Guilherme Lopes
Salários baixos, delegacias fechadas, falta de armas e viaturas e um déficit de 15 mil policiais provocam o sucateamento da Polícia Civil do Estado mais rico do país
Segundo uma reportagem do Jornal da Cidade, em agosto de 2021 a Delegacia de Defesa da Mulher de Batatais contava com apenas um funcionário: uma escrivã, que aguardava em breve a publicação da aposentadoria. Não havia delegado titular nem investigadores. Para o trabalho prosseguir, o local dependia do apoio de outros servidores de municípios vizinhos, que acumulavam funções. A atendente de farmácia ficou desamparada.
Batatais não é um caso isolado. Um levantamento realizado pelo Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (Sindpesp) revelou que mais de 300 cidades paulistas têm delegacias, mas não têm delegados fixos. Para cobrir a falta de profissionais, um delegado responde pela titularidade de vários distritos de cidades vizinhas, inviabilizando o pronto atendimento às vítimas e comprometendo a eficácia do serviço prestado.
No Estado mais rico do país, a Polícia Civil padece de investimentos. Viaturas abandonadas, delegacias sem infraestrutura necessária, banheiros interditados ou improvisados, prédios com rachaduras e falta de policiais para atender a população. “A estrutura da polícia é de falência, abandono, sucateamento e péssimos salários”, disse o delegado Palumbo, vereador pelo MDB em São Paulo, que por anos viveu de perto essa realidade.
30 anos de desvalorizaçãoNo final de 2021, o Sindpesp visitou distritos em todo o interior do Estado para ouvir dos policiais os principais problemas enfrentados no trabalho diário. Os depoimentos revelam o descaso do Poder Público com a segurança. “Cerca de 40% dos policiais trabalham sem coletes a prova de balas, faltam armas, as frotas de viaturas estão sucateadas e muitos prédios funcionam sem as mínimas condições de atendimento”, afirma Raquel Kobashi Gallinati, presidente do sindicato.
São Paulo destinou, nos últimos quatro anos, cerca de R$ 4 bilhões por ano para as despesas da Polícia Civil. No entanto, os recursos para expansão e adequação de infraestrutura (como construções e reformas das unidades policiais) variaram desde 2019. Segundo o orçamento estadual, há quatro anos o governo tinha reservado apenas R$ 25 milhões para a recuperação dos prédios públicos. No ano seguinte, o valor chegou a quase R$ 40 milhões. Em 2021, o montante saltou para R$ 70 milhões e, neste ano — da disputa eleitoral —, o recurso mais que dobrou, chegando a cerca de R$ 160 milhões.
De acordo com o levantamento realizado pelo Sindicato dos Investigadores (Sipesp), em 2019, o Estado do Rio de Janeiro investiu proporcionalmente mais que o dobro que São Paulo em segurança pública. Enquanto o Estado paulista investiu R$ 260 por habitante, o Rio gastou mais de R$ 560. “Infelizmente, os 30 anos de PSDB em São Paulo contribuíram para a desvalorização da polícia”, disse o deputado federal Guilherme Derrite (Progressistas).
Déficit: 15 mil policiaisPela primeira vez na história, o quadro de servidores da polícia paulista atingiu um déficit de 15 mil homens.
A realidade da Polícia Civil paulista não deve melhorar no curto prazo. Um dos motivos apontados para o baixo interesse pela carreira de investigador é o salário pago no Estado de São Paulo. “Muitos desistiram no meio do caminho e outros que tomaram posse e se depararam com a realidade da polícia civil paulista abandonaram”, disse João Batista Rebouças, presidente do Sipesp.
(...)O pior salário do Brasil
Entre os delegados paulistas, a situação é ainda mais vergonhosa. A categoria recebe o pior salário inicial do país, com valor de R$ 10,3 mil. Mato Grosso (R$ 24,9 mil), Alagoas (R$ 21,8 mil) e Goiás (R$ 21,6 mil) são os que melhor remuneram os delegados em início de carreira.
“A desvalorização financeira, que em nada reflete a importância dos profissionais da Segurança Pública para a sociedade, foi acentuada nos últimos anos”, afirmou Gallinati. “É o reflexo de uma política de sucateamento da Polícia Civil iniciada há muito tempo, no final dos anos 1990”.
Recentemente, o Estado anunciou uma recomposição salarial de 20% para os policiais, o que recupera as perdas da inflação acumuladas no atual governo. Mas o reajuste ainda mantém os policiais paulistas entre as piores remunerações. “O governador João Doria anunciou um aumento em fevereiro, mas esse reajuste de 20% não é suficiente para ele cumprir a promessa de campanha”, disse o vereador Palumbo. “Na época, Doria disse que a polícia de São Paulo teria os melhores salários do país”, lembrou.
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A Secretaria de Segurança Pública (SSP) do Estado informou que não comenta levantamentos realizados pelos sindicatos da categoria, cuja “metodologia desconhece”. O governo afirmou que investe continuamente na “valorização, ampliação e recomposição do efetivo policial”.
“Desde o início da gestão de João Doria, 12,8 mil policiais foram contratados.” No entanto, a SSP não especifica quantos são civis e quantos são militares. Segundo a pasta, “outras 5,6 mil vagas foram abertas”. Sobre a falta de estrutura, a secretaria afirmou que já reformou 89 unidades policiais e outras 177 estão em reforma ou com os projetos em andamento, com previsão de entrega até o fim de 2022. Mais uma vez, os fatos derrubam as justificativas.
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Guilherme Lopes, colunista - Revista Oeste - MATÉRIA COMPLETA
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