidente subir no carro preto e seguir
para o QG do Exército. Ativistas o aguardavam, como vivandeiras
mascaradas, temerosas da morte pelo vírus, invisível e democrático na
contaminação. Apelavam para uma ditadura liderada, claro, por Bolsonaro. Na cena havia algo fora da ordem institucional. O comandante em chefe
das Forças Armadas usava a portaria do QG do Exército para um comício
planejado, com coro contra o “bando de ladrões no STF, Senado e Câmara”.
Presidia um ato de potencial desqualificação do poder militar, inédito
também porque jamais se permitiu comício no portão do Forte Apache, como
é conhecido o Setor Militar de Brasília. [atualizando:
Forte Apache é a denominação oficiosa de um conjunto de vários Blocos que sedia o Quartel General do Exército, situado no Setor Militar Urbano, em Brasília.] Bolsonaro sorria e,
frequentemente, tossia.
Foi para casa, vestiu camiseta amarela, bermuda e chinelos pretos e
sentou-se para assistir a críticas de Roberto Jefferson, seu antigo
líder no PTB, ao deputado Rodrigo Maia (DEM). Outro jogo combinado.
Bolsonaro quer eleger o sucessor de Maia na Câmara. Sonha com novos
sócios no bloco de centro direita, o Centrão, para dominar a pauta
legislativa na campanha eleitoral em crise econômica, marcada pelo
número de vítimas da “gripezinha”.
Em público diz que não pretende “negociar nada. Mas atravessou os
últimos 15 dias em acertos com líderes do Centrão, entre eles Roberto
Jefferson (PTB), Valdemar Costa Neto (Progressistas, antigo PP),
Gilberto Kassab (PSD) e Marcos Pereira (Republicano/Igreja Universal).
Alguns são personagens do mensalão e da corrupção na Petrobras. Todos,
como Bolsonaro, tentam garantir a sobrevivência política na crise
pós-coronavírus, se possível culpando outros pela imprevidência — o
número de mortos já é o dobro da semana passada.
José Casado, jornalista - O Globo
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