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domingo, 4 de setembro de 2022

Igreja não tem partido, mas tem doutrina – e pode orientar seus fiéis de acordo com ela - Gazeta do Povo


Thiago Rafael Vieira

Eleições - Urnas eletrônicas.

Tem muita gente tentando entender como funciona a cabeça do evangélico na hora de decidir em qual candidato votar. Outros clamam nas ruas que os crentes não podem se envolver nas eleições e que política é coisa para ser tratada fora da igreja e de qualquer influência dela.

Religião, para fins jurídicos, implica em três elementos básicos: relação com a divindade; valores morais que orientam essa relação; e culto. Assim sendo, o primeiro passo para entender a cabeça do evangélico na hora de votar seria dar uma lida nas Escrituras Sagradas, pois toda a ideia de certo e errado, ou seja, de valores morais, é retirada dela. Então, vejamos alguns poucos versículos:

“Antes de tudo, recomendo que se façam súplicas, orações, intercessões e ações de graças por todos os homens; pelos reis e por todos os que exercem autoridade, para que tenhamos uma vida tranquila e pacífica, com toda a piedade e dignidade.” (1 Timóteo 2,1-2)
“Por meu intermédio os reis governam, e as autoridades exercem a justiça; também por meu intermédio governam os nobres, todos os juízes da terra.” (Provérbios 8,15-16)
“O governante sem discernimento aumenta as opressões, mas os que odeiam o ganho desonesto prolongarão o seu governo.” (Provérbios 28,16)
“Quando os justos florescem, o povo se alegra; quando os ímpios governam, o povo geme.” (Provérbios 29,2)


As igrejas e líderes religiosos podem orientar seus fiéis, com base na Bíblia, a respeito de valores importantes na hora do voto, em pleno exercício da liberdade religiosa. Parece evidente que os valores morais que norteiam a vida do evangélico são claros no que diz respeito à política: não é coisa do diabo. Isto é, o crente deve se envolver com a política, tanto espiritual quanto materialmente. Orando e participando. Porque se não fizer isso terá de gemer as dores de ser governado por um opressor.

Mas, então, o que as igrejas não podem fazer em uma campanha eleitoral? Segundo o artigo 24, VIII da Lei das Eleições (9.504/97), as igrejas não podem doar dinheiro ou qualquer tipo de bem para campanhas ou partidos políticos.  
Também não podem veicular propaganda eleitoral dentro ou nos arredores do templo, ou deixar que algum candidato ou partido político faça isso, sob pena de pesadas multas, nos temos do artigo 37, §§ 1.º e 4.º da Lei das Eleições.

Assim sendo, os líderes religiosos não podem: permitir a distribuição de panfletos no templo; permitir o uso do púlpito para expressamente pedir votos; permitir a exposição de placas, estandartes, faixas, cavaletes, bonecos e assemelhados; permitir qualquer propaganda eleitoral no interior do templo ou nos seus arredores; realizar doação financeira a candidatos políticos; e forçar os fiéis a realizar doação de campanha.
 

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Por outro lado, é permitido que o candidato participe livremente de qualquer culto livremente; que pastores sejam candidatos; que o candidato realize reunião com a comunidade cristã, desde que fora do culto; e que o pastor dê orientações de cunho bíblico sobre os valores que os fiéis devem levar em conta ao escolher em quem votar.

Qualquer medida além destas viola a Constituição brasileira, que garante, em seu artigo 5.º, VI a inviolabilidade da consciência e da crença, assegurando a liberdade religiosa em todas as suas dimensões: expressão, defesa da fé, proselitismo, culto e organização.

As igrejas e líderes religiosos podem orientar seus fiéis, com base na Bíblia, a respeito de valores importantes na hora do voto, em pleno exercício da liberdade religiosa! 

A escolha de um candidato para determinado cargo público é resultado de uma carga filosófica, ideológica, mas também religiosa de cada um. Enquanto o eleitor ouve atentamente as propostas de um candidato e outro, e uma proposta de governo e outra, é natural que também ouça seus líderes religiosos, que integram o núcleo de pessoas em que confia, para decidir em quem votar.
A instrução política e as escolhas políticas também fazem parte da rotina da organização religiosa. E quanto maior o número de fiéis, maior será a influência
O impedimento da influência religiosa implicaria diretamente em uma afronta aos princípios republicanos da laicidade, cidadania, dignidade da pessoa humana e pluralismo político, sendo um duro golpe à democracia. Falamos mais sobre esse tema na obra Abuso do poder religioso no processo político-eleitoral.

A instrução política e as escolhas políticas também fazem parte da rotina da organização religiosa. E quanto maior o número de fiéis, maior será a influência: fato este normal em um país regido, também, pela liberdade de expressão que envolve a liberdade de convencimento, de ensino, e de opção por seguir entre este ou aquele espectro político, candidato, partido e voto.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos

Thiago Rafael Vieira - Pós-graduado em Direito do Estado - Gazeta do Povo - VOZES 

 

quinta-feira, 11 de julho de 2019

Vitória ‘terrível’ para Bolsonaro

Perfil de vaga do STF recai sobre o evangélico Bretas

[ao abrir espaço para outros nomes, Bolsonaro preserva Moro, já que agora a imprensa vai procurar queimar possíveis candidatos, começando pelo juiz Marcelo Bretas.]

Publicado no Valor Econômico  
 
No dia em que a Câmara dos Deputados começava a aprovar a reforma mais requisitada pelo mercado, o presidente Jair Bolsonaro iniciou a manhã parafraseando a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, a quem já dedicou palavras pouco elogiosas. Em março, Bolsonaro disse que ouve “qualquer ministro, até a Damares”. Comparada a um patinho feio da Esplanada, a pastora – que no discurso de posse afirmou que “o Estado é laico, mas esta ministra é terrivelmente cristã” – parece ter ganhado e inspirado o coração e a mente do presidente. Em culto realizado na Câmara pela Frente Parlamentar Evangélica, Bolsonaro confirmou ontem o plano: “Poderei indicar dois ministros para o Supremo Tribunal Federal. Um deles será terrivelmente evangélico”.

Ao arremedar o advérbio tão caro a Damares, o presidente batiza as escolhas de seu governo. Arrisca ser comparado a Ivan, o Terrível (1530-1584), o primeiro czar russo. Autoritário, muito religioso, com mania de perseguição, Ivan teria matado o filho e o neto, depois de espancar e levar a nora ao aborto, porque julgou suas roupas indecentes. Historiadores atribuem a fama de Ivan tanto à crueldade – comum à época – quanto a graves transtornos mentais. Bolsonaro não é o czar. Até porque o codinome “Russo” já foi reservado, pelos procuradores da Lava-Jato, ao ministro da Justiça Sergio Moro, segundo mensagens vazadas pelo site “The Intercept”.

Com a declaração sobre o Supremo, Bolsonaro, quem sabe, até crie esperanças na ministra, que além de pastora é, furtivamente, advogada. Mas é o juiz federal da Lava-Jato no Rio, Marcelo Bretas, quem já se animou. Começa a recair sobre ele a expectativa da indicação. Frequentador da igreja Comunidade Evangélica Internacional da Zona Sul, Bretas foi criado numa família evangélica e tem um irmão pastor. Bastante ativo nas redes sociais, 20 das 70 mensagens (28,5%), desde novembro, que constam em seu perfil do Twitter tem conotação religiosa.
Citam versículos de livros da Bíblia (Provérbios, Salmos, Isaías, I Timóteo, Habacuque, Lamentações), mostram sua admiração pela cantora gospel Bruna Karla, elogiam e parabenizam pastores (Marco A. Peixoto e Israel Belo de Azevedo) e reinterpretam, de modo particular, “O espírito das leis” (1748) com a célebre instituição de freios e contrapesos: “A teoria da separação dos Poderes foi mesmo idealizada por Montesquieu? Veja o que o profeta Isaías escrevera aprox. 2.500 anos antes dele (por volta de 750 a.C): ‘Porque o Senhor é o nosso Juiz; o Senhor é o nosso Legislador; o Senhor é o nosso Rei; ele nos salvará'”.

É possível que numa eventual sabatina no Senado, algum parlamentar perguntasse a Bretas o que quis dizer com esse tuíte. A teocracia não deve fazer parte das convicções do magistrado. Mas ser indicado ao Supremo é, em suas próprias palavras, “o sonho de qualquer juiz” – foi o que disse em entrevista recente, sobre a possibilidade.  Como revelou em maio, Bolsonaro também tem um acordo com Moro, que teria aceito abandonar a carreira de juiz para ser ministro em troca da vaga no Supremo. “Eu fiz um compromisso com ele. Ele abriu mão de 22 anos de magistratura. A primeira vaga que tiver lá [no STF], estará à disposição”, disse o presidente. O toma-lá-dá-cá, contudo, foi negado logo em seguida por Moro. E, desde então, o ministro da Justiça passou a ser acossado pelas publicações homeopáticas que dão conta de sua suposta parcialidade quando juiz responsável pela Lava-Jato em Curitiba. Com o governo Bolsonaro ancorado na popularidade de Moro – e no titular da Economia, Paulo Guedes – o ministro com o perfil de Bretas ganhou destaque nos planos de Bolsonaro.

Se na primeira vez em que abordou o assunto, em 31 de maio, o presidente deu um tom de conjectura – “Será que não está na hora de termos um ministro do STF evangélico?” – agora Bolsonaro afirma se tratar de um “compromisso”. Não à toa. Com a indicação, o presidente agradará ao segmento do eleitorado que lhe é mais fiel. Segundo a pesquisa do Datafolha do fim de semana, o país está dividido em três, igualmente, entre os que amam, os que detestam e os que acham a administração Bolsonaro apenas regular. No meio evangélico, porém, o apoio praticamente dobra.
Para o presidente também faz sentido usar o STF como moeda de troca substituta. A maior promessa de campanha feita aos evangélicos – a transferência da embaixada brasileira em Israel para Jerusalém – é algo improvável e que Bolsonaro vem empurrando com a barriga, para a irritação nem sempre discreta dos líderes pentecostais.

A primeira das duas vagas a que Bolsonaro terá direito a preencher será a do decano Celso de Mello, que se aposenta em novembro do ano que vem. Antes de ser evangélico, contudo, o indicado deverá ser, com toda probabilidade, “terrivelmente” bolsonarista. Pelo Twitter, Bretas publica mensagens que jogam água no moinho do governo – como o apoio às manifestações de 26 de maio -, retuíta e responde posts de bolsonaristas como os deputados federais Carlos Jordy (PSL-RJ) e Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, agradece condecoração na Assembleia Legislativa proposta por deputada do PSL, estampa foto de Bolsonaro com o presidente americano Donald Trump e corrobora posições polêmicas do ocupante do Planalto, como a defesa do trabalho infantil. Quem precisa indicar Moro quando se tem Bretas?

Nova relação
Sem citar nominalmente Bolsonaro, nem Paulo Guedes, mas com menções ao ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga e ao Centrão, o presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ) fez de seu discurso da vitória, na aprovação da reforma da Previdência, uma declaração de independência do Parlamento, demonstração de força e desabafo. Com o placar elástico de 379 a 131 – 71 votos acima do necessário – Maia foi aclamado pela Casa e ‘roubou’ o resultado do Planalto, a quem deu o recado: “Vamos precisar construir uma relação diferente daqui para frente”. Lacrou.


Cristian Klein

 

sexta-feira, 5 de julho de 2019

Greenwald é ou não um investigado?

Não fala claro quem, como a PF, investe na ambiguidade e na confusão 

Glenn Greenwald, do site The Intercept Brasil, está ou não sob investigação? E, se está, é preciso saber a razão. É impossível obter do aparelho do Estado que cuida do assunto uma resposta objetiva. Sergio Moro, ministro da Justiça, foi indagado a respeito na audiência de que participou na Câmara. Disse que a questão deveria ser encaminhada à Polícia Federal. E foi o que fiz.

A reportagem do programa "O É da Coisa", que ancoro na BandNews FM, encaminhou, a meu pedido, à assessoria da PF estas duas perguntas:                        “1) O jornalista Glenn Greenwald é oficialmente investigado?;                                       2) a Polícia Federal pediu o auxílio do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) nessa investigação?”E recebeu a seguinte resposta: “A Polícia Federal não confirma tal solicitação e não se manifesta sobre eventuais investigações em andamento”. [resposta adequada, visto ser incoerente que qualquer autoridade policial forneça informações sobre eventuais investigações em curso e muitas vezes informar se existe uma investigação é uma forma de atrapalhar os trabalhos policiais, por permitir que o possível investigado adote medidas para fugir à ação policial.
Afinal, parte da imprensa que estraçalhar o ministro Sérgio Moro por boatos alimentado  através de conversas roubadas de celulares do ministro e de procuradores, que além de serem produto de crime não tem sua autenticidade comprovada. ]

Prossegue a PF: “Segundo nota encaminhada pelo Coaf e divulgada pela imprensa, ‘o Coaf não comenta casos específicos em função do sigilo fiscal e bancário a que está submetido. Além disso, não é função do Coaf realizar investigações; o que faz é encaminhar às autoridades competentes de investigação —geralmente Ministério Público e/ou Polícia Federal— informações sobre movimentações financeiras atípicas. O Coaf também esclarece que não tem conhecimento de nenhum pedido por parte da Polícia Federal’”. [ao que se sabe ocorreu um vazamento do COAF sobre movimentação bancária  atípica de um ex-assessor de um filho do presidente Bolsonaro.
O vazamento ocorreu exatamente quando o COAF estava subordinado à pasta da Justiça.]

Gosto de linguagem, gosto de palavras, e estudá-las é até a minha primeira inclinação. Não ignoro os vocábulos crus da truculência, que me causam repúdio até físico, mas lhes reconheço um esboço ao menos de virtude: a clareza.  Vejam o caso do presidente Jair Bolsonaro e filharada: sinceros, convenham, eles são... O “Mito” não foi eleito porque “manso de espírito”. Sua Bíblia nunca reconheceu o “Evangelho Segundo São Mateus”.  Mateus é coisa de gente que fraqueja, de mulherzinha, de boiola. Ele partiu logo para uma releitura do “Evangelho Segundo São João”, com a tal “verdade que vos libertará”, com destaque para os versículos “.40”, “9mm”, “.45” e “calibre 12 de cano serrado”, numa espetacular fusão “hétera” e sangrenta com o “Livro do Apocalipse”.

Mas e a resposta da Polícia Federal? “Não confirmar” é coisa distinta de negar. Observem que, ao responder sobre eventual solicitação feita ao Coaf para investigar a movimentação financeira de Greenwald, a PF apela a uma nota divulgada pelo próprio conselho.  E, por óbvio, tudo poderia ser mais simples e claro. Sugiro: “A Polícia Federal não investiga jornalistas no exercício regular de sua profissão e não fez nenhum pedido ao Coaf sobre a vida financeira de Glenn Greenwald, destacando que tal demanda seria ilegal”.

Ora, não fala claro quem investe na ambiguidade e na confusão. Se, numa democracia de direito, o órgão do Estado encarregado de investigar crimes federais é incapaz de negar que esteja a fraudar os artigos 5º e 220 da Constituição Federal, que garantem a liberdade de expressão, então há algo de errado em curso.  Conheço cada palmo do confronto com o petismo quando algumas de suas correntes buscavam se insinuar nas dobras da legalidade para impor uma agenda que eu julgava incompatível com a ordem democrática. [a possível investigação do jornalista tem amparo legal, não por ele estar divulgando material obtido de forma criminosa e sem autenticidade garantida, mas, pela possibilidade - notem, estamos falando de possibilidade, não estamos insinuando nem acusando -  dele ser o autor ou de alguma forma estar envolvido na obtenção das conversas.]
Nunca indaguei se o governo de turno era eficaz ou ineficaz, popular ou impopular, se havia ou não uma agenda, afinal, mais importante do que essa conversa mole a que só alguns jornalistas dão importância: essa tal democracia.  E posso lhes assegurar que, milícias virtuais à parte, é bem mais difícil criticar uma gestão que lidera um crescimento de 7,5% —a exemplo do que se viu em 2010, último ano do governo Lula— que em outra que começa o ano com uma perspectiva de 2,5% e pode encerrá-lo perto do zero, na lona. Com ou sem crescimento, com ou sem reforma, com ou sem acordo Mercosul-União Europeia, o eixo da agenda civilizatória é o resgate da sanidade do Estado de Direito.

Não me rendi antes aos pés de barro da “igualdade e da justiça social”, com 7,5% de crescimento, e não me renderei ao bezerro de ouro da caça aos corruptos, com 0,5%, habilmente manipulada por ladrões do devido processo legal.

Pergunto: 
1) O jornalista Glenn Greenwald é oficialmente investigado?;
 2) a Polícia Federal pediu o auxílio do Coaf nessa investigação?

Exijo uma resposta compatível com a ordem democrática. 
[a ordem democrática, em qualquer país do mundo, garante às autoridades policiais o direito de não divulgar informações que possam atrapalhar eventuais investigações em curto - é público e notório que os crimes cometidos para obtenção das supostas conversas estão  sendo investigados o que impõe o sigilo sobre qualquer pergunta, ainda que indireta, sobre o assunto.]

PS:
Quanto à carta com autoria atribuída a Léo Pinheiro, dizer o quê? Vejo as pegadas da Lava Jato e agregados até na conjugação do verbo “haver”, a maior vítima desses tempos depois do devido processo legal.