Temer demonstrou capacidade ímpar de resiliência. Alguns vaticinavam a sua queda em meses e semanas
Reconheça-se,
preliminarmente, um fato incontornável: todo presidente governa com o
Parlamento que tem à mão. Não é de escolha presidencial tal ou qual
Câmara de Deputados ou Senado. É o povo que escolhe os seus
representantes. O presidente da República, este ou qualquer
outro, depara-se com um Poder Legislativo constituído segundo a
soberania popular, conforme um ritual constitucional que passa por
eleições, debates públicos, organizações partidárias e imprensa e meios
de comunicação livres. Se o povo escolhe “bons” ou “maus” deputados,
comprometidos ou não com ilícitos, é problema seu essa sua escolha, e
não do presidente.
Quando assumiu a Presidência da República, Michel Temer viu-se obrigado a formar uma base de apoio na Câmara dos Deputados e no Senado, conforme as relações partidárias existentes. Não poderia ter inventado um novo Poder Legislativo, salvo se tivesse enveredado para uma solução autoritária, o que não fazia evidentemente parte de seus propósitos. Tratava-se de estabelecer as condições de governabilidade e, mais do que isto, de levar adiante um ambicioso programa de reformas. E para realizar esse programa, era-lhe necessário compor uma ampla base parlamentar, sem a qual qualquer projeto seria inviável. É bem verdade que deveria ter tido mais cuidado na escolha de seu ministério, uma vez que vários de seus ministros foram obrigados a deixar os cargos por envolvimento em ilícitos. O problema político, porém, tem um outro viés que merece ser destacado.
O presidente negociou um projeto de reformas, que será, certamente, reconhecido historicamente. Em pouco tempo, muito foi feito, a começar pelo teto dos gastos públicos, a terceirização, a modernização da legislação trabalhista, a reforma do ensino médio, o PPI (Programa de Parcerias de Investimentos), além de continuar avançando na aprovação da reforma da Previdência. A inflação despencou, o PIB voltou a crescer, e o aumento do emprego toma um curso definitivamente ascendente.
O PMDB, ainda antes da ascensão de Temer, via Fundação Ulysses Guimarães, elaborou um programa, o “Ponte para o futuro”, que estabelecia os fundamentos de uma reforma do Estado e da economia, sem desatentar para os seus fatores sociais. Poucos acreditaram, porém o resultado foi a sua implementação pelo novo governo. Assim fazendo, muitos dos programas de corte liberal foram concretizados, deixando partidos que anteriormente os defendiam sem bandeiras. Causou surpresa que o presidente Temer tivesse tido a ousadia de realizar tão amplo processo de reformas, sem contar com base popular para isto. Talvez a questão devesse ser colocada de outra maneira. Ele pode realizar esse conjunto de reformas, precisamente por não contar com tal apoio popular e por visar ao futuro do Brasil, e não às próximas eleições.
Mais concretamente, teria sido muito difícil realizar tal conjunto de reformas contando com a participação popular, visto que essa foi intoxicada pelos 13 anos e meio de lulopetismo. Muito foi prometido e feito, tendo como condição um completo descuido com as finanças públicas. A corrupção tomou conta do aparelho do Estado, e o Brasil foi quase à falência. Eis a herança maldita recebida. E, no entanto, os eleitores acreditaram que fosse possível continuar o distributivismo social, sem criar condições para o aumento da riqueza. O Estado, além de saqueado, foi exaurido. Restava ao presidente a colaboração do Senado e da Câmara dos Deputados. Estabeleceu uma forma de governar baseada na participação parlamentar e partidária. Nenhum governo, nos últimos tempos, tinha enveredado por esse caminho. Alguns chegaram a dizer que o fez ao preço de liberação de emendas parlamentares, quando essas são, desde o governo Dilma, obrigatórias, não estando ao seu arbítrio impedir a sua liberação. Todos os partidos tiveram e terão emendas liberadas, independentemente de serem ou não situação.
O que se coloca, portanto, como questão é a articulação do presidente com os parlamentares e os partidos. E neste quesito, Michel Temer é um exímio articulador, tendo surpreendido os que procuraram derrubá-lo, mormente pelo ex-procurador-geral da República. Demonstrou capacidade ímpar de resiliência. Alguns vaticinavam a sua queda iminente durante meses e semanas, sem que nada tenha acontecido. Temos, então, o que pode parecer como um paradoxo. O presidente da República implementou um moderno projeto de reformas, utilizando-se dos velhos instrumentos da política, contando com baixíssima popularidade. O que, para alguns, parecia impossível tornou-se simplesmente real.
E note-se que o governo, em seu ímpeto reformista, não hesitou, mesmo, em minar alguns dos fundamentos dessa mesma política, como quando enveredou por um corajoso processo de reformas mediante concessões e privatizações, como a, agora, da Eletrobras. O PPI, conduzido pelo ministro Moreira Franco, não é somente um projeto de ajuste fiscal, como alguns têm noticiado, mas de reforma do Estado, tirando empresas da barganha política e concedendo-as a parcerias e privatizações. Serão menores no futuro os cargos que serão objeto de negociação partidária.
A questão, assim colocada, diz respeito não somente ao governo Temer, mas a qualquer governo. O discurso das boas almas defronta-se com o problema concreto de como governar. O próximo governo, qualquer que seja o vencedor, deverá confrontar-se com uma Câmara dos Deputados e um Senado eleitos pelo voto popular. E a nova representação política poderá ser melhor ou pior do que a atual. E o novo presidente deverá igualmente contar com parlamentares não escolhidos por ele. Eis o desafio. Quem erguerá a bandeira de dar prosseguimento ao atual projeto de reformas, não havendo outro que possa assegurar o futuro do país, salvo se o povo optar pelo retrocesso?
Por: Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Quando assumiu a Presidência da República, Michel Temer viu-se obrigado a formar uma base de apoio na Câmara dos Deputados e no Senado, conforme as relações partidárias existentes. Não poderia ter inventado um novo Poder Legislativo, salvo se tivesse enveredado para uma solução autoritária, o que não fazia evidentemente parte de seus propósitos. Tratava-se de estabelecer as condições de governabilidade e, mais do que isto, de levar adiante um ambicioso programa de reformas. E para realizar esse programa, era-lhe necessário compor uma ampla base parlamentar, sem a qual qualquer projeto seria inviável. É bem verdade que deveria ter tido mais cuidado na escolha de seu ministério, uma vez que vários de seus ministros foram obrigados a deixar os cargos por envolvimento em ilícitos. O problema político, porém, tem um outro viés que merece ser destacado.
O presidente negociou um projeto de reformas, que será, certamente, reconhecido historicamente. Em pouco tempo, muito foi feito, a começar pelo teto dos gastos públicos, a terceirização, a modernização da legislação trabalhista, a reforma do ensino médio, o PPI (Programa de Parcerias de Investimentos), além de continuar avançando na aprovação da reforma da Previdência. A inflação despencou, o PIB voltou a crescer, e o aumento do emprego toma um curso definitivamente ascendente.
O PMDB, ainda antes da ascensão de Temer, via Fundação Ulysses Guimarães, elaborou um programa, o “Ponte para o futuro”, que estabelecia os fundamentos de uma reforma do Estado e da economia, sem desatentar para os seus fatores sociais. Poucos acreditaram, porém o resultado foi a sua implementação pelo novo governo. Assim fazendo, muitos dos programas de corte liberal foram concretizados, deixando partidos que anteriormente os defendiam sem bandeiras. Causou surpresa que o presidente Temer tivesse tido a ousadia de realizar tão amplo processo de reformas, sem contar com base popular para isto. Talvez a questão devesse ser colocada de outra maneira. Ele pode realizar esse conjunto de reformas, precisamente por não contar com tal apoio popular e por visar ao futuro do Brasil, e não às próximas eleições.
Mais concretamente, teria sido muito difícil realizar tal conjunto de reformas contando com a participação popular, visto que essa foi intoxicada pelos 13 anos e meio de lulopetismo. Muito foi prometido e feito, tendo como condição um completo descuido com as finanças públicas. A corrupção tomou conta do aparelho do Estado, e o Brasil foi quase à falência. Eis a herança maldita recebida. E, no entanto, os eleitores acreditaram que fosse possível continuar o distributivismo social, sem criar condições para o aumento da riqueza. O Estado, além de saqueado, foi exaurido. Restava ao presidente a colaboração do Senado e da Câmara dos Deputados. Estabeleceu uma forma de governar baseada na participação parlamentar e partidária. Nenhum governo, nos últimos tempos, tinha enveredado por esse caminho. Alguns chegaram a dizer que o fez ao preço de liberação de emendas parlamentares, quando essas são, desde o governo Dilma, obrigatórias, não estando ao seu arbítrio impedir a sua liberação. Todos os partidos tiveram e terão emendas liberadas, independentemente de serem ou não situação.
O que se coloca, portanto, como questão é a articulação do presidente com os parlamentares e os partidos. E neste quesito, Michel Temer é um exímio articulador, tendo surpreendido os que procuraram derrubá-lo, mormente pelo ex-procurador-geral da República. Demonstrou capacidade ímpar de resiliência. Alguns vaticinavam a sua queda iminente durante meses e semanas, sem que nada tenha acontecido. Temos, então, o que pode parecer como um paradoxo. O presidente da República implementou um moderno projeto de reformas, utilizando-se dos velhos instrumentos da política, contando com baixíssima popularidade. O que, para alguns, parecia impossível tornou-se simplesmente real.
E note-se que o governo, em seu ímpeto reformista, não hesitou, mesmo, em minar alguns dos fundamentos dessa mesma política, como quando enveredou por um corajoso processo de reformas mediante concessões e privatizações, como a, agora, da Eletrobras. O PPI, conduzido pelo ministro Moreira Franco, não é somente um projeto de ajuste fiscal, como alguns têm noticiado, mas de reforma do Estado, tirando empresas da barganha política e concedendo-as a parcerias e privatizações. Serão menores no futuro os cargos que serão objeto de negociação partidária.
A questão, assim colocada, diz respeito não somente ao governo Temer, mas a qualquer governo. O discurso das boas almas defronta-se com o problema concreto de como governar. O próximo governo, qualquer que seja o vencedor, deverá confrontar-se com uma Câmara dos Deputados e um Senado eleitos pelo voto popular. E a nova representação política poderá ser melhor ou pior do que a atual. E o novo presidente deverá igualmente contar com parlamentares não escolhidos por ele. Eis o desafio. Quem erguerá a bandeira de dar prosseguimento ao atual projeto de reformas, não havendo outro que possa assegurar o futuro do país, salvo se o povo optar pelo retrocesso?
Por: Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul