O presidente da República opera a política de um jeito fixo, na ofensiva o tempo todo. Mais ainda agora quando entende que as instituições ensaiam cercá-lo. Para romper a tentativa de cerco ele mira no elo mais fraco, o desgaste delas junto à sociedade. E apoia-se na figura mais preservada da demolição institucional dos anos recentes: as Forças Armadas. Vai dar certo?
Depende também de como será executado. Mas é uma tentativa,
sem dúvida.
Ganha a guerra não necessariamente quem tem mais recursos,
ganha quem sabe empregá-los com mais eficiência. Algo que funciona é concentrar
o fogo no ponto mais débil da linha de defesa adversária. Para um governo e um
presidente acossados por subestimar o SARS-CoV-2 é ouro em pó ver introduzida a
variável da corrupção nas iniciativas destinadas a enfrentar a pandemia. Jair Bolsonaro vem acumulando pontos na sacola. Livrou-se do
festejado ministro da Saúde e do festejadíssimo ministro da Justiça. O custo de
imagem foi baixo. O custo político foi próximo de zero. E decepou uma perna da
resistência congressual quando dividiu o dito centrão e atraiu o presidente do
Senado. O da Câmara dá sinais de entender a nova situação.
Quem tem o poder só perde a iniciativa por distração ou
imperícia. Mas de vez em quando os súditos rompem a barreira do ponto crítico e
passam a não mais suportar a dominação, se o custo de enfrentar o poder é menor
que o de continuar passivo. As medições de popularidade nem sempre conseguem
calcular isso. Muitas vezes o problema cresce silenciosamente. Você só percebe
quando é tarde. Uma coisa que ajuda é olhar sempre para o ponto futuro, para
onde caminham as tendências. A favor de quem opera a inércia. Se nada
acontecer, acontece o quê? Se ninguém introduzir o fato novo relevante, no
final dá em quê?
A inércia está em parte a favor do presidente. Os
governadores, alguns disfarçando, organizam a reabertura das atividades
econômicas mesmo na subida da Covid-19. Pois não há mais condições políticas de
segurar, especialmente na população que ganha menos e na turma que depende das
atividades informais. Só quem continua podendo ficar em casa são os de renda
garantida. E os governadores e prefeitos têm um encontro marcado com o
calendário eleitoral. Pode até atrasar umas semanas, mas vai acontecer. Mas a inércia também joga contra. O exercício do poder faz
acumular descontentamentos, mágoas, ressentimentos, insatisfações. Em última
instância é sempre o governo quem acaba organizando e engrossando a oposição.
Acontece novamente agora na Praça dos Três Poderes.
Por enquanto, a dificuldade momentânea de os insatisfeitos
juntarem-se todos contra ele ajuda Bolsonaro. O governo supõe que capturar um punhado de votos
congressuais vai ser suficiente para neutralizar o cerco e a tentativa de
aniquilamento. Ou que vai conseguir intimidar todos os potenciais inimigos o
tempo todo, ou por tempo suficiente.
Ou que as barreiras que separam os
inimigos entre eles serão para sempre mais fortes que o desejo, de todos e de
cada um, de se livrar de Sua Excelência. [o risco para os inimigos do presidente e também do Brasil é que todos são peçonhentos e todos não resistem a agir como escorpiões.
Já os aliados do presidente são leais, sinceros e mais numerosos se tornarão quando a pandemia for contida e a economia voltar a gerar riquezas e bem estar, A Turma do Mecanismo não vai aguentar.]
Alon Feuerwerker, jornalista e analista político - Análise Política
Publicado originalmente na revista Veja 2.689, de 03 de junho de 2020