Celso Ming
Mais uma vez, Paulo Guedes insiste na criação de um imposto que lembra a velha CMPF, o imposto do cheque
O que é, o que é? Tem focinho de gato, orelha de gato, olho de gato,
garra de gato, mas tem uma peninha na cabeça? A resposta qualquer
criança sabe: é um gato com uma peninha na cabeça. Pois, mais uma vez, o ministro da Economia, Paulo Guedes, insiste na
criação de um imposto que lembra a velha CMPF, o imposto do cheque.
Também desta vez, ele insiste em dizer que não tem nada a ver com CPMF.
Mas não esconde que será um imposto provisório – que fique entendido – a
ser cobrado sobre operações digitais.
Sempre que essa ideia aparece, vem com supostas meritórias intenções. Em
1996, quando o então ministro da Saúde, Adib Jatene, defendeu a criação
da CPMF, argumentou que viria para financiar a saúde pública. Alguém
poderia ser contra o melhor dos objetivos, o ataque às doenças? Logo se
viu que era apenas um jeito maroto de vender o imposto, porque a
arrecadação foi para o caixa geral e daí para onde o governo
determinasse.
Agora, o ministro argumenta que é preciso recriar empregos. O novo
imposto derrubaria os encargos sociais das empresas, que, por sua vez,
seriam encorajadas a contratar pessoal, agora quando o desemprego corre
solto. Esse disfarce de imposto provisório também é velho de guerra. O imposto
do cheque também começou provisório. Em dois anos deveria ser extinto.
De provisório em provisório, foi ficando. Durou dez anos. [o óbvio: o mesmo P que inicia provisório, inicia permanente.]
Achar que esse imposto não dói porque seria automaticamente cobrado
pelos bancos é uma empulhação. O que não é operação digital nesta
economia moderna? Todas as operações bancárias têm pelo menos algumas
fases digitais, os pagamentos por cartão de crédito ou de débito são
digitais; o comércio eletrônico é digital, a encomenda de comida para
entrega em domicílio (o delivery) é digital. Além disso, não é preciso ser tributarista para saber que este é um
imposto de péssima qualidade. Incide cumulativamente (em cascata) ao
longo de toda a cadeia de pagamentos, o que é expressamente proibido
pela Constituição (art. 154). Na medida em que onera a mercadoria com
impostos sobre impostos, encarece as exportações e, assim, tira
competitividade do produto brasileiro. [para ficar bem claro: incide nas duas pontas - paga quando recebe e paga quando paga = na entrada e na saída.]
Ah, sim, o ministro garante que a alíquota será baixa, não só para
reduzir o tamanho da facada, mas também para reduzir as distorções. Essa
é também uma história conhecida. Um imposto assim sempre começa com uma
alíquota quase simbólica. Mas, lá pelas tantas, falta dinheiro nos
cofres públicos e o ministro de plantão dirá que não há outro jeito
senão aumentar a alíquota e assim sucessivamente. [vide o IOF: alíquota diária até parece irrisória, suportável;
só que quando você faz a operação financeira incide uma alíquota única, de apenas 0,38% = rendimento de dois meses da caderneta de poupança.
Um exemplo: faltando um dia para o aniversário de sua poupança você tem uma necessidade urgente e inadiável e para não perder o 'rendimento' da poupança você usa o cheque especial por um dia.
Mesmo que seja naquele banco dos 'dez dias sem juros' você paga de imediato 0,38% de IOF mais um percentual diário.
Para recuperar os 0,38% você tem que somar dois meses de poupança.]
Se após tantos desmentidos essa anomalia for realmente recriada, Estados
e municípios haverão de brigar por fatias do que vier a ser arrecadado
sob o argumento de que o fato gerador do imposto é o mesmo do ICMS ou do
ISS, que lhes cabe por direito. Finalmente, esse imposto vai sendo proposto na pior hora, quando o
desemprego e a crise tiram renda do trabalhador, quando, altamente
endividadas, as empresas estão quebrando e não conseguem sequer honrar
seus compromissos junto com o Fisco.
Esta é mais uma mão de gato.
Celso Ming, colunista - O Estado de S. Paulo