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quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

Bolsonaro não pode falar “lepra”; querem censurar até o Evangelho

Decisão judicial

Juiz Fabio Tenenblat, da 3ª Vara Federal do Rio de Janeiro, proibiu Bolsonaro de usar o termo lepra em ação movida por associação de portadores de hanseníase - Foto: Alan Santos/PR 

Será que o juiz que ameaçou tirar a guarda dos filhos de pais que não vacinarem as crianças pensou que, com isso, ele vai aplicar a mais grave punição que uma criança pode receber, que é ser retirada dos pais, assim, de repente? Eu não estou falando da criança que é espancada todos os dias e quer se ver livre dos pais. Estou falando da criança que está bem em casa e, de repente, é retirado do convívio dos pais por ordem da Justiça.

Agora, se o juiz obriga que a criança seja vacinada e se, para má sorte do juiz, der uma reação adversa na criança, ele está livrando os pais dessa responsabilidade. Claro que os pais vão sentir, mas o juiz vai ter que assumir a responsabilidade pela vacinação. Será que ele já pensou nisso?

Estou dizendo isso porque tem tanta coisa rolando por aí. Estava vendo os dados do dia 17 de janeiro do hospital da Unimed em Fortaleza, passados pelo próprio presidente da Unimed, dr. Elias Leite. Tem 53 adultos internados lá; desses, 19 tomaram as três doses da vacina; 23 tomaram duas; três tomaram uma; e oito não tomou nenhuma. Na UTI tem 11, sendo que seis tomaram duas doses e quatro tomaram três doses. E sobrou um que não tomou nada. E no Rio Grande do Sul já teve duas mortes de gente que tomou as três doses da vacina.

Aliança a qualquer custo de Lula e Alckmin causa desgaste político

Presidente censurado
Um juiz proibiu o presidente Jair Bolsonaro de pronunciar a palavra "lepra". Isso porque lá em Santa Catarina, no mês passado, num discurso citando o Evangelho de Mateus, Marcos e Lucas, Bolsonaro disse que no tempo de Cristo havia lepra e que ela existe até hoje, e nem por isso o mundo acabou. E que hoje tem o coronavírus e que vai existir daqui para frente e o mundo não acabará.

Uma associação de reintegração dos atingidos pela hanseníase moveu contra a União uma ação, o que é muito justo, para que não se aplique rótulos que podem ser desabonadores ou preconceituosos aos portadores dessa doença e pediu multa diária de R$ 50 mil. O juiz não deu a multa porque a lei que ele citou nem fala em multa.

Só que a lei em que o juiz se baseia, de 1995, bane o termo "lepra" e seus derivados nos documentos oficiais e não na boca das pessoas. Tanto que diz os papéis que não observem a terminologia estabelecida serão imediatamente arquivados e não tem punição nenhuma. Mas o juiz avisa que ninguém na União pode pronunciar o termo "lepra". Então eu fico pensando: um capelão militar, por exemplo, que esteja lendo o Evangelho, vai ter que dizer as palavras "lepra" e "leproso".

 É muito justo que não se pregue estigma em ninguém, mas também o juiz não pode e nem a lei exige que se altere ou censure até o Evngelho. É uma maluquice. É o caso do juiz que é o sapateiro que foi além da sandália.

Asteroide passa perto da Terra
Eu queria terminar falando sobre uma outra ameaça que está muito em voga por causa do filme "Não olhe para cima". Vocês sabem que nesta terça-feira (18) passou um asteroide perto da Terra, o que chegou mais perto em 200 anos. Só que perto, no caso, segundo a Nasa, foram 2 milhões de quilômetros de distância.

Foi um asteroide até não muito grande: tinha um quilômetro de largura. O último que passou em 2017 chegou a ter 84 quilômetros. Ele passou a uma velocidade de 76 mil quilômetros por hora Só para a gente recordar o filme.

Alexandre Garcia, colunista - Gazeta do Povo - VOZES


sábado, 3 de outubro de 2020

O Judiciário contra o bolso do cidadão

J.R.Guzzo, O Estado de S. Paulo

Sua descoberta mais recente é um pé de cabra legal chamado ‘imprescribilidade’

É fato do conhecimento comum que o sistema judiciário em geral, e o STF e os tribunais superiores de Brasília em particular, se transformaram nas piores ameaças à segurança jurídica no Brasil; criaram um país em que as leis valem ou não valem unicamente de acordo com a vontade dos magistrados. 
Quando acham que a lei se aplica, ela é aplicada; quando acham que não se aplica, ela não existe. Uma terceira possibilidade, talvez a mais comum, são as leis que os próprios julgadores inventam não escrevem o texto, é claro, mas interpretam como lhes dá na telha o que está escrito. [é a invenção brasileira da interpretação virtual criativa]Na prática, é como se fossem a Câmara de Deputados e o Senado Federal ao mesmo tempo, e durante o tempo todo.

Menos comentada é a ação permanente da justiça contra o erário público e o bolso do cidadão privado. Sua descoberta mais recente para permitir – permitir não, incentivar – o ataque aos cofres do Estado e à conta bancária das pessoas é um pé-de-cabra legal chamado “imprescritibilidade”. Por meio desta trapaça de oito sílabas, difícil de pronunciar e fácil de entender, nada do que aconteceu no passado, por mais passado que seja, pode ficar fora da apreciação dos juízes que estão aí hoje – e, naturalmente, fora do alcance dos advogados e dos seus honorários.

Tempos atrás, no primeiro semestre deste ano, o STF decidiu (sem lei nenhuma que autorizasse o que fez, e apenas por decisão no “plenário virtual”) que os “danos ambientais” não prescrevem nunca. Tudo o que pode ter acontecido “contra o ambiente” desde Tomé de Souza até hoje, e o que acontecer de hoje até o Dia do Juízo Final, continua em aberto para a justiça – não “prescreve” nunca. Não tem nada a ver com proteção do ambiente, é óbvio; tem tudo a ver, isso sim, com pagamento de multa, em moeda corrente. Funciona mais ou menos assim: um fiscal vai ao dono de uma propriedade rural qualquer e lhe apresenta uma multa aplicada 50 anos atrás porque o antigo proprietário, que já morreu, cortou um pé de goiaba. A multa era de 1 real, mas hoje, trazida a “valor corrente”, é de 1 milhão; ou o infeliz paga logo, ou vai ficar ainda mais caro. O STF acha que é assim mesmo que deve ser. (Naturalmente, há advogados muito bons para tratar desses problemas, por 20% do valor da causa; o próprio fiscal, aliás, poderia indicar os melhores nomes.)

Inventou-se, também, que não podem prescrever nunca as responsabilidades do “Estado” em relação a cidadãos que sofriam de lepra entre 1920 e os anos 70 do século passado (isso mesmo, 1920), e que durante esse período foram internados compulsoriamente em hospitais públicos (era o “distanciamento social” aplicado pelos gestores da época), para não infectarem outras pessoas. Advogados com espírito empreendedor têm entrado com ações na justiça cobrando indenizações por “dano moral” para os descendentes desses internados; quem vai pagar é você, e não o “governo”. O filho de um homem nessas condições, que se suicidou 64 anos atrás, em 1956, é um dos que está pedindo para ser indenizado, com base na “imprescritibilidade”.

É o majestoso espetáculo do Poder Judiciário brasileiro defendendo a sociedade e a democracia.

J.R. Guzzo, jornalista - O Estado de S. Paulo