Gazeta dos Povos
Decisão Monocrática
Bolsonaro durante a assinatura da sanção do projeto do piso salarial dos enfermeiros.| Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil.
No dia 4 de maio de 2022, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei (PL) originário do Senado que criou o piso nacional da enfermagem, com o voto favorável de 449 deputados federais. Seguindo-se o rito do processo legislativo, o PL foi encaminhado ao presidente da República que o sancionou, e a Lei 14.434/2022 foi publicada em 5 de agosto de 2022.
O piso salarial foi fixado em R$ 4.750 para enfermeiros, sendo 70% desse valor para técnicos de enfermagem e 50% para auxiliares de enfermagem e parteiras, e teria aplicabilidade a partir do próprio dia 05 de agosto. Contudo, no dia 4 de setembro de 2022, o ministro do STF Luís Roberto Barroso, de forma liminar, suspendeu os efeitos da lei que fixou esse piso.
A questão foi levada ao Supremo através de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) apresentada pela Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Estabelecimentos e Serviços (CNSaúde), sob alegação de que a lei seria inconstitucional, pois deveria ter sido de iniciativa do presidente da República – uma vez que define remuneração de servidores – e que a norma teria desrespeitado a auto-organização financeira, administrativa e orçamentária dos entes subnacionais. Acolhendo estes argumentos, o ministro Barroso determinou a suspensão da lei. [EM SUMA: um ministro do STF, que não recebeu um único voto em eleições diretas, tem poderes para de forma individual, suspender (na prática anular, visto que a suspensão vale por tempo indeterminado) uma lei aprovada por 449 deputados (quase 90% do total de deputados) por 71 votos no Senado Federal e sancionada pelo presidente da República que recebeu quase 60.000.000 de votos e considerando que os deputados receberam, no mínimo, uns 50.000.000 de votos = 110.000.000 = no sistema democrático brasileiro, uma canetada suprema, ainda que monocrática, vale pelo voto de mais de 100.000.000 de eleitores.]
De acordo com nosso sistema jurídico, cabe ao Supremo declarar a inconstitucionalidade de eventual lei, entretanto, essa decisão não poderia ter sido proferida de forma monocrática, pois não é isso que está previsto em nossa legislação.
No caso em análise, o Poder Legislativo cumpriu sua função, pois analisou um projeto de lei apresentado, discutiu a nova proposta no Senado e na Câmara dos Deputados; votou e aprovou o novo projeto (concordemos ou não com ele, foi aprovado pela imensa maioria do Congresso Nacional). Encaminhado o PL ao presidente da República, este sancionou o projeto de lei, e o promulgou, tornando-se uma nova lei. Agora, a pergunta: o Poder Judiciário – no caso o STF – poderia suspender a eficácia de uma lei?
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Devemos salientar ainda que o piso da enfermagem foi aprovado pelo voto de 71 senadores e 449 deputados federais, e contou com a sanção do presidente da República, sendo estes 521 agentes públicos representantes do povo que os elegeu.
O voto dos parlamentares eleitos democraticamente pela população foi desconsiderado pela decisão de um único ministro, através de uma decisão monocrática, em liminar, e sem que todos os membros da Suprema Corte tenham se manifestado.
Na minha análise, isso caracteriza uma não observância da lei, e também o não respeito ao Princípio da Tripartição dos Poderes, cuja harmonia foi prejudicada diante de uma decisão judicial em desrespeito à atividade legislativa e à sanção presidencial. Aguardemos como irão se posicionar os demais ministros do STF.
Thaméa Danelon, Procuradora da República (MPF) - Coluna Gazeta do Povo
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