O assunto é sério: o misticismo está no poder
O Brasil já temeu a mula sem cabeça, o boitatá, a cuca, o corpo-seco, a
iara e o curupira. Hoje, teme a Ursal. Os medos antigos assombravam o
universo rural de caipiras e caboclos. O medo atual assombra o novo
governo que, para dormir em paz, entregou dois ministérios estratégicos a
apóstolos do Bruxo da Virgínia, um astrólogo repaginado como filósofo
místico. Daqui em diante, a superstição norteará nossas políticas
externa e educacional. Não adianta dizer que a Ursal não existe, pois
ela existe na mente dos que nos governarão.
A Ursal, União das Repúblicas Socialistas da América Latina, ganhou
popularidade pela voz do Cabo Daciolo. A evocação da sigla exprime a
crença de que uma conspiração comunista internacional ameaça a pátria
brasileira. O Bruxo da Virgínia e seus evangelistas compartilham o credo
de Daciolo, mas o vestem em peças de estilistas. Na linguagem arcana
que preferem, a conspiração é conduzida por uma liga constituída por
“liberais globalistas” e “marxistas”. Armados com as teses de Antonio
Gramsci, os maléficos conspiradores apropriam-se silenciosamente tanto
das chaves do poder quanto das mentes dos indivíduos por meio de uma
prolongada guerra cultural. É Ursal, em versão de butique. [A Ursal é bem mais antiga do que o Cabo Daciolo - na verdade foi criada pelo Foro de São Paulo, famigerada organização esquerdista fundada por Lula e Fidel Castro e que pretendia transformar a América Latina em 'substituta' da extinta URSS;
o nome UNASUL foi escolhido para dar uma aparência 'inocente' - o comunismo, a esquerda, são tão nojentas que sempre procuram camuflar seus planos de expansão com nomes inocentes, limpos.
O termo Ursal tem vários criadores - sendo que a socióloga Maria Lúcia Vitor Barbosa está entre as pessoas a quem atribuíram a 'maternidade' do termo.]
De acordo com as superstições do Bruxo da Virgínia, a China lidera o
tentáculo marxista da conspiração mundial. Ernesto Araújo, futuro
ministro das Relações Exteriores, dá indícios de que submeterá as
relações com a China ao “Deus de Trump”, engajando o Brasil na guerra
comercial deflagrada pelos EUA. O medo da Ursal ameaça degradar uma de
nossas principais parcerias econômicas, fonte de quase um terço do
superávit brasileiro no comércio exterior e de vultosos investimentos
externos diretos.
Segundo as crendices do Bruxo da Virgínia, a escola funciona como palco
de uma doutrinação dos jovens destinada a destruir a família e a
religião. Ricardo Vélez, futuro ministro da Educação, declara que
enfrentará o perigo por meio do projeto de lei Escola Sem Partido — ou
seja, pelo uso do poder público como polícia pedagógica destinada a
perseguir professores “desviantes”. O medo da Ursal ameaça bloquear os
caminhos para a reforma e qualificação da educação no Brasil. No lugar
dessa tarefa inadiável, o Estado anuncia uma estratégia de
“contrainsurgência cultural” nas escolas.
As teocracias medievais e os regimes totalitários do século passado
imaginavam-se como representações de uma verdade suprema, oriunda de
Deus, do Destino Nacional ou da História. A separação entre Estado e
Igreja (isto é, a laicidade estatal) e a separação entre Estado e
partido (isto é, o princípio do pluralismo político) formam dois pilares
estruturais dos sistemas democráticos. [lembrem que Churchill dizia que a 'democracia é o pior sistema de Governo', mas, não há nenhum melhor que ela';
sendo o pior sistema tem muitos defeitos, sendo um deles a separação entre Estado e Igreja, que abre caminho para a institucionalização do ateísmo como 'religião' do Estado, situação esta que abre caminho para a destruição de todos os valores, começando pela religião e família.] Nas democracias, o Estado
administra as coisas, não as mentes. Os dois ministérios ocupados por
acólitos do Bruxo da Virgínia ambicionam administrar as mentes,
libertando-as das forças alienígenas da Ursal. Há fortes doses de
ridículo nisso, mas o assunto é sério: o misticismo está no poder.
Um paralelo apropriado é com a Arábia Saudita. O reino nasceu de uma
longa jihad (“guerra santa”) empreendida pela aliança do clã guerreiro
dos Saud com a seita islâmica puritana Wahab. Na base da monarquia
saudita, encontra-se o pacto original entre esses componentes, que se
exprime pela entrega dos ministérios da Educação e das Comunicações à
facção religiosa. A seita liderada pelo Bruxo da Virgínia ocupa, no
governo Bolsonaro, um lugar semelhante ao dos wahabitas no reino dos
Saud. A diferença é que sua doutrina não repousa sobre a leitura literal
de um livro sagrado, mas sobre crendices cozidas no forno de uma
espécie de ocultismo pós-moderno.
A “confluência entre História e Mito” alardeada por Ernesto Araújo, o
combate sem trincheiras à “revolução cultural gramsciana” pregado por
Ricardo Vélez são piadas que saltaram de túneis escuros das redes
sociais para o aparelho de Estado. Uma festa estranha, com gente
esquisita — nisso transformaram-se o Itamaraty e o Ministério da
Educação. A Ursal passeia entre nós. Deus não é brasileiro.