Alexandre Garcia
O bloqueio do Telegram, que atingiu de 50 a 70 milhões
de brasileiros, e seu desbloqueio, dois dias depois, deixou algumas
mensagens telegráficas para a cidadania. Primeiro, que não se respeita a
Constituição, sob o silêncio vergonhoso de muitos. Alegando questões
administrativas, na verdade se faz censura, contrariando o artigo 5º,
cláusula pétrea, que assegura a livre manifestação do pensamento, vedado
o anonimato, e garante a inviolabilidade das comunicações; e o art.
220, que proíbe a censura ou qualquer restrição sobre a informação e a
expressão sob qualquer forma, processo ou veículo.
Se for para pegar um
criminoso, por calúnia, injúria, difamação, pedofilia, tráfico, por
plataformas digitais, que se descubra o autor para flagrá-lo, mas é
exorbitante punir genericamente quem usa a plataforma para conversar ou
exercer sua profissão. Isso é censura prévia, além de pressupor que
todos são suspeitos. Isso contraria os mais primeiros princípios de
direto.
Segundo, porque em país livre não há tutores da
cidadania; não há um Big Brother, como no livro de Orwell, a criar um
Ministério da Verdade. Impossível um regime democrático ter alguém que
determine, acima da Constituição, o que as pessoas podem ver, ouvir, ler
e dizer. Terceiro, porque o único dono da Constituição é o povo;
a
Constituição atribui ao Supremo a guarda da lei maior — são os Onze
Zelotes, os zeladores dessa arca da aliança com a democracia, que é a
Constituição, que Ulisses chamava de cidadã. Mas não são eles que podem
mudá-la. O Congresso é que tem esse poder, mas o Congresso se conseguir
60% dos votos de cada Casa, em duas votação cada uma.
Mas impossível
mudar cláusula pétrea, como é o art. 5º, já tantas vezes desobedecido, a
não ser com a eleição de uma nova assembleia constituinte. No entanto,
testemunhamos uma série de gravíssimas infrações à Constituição, desde o
pretexto da pandemia, incluído até o desrespeito à inviolabilidade do
mandato parlamentar, sob o silêncio vergonhoso do Congresso.
É óbvio, mas é preciso relembrar que, para fazer leis
ou mudá-las, só com mandato popular conferido aos deputados e senadores.
Para governar, exercer a administração pública, só tendo dezenas de
milhões de votos para eleger um presidente da República.
Assim, legislar
e administrar é para quem tem voto, mandato conferido pelo povo, que é a
origem do poder.
Está nos dois primeiros artigos da Constituição e fala
em três poderes independentes e harmônicos. Harmonia é quando um poder
respeita a independência dos outros.
Entre os poderes, uns fiscalizam os
outros, e todos são fiscalizados pelo cidadão eleitor e pagador de
impostos.
O Legislativo fiscaliza os demais poderes; em especial o
Senado fiscaliza e pode julgar ministro do Supremo, mas há um clamor
contra o silêncio daquela Casa.
Senadores cobraram, e o presidente do Senado, Rodrigo
Pacheco, postou que "descumprir a Constituição, aviltá-la e criticá-la
severamente como se fosse um pedaço de papel, é algo muito nocivo para o
nosso país. Constituição não é apenas um pedaço de papel. Ela deve ser
respeitada e cumprida por todos". Só não citou a quem ele se dirige.
Não
lembro de críticas severas à Constituição, a ponto de merecer essa
citação, mas não cumpri-la, não é apenas "algo muito nocivo", é crime
contra a maior das leis.
Se praticado por autoridade, exige providência
legal.
Fico imaginando se o presidente do Senado pretende apenas aplacar
os senadores que cobram dele uma posição de defesa da Constituição
contra os que deveriam protegê-la, mas a ignoram. Mas palavras não
substituem atos.
Alexandre Garcia, colunista - Correio Braziliense
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