Ninguém
melhor do que a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal,
para expressar o sentimento de frustração que atinge em cheio os
brasileiros: “Na história recente da nossa pátria, houve um momento em
que a maioria de nós acreditou no mote segundo o qual a esperança tinha
vencido o medo. Depois, nos deparamos com a Ação Penal 470 (o mensalão) e
descobrimos que o cinismo tinha vencido aquela esperança. Agora
constata-se que o escárnio venceu o cinismo”. Nessa síntese está toda a
trajetória dos embusteiros petistas que, desde a primeira eleição de
Luiz Inácio Lula da Silva, prometeram fazer uma revolução ética e social
no Brasil e agora, pilhados em escabrosos casos de corrupção, caçoam da
Justiça e da própria democracia.
O mais recente episódio dessa
saga indecente, ao qual Cármen Lúcia aludia, envolveu ninguém menos que o
líder do governo no Senado, Delcídio do Amaral. Em conluio com o
banqueiro André Esteves, o petista foi flagrado tentando comprar o
silêncio do ex-diretor da Petrobrás Nestor Cerveró, que ameaçava contar o
que sabia sobre a participação de ambos no petrolão.
As palavras
de Delcídio, capturadas em áudio gravado por um filho de Cerveró, são
prova indisputável da naturalidade com que políticos e empresários se
entregaram a atividades criminosas no ambiente de promiscuidade
favorecido pelo governo do PT. Como se tratasse de uma situação trivial –
a conversa termina com Delcídio mandando um “abraço na sua mãe” –, um
senador da República oferece dinheiro e uma rota de fuga para que o
delator que pode comprometê-lo e a seu financiador suma do País. Os
detalhes são dignos de um arranjo da Máfia e desde já integram a
antologia do que de mais repugnante a política brasileira já produziu.
Delcídio
garantiu a seus interlocutores que tinha condições de influenciar
ministros do Supremo Tribunal Federal e políticos em posições
institucionais destacadas para que os objetivos da quadrilha fossem
alcançados. O senador traficou influência. Mas o fato é que, hoje, as
ramas corruptas que brotam do sistema implantado pelo PT se insinuam por
toda a árvore institucional – com raras e honrosas exceções, entre elas
o Supremo, que vem demonstrando notável independência.
Exemplo
do contágio é que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e o
presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), estão sendo
investigados pela Lava Jato. A nenhum dos dois ocorreu renunciar a seus
cargos para que não sofressem a tentação de usar seu poder para
interferir no processo, como já ficou claro no caso de Cunha. Renan,
desta vez, tentou manobrar para que fosse secreta a votação do Senado
que decidiria sobre a manutenção da prisão de Delcídio, na presunção de
que assim os pares do petista o livrariam, criando uma blindagem para os
demais senadores – a começar por ele próprio. Temerosos da opinião
pública, os senadores decidiram votar às claras e manter Delcídio preso.
Enquanto
isso, o PT, com rapidez inaudita, procurou desvincular-se de Delcídio,
dizendo que o partido “não se julga obrigado a qualquer gesto de
solidariedade”, já que o senador, segundo a direção petista, agiu apenas
em favor de si próprio. Se Delcídio tivesse cometido seus crimes para
abastecer os cofres do PT, seria mais um dos “guerreiros do povo
brasileiro”, como os membros da cúpula do partido que foram condenados
no mensalão e no petrolão.
O PT e o governo não enganam ninguém
ao tentar jogar Delcídio aos leões. O senador era um dos principais
quadros do partido, era líder do governo no Senado e um dos
parlamentares mais próximos da presidente Dilma Rousseff e de Lula. Sua
prisão expõe a putrefação da política proporcionada pelo modo petista de
governar.
Também ninguém melhor do que a ministra Cármen Lúcia,
que resumiu a frustração dos brasileiros de bem, para traçar o limite de
desfaçatez e advertir a canalha que se adonou da coisa pública sobre as
consequências de seus crimes: “O crime não vencerá a Justiça” e os
“navegantes dessas águas turvas de corrupção e das iniquidades” não
passarão “a navalha da desfaçatez e da confusão entre imunidade,
impunidade e corrupção”. É um chamamento para que os brasileiros
honestos não aceitem mais passivamente as imposturas dos ferrabrases que
criaram as condições para que se erigisse aqui uma desavergonhada
república de bandidos.
Fonte: Editorial - O Estado de São Paulo
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