Presidente francês afirma que comentário de Bolsonaro sobre a mulher dele, Brigitte, foi 'triste', 'desrespeitoso' e 'uma vergonha' para as mulheres brasileiras
O presidente da França, Emmanuel Macron, reagiu nesta
segunda-feira a um comentário feito no Facebook pelo presidente Jair
Bolsonaro, que no sábado endossou a postagem de um internauta que
zombava da mulher de Macron, Brigitte,
24 anos mais velha
que o chefe de Estado francês. Em entrevista coletiva ao lado do presidente do Chile, Sebastián Piñera, Macron disse que o
comentário
sobre Brigitte foi "triste" para os brasileiros, uma "vergonha" para as
mulheres brasileiras e "extremamente desrespeitoso". Afirmou ainda que
"respeita" os brasileiros e que espera que "eles tenham muito
rapidamente um presidente que se comporte à altura" do cargo.
— O que eu posso dizer a vocês? É triste, é triste, mas é em primeiro
lugar triste para ele e para os brasileiros — afirmou o presidente
francês.
No sábado, um seguidor postou foto dos casais Macron e Bolsonaro em um post no Facebook do presidente brasileiro, com a legenda: “Agora entende por que Macron persegue Bolsonaro?”. O presidente brasileiro respondeu: “Não humilha cara. Kkkkkkk”. A postagem do seguidor foi acompanhada de uma montagem: de um lado, Emmanuel Macron e sua mulher Brigitte; e, do outro, o presidente brasileiro e sua mulher, Michelle, 27 anos mais jovem que o chefe de Estado do Brasil.
A resposta de Bolsonaro viralizou e foi repercutida na imprensa francesa, que criticou a atitude sexista do presidente. Brigitte tem 66 anos, e Macron 42. Na sua campanha para a Presidência, em 2017, Macron já havia reagido a comentários sobre o assunto, dizendo que, se ele tivesse 20 anos a mais, “ninguém pensaria por um segundo que não poderíamos estar legitimamente juntos”.
Na entrevista ao lado de Piñera, Macron disse que cada dirigente é eleito por seu país, mas que era obrigado a constatar que houve, sem dúvida, "um mal-entendido com o presidente Bolsonaro", que, segundo sua avaliação, descumpriu a promessa de zelar pelo meio ambiente. Ele mencionou, ainda, o episódio ocorrido no final de julho em que o brasileiro cancelou na última hora um encontro em Brasília com o chanceler francês, Jean-Yves le Drian, e foi ao barbeiro , de onde fez uma transmissão ao vivo.
— Eu o encontrei uma primeira vez e ele me falou, uma mão sobre o coração, que tudo faria pelo reflorestamento e o engajamento com o Acordo de Paris para poder assinar o acordo do Mercosul com a União Europeia, e 15 dias depois fazia o contrário demitindo cientistas. Pode-se dizer que não me falou a verdade. Algumas semanas depois, teve um compromisso de urgência no cabeleireiro quando deveria receber nosso ministro das Relações Exteriores. E, ontem, considerou que era uma boa ideia que um de seus ministros da República fizesse insultos a minha pessoa — disse Macron, referindo-se ao ministro da Educação, Abraham Weintraub. [os franceses são tidos como 'refinados' e devem conhecer o protocolo diplomático que não obriga um Chefe de Estado - Bolsonaro - a se encontrar com um chanceler = um ministro de Estado.
O chanceler é que se arvorou, certamente por ser francês, igual ou superior ao Presidente da República Federativa do Brasil, pleiteando um encontro sem agendamento prévio (e sem justificar), quando o seu igual no Brasil é o chanceler Ernesto Araújo.]
No domingo, em sua conta no Twitter, Weintraub disse que Macron é "um calhorda oportunista buscando apoio do lobby agrícola francês". Ele comparou Macron ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a quem chamou de "Le Ladrón": "Ferro neste Macron, não no povo francês", escreveu o ministro da Educação.
Em sua fala, o presidente francês prosseguiu:
— E ele [Bolsonaro] fez comentários extraordinariamente desrespeitosos em relação a minha esposa. O que posso dizer? É triste. Mas é triste, sobretudo, para ele e os brasileiros. Penso que as mulheres brasileiras têm, sem dúvida, vergonha de seu presidente. Penso que os brasileiros, que são um grande povo, têm um pouco vergonha de ver esse comportamento. Eles esperam, quando se é presidente, que se comporte bem em relação aos outros. Tenho muito respeito e admiração pelo povo brasileiro, e espero muito rapidamente que eles tenham um presidente que se comporte à altura — afirmou.
Macron anunciou ainda uma ajuda financeira de € 20 milhões e também apoio militar para combater os incêndios na Amazônia, respeitando a soberania de cada país da região, mas construindo uma governança que inclua diferentes atores.[confiamos que as Forças Armadas do Brasil NÃO ACEITARÃO o apoio militar dos franceses e nem de nenhum outro país;
quanto a governança proposta pelo francês é desnecessária - cada país cuidará da parte da Amazônia em seu território e a política externa do Brasil não é assuntos dos entes federativos brasileiros.
Na América do Sul, onde Macron pode ter ingerência é a Guiana Francesa.]
— A Amazônia é uma floresta repartida entre nove Estados. Juridicamente falando, cada Estado é soberano. E cada Estado possui também suas regras. São Estados federais em que as regiões têm um papel importante. Quando o ministro das Relações Exteriores, Jean-Yves Le Drian, viajou ao Brasil em julho, encontrou vários governadores, que são também bastante engajados nesse tema. O Exército brasileiro também foi bastante mobilizado para proteger a floresta que é tão importante para o país. Creio que não se deve esquematizar uma posição brasileira. Há a soberania de cada Estado que deve ser respeitada, e há em cada Estado competências. Devemos construir uma iniciativa que permitirá reflorestar a Amazônia, mas que seja respeitosa da soberania de cada um, do papel das regiões, e a Guiana Francesa será plenamente associada, dos estados do Brasil, dos povos nativos, que são os que fazem viver essa floresta há milênios, e que não podem ser excluídos dessa transição. É preciso encontrar a boa governança.
O presidente francês deixou ainda em aberto o debate sobre a internacionalização da Amazônia:
— Associações, ONGs e também certos atores jurídicos internacionais levantaram a questão de saber se é possível definir um status internacional da Amazônia. Não é o caso de nossa iniciativa, hoje, mas é um verdadeiro caso que se coloca se um Estado soberano tomasse de maneira clara e concreta medidas que se opõem ao interesse de todo o planeta. Há um todo um trabalho jurídico e político a ser feito. Mas creio poder dizer que as conversas que o presidente Sebastián Piñera (Chile) teve com o presidente Jair Bolsonaro não vão nesse sentido. Acredito que ele tem consciência dessa importância. Em todo caso, tenho essa esperança. Mas é um tema que permanece aberto e continuará a prosperar nos próximos meses e anos. A importância é tão grande no plano climático que não se pode dizer que “é apenas o meu problema”.
Fernando Eichenberg, especial para O Globo
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