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sexta-feira, 24 de setembro de 2021

Uma frente difícil - Alon Feuerwerker

Análise política

Por que os opositores não se reúnem numa frente ampla contra Jair Bolsonaro? A explicação está ao alcance
Qual dos candidatos a participar da frente vê no capitão uma ameaça significativamente maior que a representada pelos possíveis aliados táticos contra o presidente da República?

Pois seria simples de resolver. Bastaria todos firmarem o compromisso de apoiar quem for ao segundo turno contra Bolsonaro. Se o presidente estiver no segundo turno. Poupariam tempo e energia. E cada um faria seus próprios comícios, passeatas e que tais. Sem o risco de ser apupado pelos amigos de hoje, que amanhã voltarão a ser os inimigos de ontem.

Qual é o obstáculo? Em largas parcelas do espectro político-social-empresarial apoiar Bolsonaro ou manter certa neutralidade, no primeiro ou no segundo turnos, continua sendo uma opção à mesa. E alianças políticas só se consolidam quando se cristaliza a consciência, ou a circunstância, de uma ameaça externa qualitativamente maior.

Um exemplo aliancista sempre lembrado é a Frente Ampla costurada por Carlos Lacerda e Juscelino Kubitschek, que tentaram atrair João Goulart. No fim, o regime militar implodiu a articulação e ela acabou sendo o canto de cisne político dos três. Eram inimigos e só começaram a conversar sobre juntar-se quando a ameaça existencial política já tinha desabado ou estava apontada para todos eles. Lacerda fora um líder de 1964. E JK votara no marechal Castelo Branco na eleição indireta para substituir o deposto Jango.

Outro episódio de referência é a Segunda Guerra Mundial. 
União Soviética, Estados Unidos e Reino Unido uniram-se para derrotar a Alemanha. 
O incauto pode ser induzido a acreditar na fábula das três potências que certa hora decidiram salvar a humanidade, deixaram para depois as diferenças e deram-se as mãos na urgente tarefa comum.

O Reino Unido e a França declararam guerra à Alemanha quando esta invadiu a Polônia, mas britânicos e franceses esconderam-se numa guerra de mentirinha ("phoney war"), ou pelo menos de baixa intensidade, até os alemães atacarem a França. A União Soviética só passou a combater a Alemanha quando foi invadida por ela, em junho de 1941. Antes, firmara em 1939 um pacto de não-agressão com Berlim, para neutralizar a pressão que britânicos e franceses faziam sobre os alemães para estes atacarem os soviéticos. E os Estados Unidos só entraram na guerra quando atacados pelos japoneses em Pearl Harbor, em dezembro de 1941.

Súditos da rainha, liderados de Stalin e comandados por Roosevelt só se deixaram arrastar para a guerra quando se viram diante de uma ameaça existencial direta. A eles mesmos (URSS), a seu império (Reino Unido) ou à sua área de influência no Pacífico (EUA). Que futuro o PT oferece ao “centro” para este fechar as portas definitivamente a Bolsonaro? 
E que garantias a esquerda raiz tem de vida mais fácil num governo da “terceira via”?

Dizer "vamos tirar o Bolsonaro e só depois eu corto teu pescoço" não chega a ser uma sedução irresistível.

Alon Feuerwerker, jornalista e analista político

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Publicado na revista Veja de 29 de setembro de 2021, edição nº 2.757