Proposta de revisão beneficiará os mais pobres
O benefício do abono salarial surgiu na Constituição Federal de 1988 com o objetivo de complementar a renda dos trabalhadores formais de baixa remuneração. O cenário era outro: o salário mínimo estava extremamente desvalorizado em termos reais, e o Brasil enfrentava uma crise inflacionária. Essa política foi necessária à época, mas não acompanhou as transformações sociais e econômicas do país.
Em dezembro de 1990, ano da regulamentação do abono, o salário mínimo tinha poder de compra quase três vezes menor que em dezembro de 2018. Esse movimento de valorização permitiu uma perda de foco do programa. Se em seu início o abono estava voltado para os trabalhadores de baixa renda, tendo como público potencial beneficiário cerca de um quarto do mercado formal de trabalho coberto pela Relação Anual de Informações Sociais (Rais), atualmente esse referido potencial abrange cerca de metade dos trabalhadores formais cobertos por esse parâmetro. Em 1990, apenas 27% dos trabalhadores formais recebiam até dois salários mínimos, contra 51,7% em 2017, de acordo com a Rais.
Um programa focado no mercado formal e que compreende cerca de metade dos vínculos formais necessariamente acabará incluindo pessoas que não estão nos estratos inferiores de renda da população, que em muitos casos buscam sua sobrevivência na informalidade. Além disso, como o critério de renda é individual, e não familiar, abre-se espaço para que, por exemplo, pessoas de famílias ricas possam receber o abono salarial. Com essas profundas transformações, tornou-se fundamental reavaliar o abono para aprimorar o foco de políticas de transferência de renda, inclusive previdenciária, que ainda não se mostram adequadas para reverter de forma mais eficiente a desigualdade; e ao mesmo tempo garantir o financiamento do seguro-desemprego e das políticas ativas de mercado de trabalho.
Diante desse quadro, para melhorar a eficiência da política, surge a proposta de revisão da regra de acesso ao abono dentro da Proposta de Emenda à Constituição da Nova Previdência, pela qual ficaria restrito aos trabalhadores que atingiram remuneração de até R$ 1.364,43, com todas as demais condições mantidas constantes. O abono terá melhor focalização nos mais pobres e irá atender ainda um número significativo de trabalhadores. A maior focalização do abono nos mais pobres implica, também, melhora do perfil distributivo do benefício. Estudos mostram que há grande representação dos beneficiários do abono na metade da população que ganha mais. A alteração do critério de renda proposto carrega consigo maior participação dos trabalhadores pertencentes aos estratos mais baixos da distribuição de renda. Portanto, a alteração melhorará o caráter distributivo do abono.
No tocante ao avanço da despesa, a cobertura do abono apresentou crescimento em termos reais expressivos, com aumento na quantidade de benefícios em mais de cinco vezes em comparação com o início da década de 1990. O custo do benefício também aumentou de forma insustentável, não apenas pelos reajustes do salário mínimo, mas também por esse crescimento vegetativo dos beneficiários. O gasto com pagamentos do abono salarial passou de R$ 327 milhões no ano calendário 1994/1995 para R$ 16,7 bilhões em 2017/2018.
As estimativas de impacto realizadas pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia indicam que, com a melhor focalização do abono salarial, será possível uma economia de R$ 76,4 bilhões ao longo dos próximos dez anos. Fora a questão da sustentabilidade fiscal, a mudança irá permitir melhor priorização nos mais pobres e maior espaço fiscal para o financiamento do seguro-desemprego e das políticas ativas de mercado de trabalho. Assim, a alteração proposta para o abono salarial é simultaneamente a modernização e o reforço dos preceitos originais da política, pois busca a redução da pobreza e da desigualdade de renda, mas com mais foco e mais eficiência no uso do recurso público.
Rogério Marinho, Ministério da Economia - Folha de S. Paulo
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