Ana Cristina Rosa
Ser negro bem-sucedido incomoda muita gente; o que pouca gente sabe é que essa pessoa se incomoda também
Considerando que o ser negro por si só já incomoda muita gente, não é preciso ter uma mente brilhante para imaginar que, quando se trata de alguém bem-sucedido, o incômodo é ainda maior. O que pouca gente sabe é que essa pessoa se incomoda também. E não é pouco. Queira ou não, o sucesso de um negro é automaticamente convertido em exemplo, uma referência — para o bem ou para o mal. Queira ou não, um negro que “venceu na vida” passa a exercer uma espécie de representação racial outorgada compulsoriamente. Deixa de ser único para virar um símbolo da coletividade.
E ainda tem de conviver com aquele olhar que oscila da surpresa ao descrédito numa velocidade similar à da luz sem perder a fidalguia. Afinal de contas, ninguém aguenta mais esse “mimimi” de preto e pardo alegando preconceito e discriminação racial. Ah! Que cansaço que dá. A maioria não faz ideia do quanto é exaustivo. Mas deixa isso pra lá. Afinal de contas, uma pessoa negra de sucesso também não pode reclamar. Até porque, vai reclamar do que se está ocupando um espaço que todos — o que inclui, claro, os não negros— almejam alcançar?
Tem outra coisa. No “exercício da representação”, não pode se
entregar a pensamentos mais leves, discorrer sobre temas considerados
efêmeros, como beleza, porque isso é visto como um não assunto. E pretos
e pardos que conquistaram lugar de fala não podem se dar ao luxo de
desperdiçar espaço tratando de algo subjetivo. Como se a vida fosse um
dado objetivo —o que não é. Mas a vida do negro tem de ser. E não há
tempo a perder.
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