"O que falta é uma Carta atualizada, enxuta, menos passível de interpretações [criativas, mutáveis e adaptáveis] de Ricardo Lewandowski ou Davi Alcolumbre"
Os ventos do plebiscito no Chile atravessaram os Andes e chegaram ao
Brasil. O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), defendeu
num evento jurídico um plebiscito para perguntar ao povo se está
satisfeito com esta Constituição ou quer outra melhor.
O que falta é uma
Carta atualizada, enxuta, menos passível de interpretações de Ricardo
Lewandowski ou Davi Alcolumbre.
Uma Constituição que se baste e dispense
interpretações. São 250 artigos, mais 95 disposições transitórias e 107
emendas em apenas 32 anos. Para a maior potência do planeta, bastam
sete artigos, com 27 emendas em 230 anos. [O objetivo maior, ou único, da turma que produziu a 'constituição cidadã' foi - e a depender da turma do 'quanto pior, melhor' = continuará sendo - o de apresentar uma 'constituição' minuciosa, detalhista, permitindo judicializar tudo, de forma absurda para explicar cada detalhe.
É público e notório que explicação, entendimento, cada um tem o valendo o ditado: "quanto mais explicação, mais complicação".
Um único exemplo: O artigo 142 da Constituição tem uma redação clara, mas, se estende em detalhar o que já detalhou e com isto abre portas para muitas interpretações = os gênios constituintes tiveram o desplante de inserir no § 1º daquele artigo uma determinação de que uma lei complementar daria os detalhes.
A LC foi editada - LC 97/99 - e com isso a turma do "se é possível complicar, para que facilitar?" passou a alegar que uma LC está abaixo da Constituição.
Uma pegadinha para dar margens a interpretações criativas e convenientes a interesses não republicanos.
Seria bem mais simples determinar que naquele caso uma PEC substituiria a LC - com isto impediria que uma voz solitária, sustentada por um autoritarismo absoluto = absolutismo absurdo e antidemocrático = interpretasse o artigo de forma autocrática.]
Por aqui, uma decisão singular da ministra Cármen
Lúcia, de 2013, em liminar, mexe com bilhões de reais em royalties de
petróleo, e o plenário do Supremo ainda vai votar isso no próximo 3 de
dezembro. E se derrubar? Vigora até hoje liminar do ministro Joaquim
Barbosa, que renunciou ao Supremo Tribunal Federal, em 2014, suspendendo
uma emenda constitucional que cria quatro tribunais regionais federais.
Um único ministro do Supremo é mais forte que o poder constituinte do
Congresso.
Como confiar na base jurídica e legislativa do Brasil?
A Constituição de 1988 ainda foi feita sob a ressaca do
período militar. O então deputado José Genoíno, um dos mais ativos
constituintes, me disse, em fins de 1989, que “se soubéssemos que iria
cair o Muro de Berlim, não teríamos feito esta Constituição”. O dínamo
da Constituinte, Nélson Jobim, me disse que os criminosos comuns foram
brindados com direitos por causa de uma “síndrome do preso político”.
O
constituinte Delfim Netto, um frasista, me disse que “como a saúde é
direito de todos e dever do Estado, quando eu tiver diarreia vou
processar o governo”.
A Constituição tem 166 direitos individuais e
coletivos e apenas 18 deveres. Não há dever que consiga sustentar tanto
direito.
Criou uma mistura de sistema presidencial com
parlamentar; sistema híbrido, portanto infértil. Detalhista, trata até
do sabonete e do papel higiênico: no art. 7º, fala que o salário mínimo
tem que abranger “moradia, alimentação, educação, saúde, lazer,
vestuário, higiene, transporte e previdência social”. Estabelece o que
nem as leis cumprem: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza” (art.5º, caput). Logo depois, o art.6º estabelece que
“são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o
lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à
infância, a assistência aos desamparados”. [sob a égide do artigo 5º é que o tacão do STF validou as cotas raciais = não se deu ao trabalho de pelo menos reescrever o artigo.
Foi também por falta de um 'apenas' no texto constitucional que o Supremo nos impôs a união entre pessoas do mesmo sexo.]
Faltou dizer quem paga. O
constituinte Roberto Campos disse que “o problema brasileiro nunca foi
fabricar Constituições, sempre foi cumpri-las”.
Alexandre Garcia, jornalista - Coluna no Correio Braziliense
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