Moradores do bairro nobre do Alto de Pinheiros, em São Paulo, relatam transtornos desde a posse do presidente interino
Há pouco mais de dez anos, quando se instalou na mansão onde vive até
hoje em São Paulo, o então deputado Michel Temer procurou ser gentil com
os vizinhos mais próximos. Mandou a eles um vaso de flores. Os anos se
passaram e o entra e sai do parlamentar em nada alterou a rotina do Alto
de Pinheiros, bairro nobre da capital. Desde que assumiu a Presidência
interinamente, no entanto, não só a rotina mas o "casamento" com a
vizinhança estremeceu.
A vizinha Lívia Carvalho, foi, ao lado do marido Henrique, uma das
presenteadas, no passado, pelo mimo do então novo morador. Na semana
passada, o casal não escondia o temor com a presença de manifestantes
que invadiram o bairro para protestar contra o novo governo. - Semana passada ficamos com muito medo por causa das manifestações e dos confrontos entre jovens e policiais - disse Lívia.
Um dos protestos, organizado pela Frente Povo Sem Medo, acabou em
conflito entre manifestantes e a Polícia Militar, que lançou jatos de
água para afastar centenas de jovens que gritavam palavras de ordem
contra o presidente interino. Os atos por ali criaram transtornos para quem chega ou sai de casa.
Ou mesmo para quem usa a pracinha em frente à casa de Temer para
corridas ou caminhadas. Com cones e faixas, parte da rua está isolada.
Para andar por ali é preciso contornar a praça ou se identificar à
polícia para chegar em casa.
Para Henrique e Lívia, Temer é um bom vizinho. No aniversário da
filha deles, ano passado, o casal enviou um cartão pedindo desculpas
pelo barulho. Uma hora depois, Marcela Temer, mulher do presidente,
enviou uma pulseira de flores à filha. - Admiro ele pelo vizinho que é, elegante, delicado. O presidente,
não conheço - disse Lívia, que foi aos protestos na Avenida Paulista
pedir o impeachment de Dilma Rousseff.
Os vizinhos enxergam no agora presidente interino um homem reservado.
Mesmo antes da Presidência, andava de boné com a aba abaixada para não
ser reconhecido. Conhecem mais sua família: Marcela e o filho Michel
passam a maior parte do tempo em São Paulo. A sogra mora na mesma rua.
Os moradores falam de um "bairro família", seguro e tranquilo. Não há
prédios ou comércio. Conforme parecia aumentar a chance de Temer
assumir interinamente a Presidência, mais crescia o número de policiais e
as manifestações em frente à casa.
O jurista Fábio Konder Comparato vive a poucos metros do presidente
interino. Crítico ao governo do vizinho, não se incomoda com os atos:
- Quem tem que se preocupar é ele.
Naquele dia, o filho de Comparato passou pelo bloqueio depois de
mostrar documento. Dias depois, o jurista ficou sabendo que o vigia da
praça não teve a mesma sorte.
- O vigia é negro. Infelizmente, é essa a mentalidade que temos no nosso país.
Fonte: O Globo
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