Em meio a mortes e destruição na Ucrânia, potência amplia poder de influência no embate com os americanos pela hegemonia mundial
Antes de jogar no lixo séculos de avanço civilizatório e atacar a Ucrânia, Putin tratou de estrategicamente reforçar os laços com a China, o grande pilar do lado Oriental capaz de lhe dar guarida contra as forças do Ocidente. Único líder de peso a prestigiar a abertura da Olimpíada de Inverno de Pequim, em fevereiro, ele aproveitou o palco para formar dupla com o presidente Xi Jinping. Os dois tiveram “discussões calorosas” e condenaram “a interferência de forças externas em assuntos de países soberanos”. A amizade entre Rússia e China “não tem limites”, afirmou Xi. Àquela altura, as tropas russas já contornavam a fronteira ucraniana, mas o governo chinês, da mesma forma que a maioria dos analistas, devia achar que o bote, se fosse dado, seria rápido e certeiro considerada a imensa superioridade militar. O que se viu, no entanto, foi uma resistência feroz, aliada a um eficiente fluxo de mísseis, drones e equipamentos supridos pelo Ocidente, que freou o avanço dos invasores.
Ao mesmo tempo, europeus e americanos estrangularam a economia russa fechando os bancos e instituições financeiras a todo tipo de transação com o país, congelaram suas reservas, empreenderam uma cruzada contra os oligarcas bilionários que sustentam o regime e cortaram o fornecimento de produtos cruciais, como chips e equipamentos da indústria petrolífera. Quase todas as grandes marcas internacionais, do McDonald’s à Shell saíram da Rússia, unindo-se à indignação contra a invasão (leia a coluna de Vilma Gryzinski) Diante da inesperada reação, a China, mais que depressa, tratou de corrigir sua rota, se movimentando com mestria em seu próprio xadrez chinês — o jogo de tabuleiro que envolve uma batalha tática.
A posição de Pequim, por ora, é não se comprometer com nenhum lado. O Ministério das Relações Exteriores declarou que a Ucrânia tem direito à soberania sobre seu território, mas simultaneamente se recusou a censurar a Rússia na Assembleia-Geral da ONU. “O pragmatismo da diplomacia chinesa é antigo, vem desde os tempos de Mao Tsé-tung”, lembra Jude Blanchette, especialista do Center for Strategic and International Studies, de Washington. O chanceler Wang Yi garantiu que seu país vai respeitar as sanções internacionais contra a Rússia, mas a operadora de cartões chinesa UnionPay está pronta para ocupar
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A China é uma potência industrial, mas carece de recursos naturais. A Rússia é o exato oposto. A aproximação entre os dois traz para a China a vantagem extra de ter onde comprar armas, um dos poucos setores em que a Rússia mantém superioridade. Até pouco tempo atrás, Moscou relutava em fornecer aos chineses, notórios copiadores de projetos alheios, mas agora a situação mudou. “Com boa parte do mundo unida para punir a Rússia, a economia já sofre um duro golpe, e o apoio econômico da China é fundamental”, diz Helena Legarda, analista do Mercator Institute for China Studies, com sede em Berlim. Enquanto assume cautelosamente a posição de salvadora da pátria russa, a China trabalha para manter intacta sua ponte para a Europa, cuidadosamente construída por Xi Jinping. Ao longo da última década, os chineses investiram pesado na expansão de empresas para o pujante mercado europeu. “Para assumir a dianteira da globalização, a China sabe que precisa de uma economia aberta e integrada”, avalia Salvatore Babones, sociólogo da Universidade de Sidney.
No rearranjo do tabuleiro mundial, a Europa surge como peça fundamental entre o Ocidente e o Oriente. Os bombardeios incessantes sobre a Ucrânia, que arrasaram cidades como Mariupol e Kharkiv, chegaram nos últimos dias à capital, Kiev, atingindo prédios e aterrorizando civis. O presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, depois de pedir admissão imediata na Otan — o que por um lado lhe daria tremendo poderio bélico e, por outro, poderia desencadear a III Guerra Mundial —, admitiu que seu país provavelmente nunca entrará na aliança, o que atende a uma das principais exigências russas. “Passamos anos ouvindo que a porta estava aberta, mas agora dizem que não podemos entrar. E é verdade”, falou Zelensky, pouco antes de trilhar mais uma etapa de seu périplo virtual pelos Parlamentos aliados, desta vez dirigindo um dramático apelo por mais armas e mais ajuda aos congressistas americanos reunidos na Casa Branca.
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