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quinta-feira, 3 de setembro de 2020

Recuperação em I

Carlos Alberto Sardenberg

O ministro Paulo Guedes já garantiu que conseguiria fácil uns R$ 2 trilhões com a venda de estatais e de imóveis da União, incluindo e velho e belo prédio do antigo Ministério da Fazenda no Rio. Para se ter uma ideia do tamanho da coisa: a previsão de gastos do governo federal para o ano que que vem é de R$ 1,5 trilhão; 
e o déficit esperado para este ano, com os gastos da pandemia é de R$ 800 bilhões.
Ou seja, a venda das estatais e dos imóveis no plano delírio de Guedes – daria para cobrir todo o déficit e ainda sobraria quase um orçamento inteiro para 2021. [põe plano delírio nisso; ainda que a super mega valorização, no plano delírio do ex-Posto Ipiranga, tivesse fundamento, seria necessário que as vendas ocorressem, a necessária realização se concretizasse.
E hoje todos sabem que qualquer venda que o governo Bolsonaro pretenda realizar pode ser cancelada, ou atrasada, bastando que qualquer partideco sem votos e programa, ou qualquer inimigo do Brasil, respaldado pela sociedade civil ou qualquer coisa do tipo, ingresse na Justiça contestando a venda, e tudo empaca.]

Passados 20 meses de governo, o ministro já deve estar sabendo que não vai conseguir vender as estatais mais valiosas, muito menos os imóveis. (Só para registrar: desde o final da ditadura, todos os governos acreditaram que dava para fazer uma grana vendendo imóveis. A burocracia e a resistência das corporações barra tudo). Mas não tem problema para o ministro Guedes. Já que não dá para vender todas estatais, principalmente Petrobras e Banco do Brasil, que dão os maiores lucros, nasce uma nova ideia: o maior programa de distribuição de renda.
Como? Distribuindo para o povo pobre os lucros das estatais. Seria um dos pilares do novo Renda Brasil, cujo fundo também teria dinheiro dos ricos, a ser tomado com algum tipo de imposto.
Beleza!

Ocorre que o Renda Brasil tem que ser uma despesa fixa. Ou não? O lucro das estatais é variável. Será que estão pensando numa renda variável, proporcional ao tamanho dos lucros? Ou, no limite, se a estatal der prejuízo, o beneficiário do Renda Brasil teria que pagar uma parte das perdas? Eis porque o economista José Roberto Mendonça de Barros, em entrevista ao Globo, chamou de café com leite a proposta de orçamento para 2021, encaminhada ao Congresso no último dia 31.
Simplesmente não consta ali nada a respeito do Renda Brasil, nem quanto será pago, nem a quantas pessoas, nem a fonte de recursos. É nada. E também não está prevista a receita para o Fundeb, cujo valor foi recentemente elevado pelo Congresso.

Ou seja, o orçamento para 2021 não existe. Terá que ser feito ao longo dos próximos meses em debates com o Congresso. Significa que até aqui não tem Renda Brasil nem FundebMas terá a reforma administrativa, proposta de emenda constitucional, prometida para ser enviada ao Congresso nesta quinta-feira. É importante: trata-se de reduzir o gasto com funcionalismo (o segundo maior, depois da previdência) e melhorar a eficiência e a qualidade dos serviços prestados ao público.
Para isso, serão limitadas as carreiras de estado aquelas que têm estabilidade – serão reduzidos os salários de entrada e a evolução funcional se dará pelo mérito e não pelo simples passar do tempo, como é hoje. [e aqueles privilégios de integrantes de algumas categorias, que quando cometem algum crime - muitas vezes  passível de  punição incluindo demissão a bem do serviço público e direito a camburão estacionado na porta do órgão para conduzi-lo ao presídio,  é substituída por aposentadoria compulsória com direito a salários.
Como fica a situação deles? Serão punidos com rigor, incluindo demissão sem salário, ou apenas aposentados com direito aos proventos?]
Mas isso para daqui uns 20 anos pelo menos. O presidente Bolsonaro disse que a reforma não poderá mexer em nenhum direito dos atuais funcionários. Só valerá para os concursados que entrem no serviço depois de aprovada a reforma. [enquanto for destacado que as medidas de uma reforma administrativa só vale para os futuros funcionários, não ocorrerá reforma nenhuma.
Sendo recorrente: se a reforma tentada pelo Collor, no inicio do seu governo,  tivesse sido realizada,  os alcançados por ela, futuros funcionários, já estariam em vias de se aposentar.
Quando ao projeto para erradicação dos super salários, gambiarras, penduricalhos, extratetos, etc., está parada e deve continuar = dos que serão afetados por ela, alguns possuem o poder para dar andamento ou parar tudo e outros podem mandar parar.] os]
Já seria alguma coisa para as futuras gerações. Mas, caramba, não dá para mexer em nada agora? Nem nos super-salários, aqueles que vão muito além do teto de R$ 39 mil por conta de umas gambiarras jurídicas? Essas gambiarras podem ser desfeitas com leis simples. Aliás, há um projeto na Câmara que acaba com os extratextos – e que está parado.

Tem outro jeito de adiantar a reforma e eliminar algumas carreiras de servidores que ganham muito e fazem pouco. Por exemplo: o pessoal da polícia legislativa da Câmara e Senado, cuja função é supostamente dar garantia aos parlamentares. Mas ao mesmo tempo, as duas casas contratam serviços de segurança e motoristas. Neste caso, basta simplesmente não substituir os que se aposentam. [os servidores do INSS que se aposentaram e não foram substituídos, fazem falta;
mas, esse pessoal da polícia legislativa, que não controlam nem trânsito na base do apito, não fará nenhuma falta.] Vários países fizeram isso. E poderia ser feito com várias outras carreiras a serem extintas. Ou seja, dá para fazer e é preciso tomar medidas para reduzir gastos atuais e melhorar eficiência hoje, não daqui a 20 anos.

Na última terça, quando saíram os resultados do PIB do segundo trimestre, o ministro Guedes disse que era o estrondo de um raio que já caiu e não cairá mais. Garantiu que a economia já está em recuperação em V. O Jornal da Globo, considerando esses planos e programas que são meras ideias sem realidade, observou que mais parece uma recuperação em I, de incerteza. [sem pretensões a ingressar no complexo mundo da previsão econômica, tem sido observado que  países sofreram uma queda  brusca do PIB  no trimestre anterior ao ápice da peste, mas, já iniciam a recuperação. Torcer para que ocorra no Brasil - apesar dos inimigos do presidente.
De qualquer forma, fica o registro de que o ministro Paulo Guedes foi considerado a panaceia, ou quase, de todos os males da economia.
Agora se percebe que é a  causa, ou o adubo de crescimento, de todas as crises. Já passa da hora de sair ou 'ser saído'.]

Carlos Alberto Sardenberg, jornalista 

Coluna publicada em O Globo - Economia 3 de setembro de 2020


sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

Mais 12 anos de cadeia

Lula da Silva não desiste. Condenado pela segunda vez por corrupção e lavagem de dinheiro, o ex-presidente continua a se dizer vítima de “perseguição política”

Lula da Silva não desiste. Condenado pela segunda vez por corrupção e lavagem de dinheiro, o ex-presidente da República continua a se dizer vítima de “perseguição política”. Com isso, quer fazer crer que todos os magistrados que decidiram contra ele – na 13.ª Vara da Justiça Federal de Curitiba, no Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal – estão mancomunados, junto com “a imprensa, o mercado e os poderosos do Brasil e de fora”, para “apagar a lembrança” de Lula da “memória do povo pobre e trabalhador do Brasil”, conforme diz uma nota oficial do PT, que ele continua controlando. 

No texto, o partido diz que Lula é alvo de “uma vingança política sem precedentes na história do Brasil”. Afirma que a primeira condenação que sofreu, no caso relativo ao triplex no Guarujá, se prestou a “impedir que Lula voltasse a ser eleito presidente da República pela vontade do povo”. Com a nova condenação, afirma a nota lulopetista, o Judiciário tenta “influenciar a opinião pública internacional” justamente “no momento em que Lula é indicado ao Prêmio Nobel da Paz por mais de meio milhão de apoiadores” referência a uma campanha inventada pelo partido para tentar tirar o chefão petista do limbo político e midiático em que ele se encontra, como presidiário em Curitiba. 

Lula e seus devotos querem fazer crer que o País vive ares carregados semelhantes aos da ditadura militar e recorrem à retórica embolorada da “perseguição política” porque, ao fim e ao cabo, não têm como se defender ante as provas reunidas nos processos em que o ex-presidente foi condenado. Ademais, afirmar que Lula é um “preso político” é uma afronta aos que padeceram nos porões do regime de exceção e uma ofensa aos que efetivamente lutaram pelo restabelecimento do Estado de Direito – o mesmo Estado de Direito que garantiu ao ex-presidente ampla defesa e amplas possibilidades de recurso. Com o discurso da “perseguição política”, o PT tenta escamotear o fato de que Lula da Silva, que se tem em altíssima conta – na nota, o partido o qualifica simplesmente de “o maior presidente da história do País” –, é hoje apenas um corrupto condenado e preso. 

E as contas que o ex-presidente tem a acertar com a Justiça, no âmbito da Lava Jato, não param de aumentar. Depois de ter sido condenado a 12 anos e 1 mês de prisão no caso do triplex – pena que ele cumpre desde 7 de abril de 2018 –, Lula da Silva foi sentenciado a 12 anos e 11 meses de cadeia por corrupção ativa e passiva e lavagem de dinheiro, na ação que investigou a reforma no sítio Santa Bárbara, em Atibaia (SP). Lula ainda responde a uma terceira ação, acusado de corrupção e lavagem de dinheiro em caso que envolve propina para a compra de um terreno que abrigaria o Instituto Lula, em São Paulo. 

Na sentença relativa ao sítio de Atibaia, a juíza Gabriela Hardt, da 13.ª Vara Federal de Curitiba, explicitou o vínculo de Lula com o esquema de corrupção na Petrobrás, do qual foi beneficiário na forma de mimos de empreiteiras – como a reforma do sítio – pagos como retribuição pelos contratos com a estatal. A juíza cita um depoimento do empreiteiro Emílio Odebrecht em que ele diz que “a reforma seria uma retribuição do Grupo Odebrecht pela atuação dele (Lula) ‘em prol da organização’, com referência expressa em seguida à atuação dele (Lula) em favor da Odebrecht no setor petroquímico, Braskem, e na Petrobrás”. 

A sentença afirma que “Luiz Inácio Lula da Silva tinha pleno conhecimento de que a empresa Odebrecht era uma das partícipes do grande esquema ilícito que culminou no direcionamento, superfaturamento e pagamento de propinas em grandes obras licitadas em seu governo, em especial na Petrobrás” e “contribuiu diretamente para a manutenção do esquema criminoso”. Logo, diz a juíza, Lula sabia muito bem que o dinheiro que bancou seu bem-estar em Atibaia só podia ser fruto da roubalheira.
Diante desse monumento à corrupção chamado petrolão, uma reforma modesta num sítio em Atibaia pode soar apenas pitoresco – mas serve para simbolizar a pequenez moral dos envolvidos.

Opinião - O Estado de S. Paulo