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quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

Um bote sem âncoras sob o leme do capitão - Valor Econômico

Maria Cristina Fernandes

Eleito como um presidente tutelado, Bolsonaro jogou ao mar, um a um, aqueles que se julgavam âncoras de seu governo

Quando o presidente Jair Bolsonaro tomou posse, porta-vozes das instituições que, em maior ou menor grau, haviam colaborado para sua ascensão, apresentaram-se como âncoras de seu mandato. Contrapunham-se ao desbocado poder presidencial para segurar, moderar e moldar o governo, condição que reduziria o titular ao papel de tutelado.

O capitão deixou correr a impressão de que se deixaria tutelar para depois desfazê-la. Começou pelos militares. Antes mesmo da posse, recebeu diploma militar que lhe havia sido negado por insubordinação. Povoou o primeiro escalão de quatro estrelas e, ao longo do ano, demitiu-os ou podou seus poderes, a começar por aqueles de seu vice. [atualizando:
- os dois pilares constitucionais,  prístinos e presentes em todos os governos, que balizam as INSTITUIÇÕES MILITARES são HIERARQUIA e DISCIPLINA, aos quais se obrigam de forma exemplar as Forças Armadas do Brasil;
 - os quatro estrelas nomeados pelo presidente Bolsonaro, certamente estavam cientes de que continuavam alcançados por aqueles principios e ao bom militar cumprir ordens não é desdouro.]
Enviou ao Congresso o projeto de reforma da carreira, maior ambição da farda, mas largou-os na tramitação e prestigiou as patentes menos aquinhoadas pelo texto. [fica óbvio que ocorreu na manobra uma esperteza política do presidente Bolsonaro.]

Inalterados os ventos, Bolsonaro se manterá acima da linha d’água
Muitos oficiais da reserva permanecem nos cargos depois de destratados pelos filhos do presidente porque têm no complemento de soldo seu horizonte de mais longo prazo. O primeiro ano de governo não confirmou a tese de que a volta dos militares é o “novo normal” da política. As redes sociais do ex-comandante do Exército perderam eficácia e o sucessor impôs o silêncio na ordem do dia. Hoje os militares nem são próximos o suficiente para dar os rumos do governo nem distantes o bastante para dele se desvencilhar.

As pretensões do Supremo Tribunal Federal de servir de poder moderador do presidente acidental foram igualmente frustradas. [as indecisões,os abusos baseados em uma condição, inexistete, de supremo ministro, descredenciam o Supremo de ser 'Poder Moderador' e impõe a necessida de de  um Poder Moderador acima do Supremo.] A Corte acentuou suas divisões e a discricionaridade de suas decisões. Com velhos credores batendo à porta e o Ministério Público do Rio no encalço - desde a acomodação de arranjos familiares em gabinetes parlamentares ao imbróglio do assassinato da vereadora Marielle Franco -, Bolsonaro precisa manter o STF ao alcance da mão. Ao se prestar ao papel de conselheiro jurídico da algibeira palaciana, o presidente da Corte tenta estender ao Executivo a condição de posto Ipiranga dos políticos com contas a prestar.

Regido pelo tempo da política e não do direito, o Supremo falha em repetir com Bolsonaro o papel de algoz desempenhado em governos anteriores com grande bilheteria. Isso se deu, em grande parte, porque o presidente cooptou o comandante do espetáculo e seu mais dileto cabo eleitoral. Desenganado da ilusão de que continuaria a envergar a fantasia de xerife da República, o ministro Sergio Moro amargou sucessivas derrotas até ser enquadrado no papel ao qual é recomendável se acomodar, o de lugar-tenente do bolsonarismo.

No trio de âncoras das quais o capitão quer se livrar, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, é a única a ser jogada ao mar por decurso de prazo. Neste ano que lhe falta, dificilmente será capaz de reverter os obstáculos que se levantam contra um quarto mandato, a começar pela Constituição.  
Sua condição de avalista de todos os acordos da República, do salão verde da Câmara à Av. Faria Lima, centro financeiro de São Paulo, selou também a finitude de seu mandato. Enquanto Maia estiver no cargo, Bolsonaro não se livrará da condição de governante desaforado e sem filtro. O papel já mostrou ser sucesso de público mas embute uma tutela que o incapacita para a costura da reeleição.

Ao longo do ano, o presidente aprendeu a receita para lidar com o Congresso. Saiu do Executivo a proposta que faz dos parlamentares os novos barões do Orçamento. É generoso também com a maior e mais poderosa bancada parlamentar, a do agronegócio. Pôs a maior liderança da turma no Ministério da Agricultura e, com ela, dá celeridade ímpar a pauta ambiciosa, do perdão das dívidas do Funrural ao fim da moratória da soja passando pela regularização de grileiros. [tornou-se voz corrente chamar de 'grileiros' àqueles que querem apenas e tão somente produzir - ato que os supostamente 'grilados' não sabem nem gostam de fazer.]

Com a sucessão de projetos enviados ao Congresso, o presidente mostrou ainda o inarredável compromisso com o qual se fez depositário do apoio da massa de investidores - da redução do custo do trabalho na economia à diminuição da capacidade regulatória do Estado. Faz valer a percepção liberal de que os contratos são regidos pela igualdade entre as partes nas reformas previstas para planos de saúde, seguradoras e financiamentos em geral. O ministro da Economia não é uma âncora a mais. É sócio da jornada bolsonarista. Seu credo liberal tem mostrado capacidade de adaptação às intempéries, como mostrou no tabelamento dos juros do cheque especial e do diesel. Terá que renovar sua flexibilidade para prosseguir. O ano chega ao fim com a bolsa de valores em recordes sucessivos e a promessa de um Natal redentor. 
Paulo Guedes, porém, tem mais um ano para reproduzir a mesma bonança nos indicadores de emprego.

As rebeliões do continente acenderam um sinal de alerta. A legislatura que se inicia em 2021 se guiará pelos resultados eleitorais nos municípios e pelas perspectivas da sucessão presidencial. A sociedade entre o liberal e o ‘homem comum’ que está no poder terá de prover, ao conjunto do eleitorado, a percepção de que sua vida melhorou. Bolsonaro foi o primeiro presidente a se eleger sem ter sido vitorioso no segmento que ganha até dois salários mínimos. Não será reconduzido, porém, sem conquistá-lo. Implantou o 13º para o Bolsa Família, liberou o FGTS e repaginou o “Mais Médicos” por um lado, mas, por outro, não deu reajuste real ao salário mínimo, ainda patina no relançamento do “Minha Casa Minha Vida” e trata como rico, vide ofensiva contra o abono, quem ganha entre um e dois salários mínimos.

É pela conquista dos mais pobres que Bolsonaro pode anular as pretensões do petismo. A soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não comprovou a decantada ameaça. De um lado, porque o presidente da República é hoje o titular de muitas das esperanças que um dia deram alento ao lulismo. De outro, porque o capitão maneja com habilidade os ventos que o elegeram e que ainda empurram seu bote: o medo que se impõe na zona cinzenta entre o tráfico e a polícia, a inércia do apoio ao governo por parte de quem dele é mais dependente e o conservadorismo nos costumes que contagia até a popularidade da ministra Damares Alves. Inalterada a rota dos ventos, é mais do que suficiente para mantê-lo acima da linha d’água.
 

Maria Cristina Fernandes, colunista - Valor Econômico



 

sexta-feira, 18 de agosto de 2017

Carlos Fernando, procurador raivoso que me acha cão, levou R$ 137.150 em diárias em 2016

É, meus queridos, vida boa quem tem é procurador da República. Se o sujeito pertencer à Lava Jato e atuar fora da sua região de origem, a exemplo do buliçoso Carlos Fernando Santos Lima, aquele que já me chamou de cachorro, a vida pode ser mesmo uma festa.

Ainda na terça-feira, é bom lembrar, ele e Deltan Dallagnol vomitaram impropérios contra os políticos num vídeo postado na Internet. Sim, leitor! Você já está com inveja do rapaz desde o título.  Ser um procurador da República, no Brasil, é um excelente negócio. A depender do caráter do vivente, pode sair por aí acusando Deus e o mundo com ou sem provas; recorrer às redes sociais para malhar a política e os políticos; posar de herói da moralidade pública; palestrar em seminários e fóruns; acusar os membros dos Poderes Executivo e Legislativo de só pensar nos próprios interesses; gravar vídeos conclamando a população a se revoltar contra o Congresso; acusar jornalistas que lhe são críticos de estar a serviço de partidos políticos…

E dá para fazer tudo isso e ainda acumular um belíssimo patrimônio sem correr risco de nenhuma natureza — nem mesmo o de ser punido por abuso de autoridade ainda que se pratique… abuso de autoridade.  Esse procurador vai receber R$ 30 mil reais por mês de salário. Mas dá para melhorar essa performance. E muito! Os monopolistas da moralidade nacional têm direito a coisas que você, um simples mortal, ignora.

O mais escandaloso privilégio é o auxílio-moradia mesmo para quem é proprietário de imóvel na cidade em que trabalha. Há ainda auxílio-alimentação, ajuda de custo, auxílio-transporte, auxílio-creche…  Auxílio-creche? É… Se você decidir se reproduzir, o problema é seu. Quando um procurador se reproduz, o problema é nosso.

Até o mês passado, companheiros, esses penduricalhos nos salários dos digníssimos somavam R$ 60,2 milhões ou R$ 8,6 milhões por mês. Como são 1.152 procuradores, houve um acréscimo salarial per capita de R$ 7.465,27. A coisa está ficando boa? Para os membros da Lava-Jato que atuam fora de sua praça, como Carlos Fernando, o que diz ser eu um cachorro, vai ficar muito melhor.

Isso é média. Vista a folha de pagamentos de julho, houve procurador que chegou a receber, só de penduricalhos, segundo reportagem da Gazeta do Povo, do Paraná, R$ 47,7 mil. Informa o jornal que “pelo menos 80% dos procuradores receberam benefício entre R$ 5 mil e R$ 5,9 mil no mês passado. Outros 15% receberam como auxílio valores entre R$ 6 mil e R$ 35,6 mil.”

E o melhor da festa
E falta a isso tudo o melhor da festa para quem, como Carlos Fernando — aquele que diz que todo mundo sabe quem sou; e sabe mesmo! — atua fora da sua região.

Ele é lotado em São Paulo e foi deslocado para a Força Tarefa da Lava Jato, em Curitiba, onde atua como lugar-tenente de Deltan Dallagnol — também nas redes sociais, nos impropérios e nas ofensas a todos que considera seus adversários.

As diárias
Quem tem essa sorte, ora vejam, ganha o direito a receber “diárias” de mais de R$ 800. Nunca se esqueçam de que um procurador já tem o auxílio-moradia, de R$ 4,3 mil mensais.  No ano passado, Carlos Fernando recebeu a bagatela de R$ 137.150,48 só nesse quesito.  Sim, cara pálida, além do salário e dos penduricalhos, o MPF lhe pagou 170 diárias.

Marcelo Miller — aquele que auxiliava Rodrigo Janot em Brasília, pediu demissão e, três dias depois, passou a advogar para a JBS levou R$ 151.076,84 por iguais 170. O valor varia de acordo com a cidade para a qual o procurador é deslocado.  Numa conta feita, assim, meio no joelho, pegando a média dos benefícios, Carlos Fernando, o Catão da República, recebeu uns R$ 37 mil mensais em salários. O teto é de R$ 33.700. É que os benefícios não contam, embora a Constituição diga que sim… Quem liga para a Constituição?

Considerados os 13 salários, são R$ 481 mil. A esse valor, deve-se somar a bolada de R$ 137.150,48. Somam-se aí R$ 618.150 média mensal de R$ 51.512,50, R$ 17.812,50 acima do teto, que é de R$ 33.700 (52,85% a mais).  E olhem que os valentes haviam decidido se autoconceder um reajuste de 17%. Só recuaram porque o salário, penduricalhos à parte, ultrapassaria o dos ministros do Supremo, e estes disseram que aumento não haveria.

Para que isso?
Por que isso? Só para demonizar Carlos Fernando? Só porque ele me chamou de cachorro? Só porque, segundo disse, todos sabem quem eu sou? E sabem mesmo, note-se.  É que acho importante que todos saibam quem ele é. E há gente a sustentar que a sua atuação no escândalo do Banestado precisa ser revisitada. Faça-o quem dispuser de tempo.

Trago esses números — especialmente o ganho em diárias em razão da Lava Jato no esforço de que esses procuradores sejam vistos por aquilo que são: funcionários que ganham os maiores salários da República, que recebem privilégios só equiparáveis àqueles de que dispõem os juízes e que não têm razão nenhuma para posar como os heróis sem interesses ou os mártires da República.





Vejam a lista dos campeões das diárias. Os nomes marcados em amarelo integram a Força Tarefa da Lava Jato. Com um pouco de sorte para essa turma, essa operação dura mais uns dez anos.  Os cofres públicos brasileiros aceitam qualquer desaforo.  Quem sabe Carlos Fernando passe a ser um pouco mais contido na hora de enfiar o dedo na cara de políticos e, lembre-se, até da futura procuradora-geral da República, Raquel Dodge.

É mesmo um destemido. Fosse também pobrezinho, seria o herói perfeito desta quadra melancólica que vivemos.  E aí? Você ainda quer enforcar o último deputado com um pedaço da tripa do último senador ou já começa a espichar os olhos para as tripas dos procuradores. São 1.153. Há matéria para liquidar os 594 parlamentares federais. E ainda sobra tripa…


Texto transcrito do Blog do Reinaldo Azevedo