Na noite deste dia 8, encerramos nosso editorial sobre os lamentáveis atos de vandalismo na Praça dos Três Poderes afirmando que “o crime dos invasores deste domingo não pode servir de pretexto para uma escalada repressora que extrapole o estritamente necessário para a elucidação e a punição do ‘Capitólio brasileiro’”.
Infelizmente, não foram necessárias nem mesmo 12 horas para que essa escalada começasse com novas decisões que ofuscam os limites de cada poder. Se a intervenção federal na segurança pública do Distrito Federal, a nosso ver correta, está dentro das competências do Poder Executivo, o mesmo não se pode dizer do afastamento do governador Ibaneis Rocha (MDB), decretado pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal sem que tivesse sido solicitado nem pela Advocacia-Geral da União, nem pelo “procurador-geral da República de fato”, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).
Na decisão, Moraes afirma que houve “conduta dolosamente omissiva”, pois o governador teria dado “declarações públicas defendendo uma falsa ‘livre manifestação política em Brasília’ – mesmo sabedor por todas as redes que ataques às instituições e seus membros seriam realizados”. O ministro do STF ainda lembrou a Lei Orgânica do Distrito Federal, que em seu artigo 101 lista os crimes de responsabilidade que podem ser cometidos pelo governador, entre os quais estão atos que atentem contra “o livre exercício do Poder Executivo e do Poder Legislativo ou de outras autoridades constituídas” (inciso II) e “a segurança interna do País e do Distrito Federal” (inciso IV). O afastamento de Ibaneis por Moraes desorganiza um processo que deveria ocorrer em respeito à lei e ao devido processo legal, atropelando etapas e novamente usurpando funções de outros poderes
No entanto, a mesma lei diz, em seu artigo 60, que “Compete, privativamente, à Câmara Legislativa do Distrito Federal: (...) XXIV – processar e julgar o governador nos crimes de responsabilidade” (destaque nosso). Ou seja, se Ibaneis cometeu crime de responsabilidade ligado ao vandalismo cometido pelos manifestantes do dia 8, isso é assunto para o Legislativo estadual do DF, não para o STF. A corte suprema, aliás, não tem competência sobre o governador nem mesmo no caso dos crimes comuns, já que, pelo artigo 103 da mesma Lei Orgânica do Distrito Federal, “admitida acusação contra o governador, por dois terços da Câmara Legislativa, será ele submetido a julgamento perante o Superior Tribunal de Justiça, nas infrações penais comuns, ou perante a própria Câmara Legislativa, nos crimes de responsabilidade”.
Ou seja, não bastou, neste caso, a Moraes agir como investigador (e um investigador particularmente genial, pois chegou a conclusões definitivas sobre a responsabilidade de Ibaneis em pouquíssimas horas), acusador e julgador, papéis aos quais ele já está acostumado após quase quatro anos de inquéritos abusivos. Agora, o ministro assumiu, sozinho, também o papel da totalidade dos deputados distritais, a quem caberia analisar um processo de impeachment de Ibaneis e suspendê-lo no caso de a denúncia ser aceita.
Veja Também:
A insensatez dá ao Brasil um Capitólio para chamar de seu (editorial de 8 de janeiro de 2023)
Um país de suspeitos até prova em contrário (editorial de 6 de janeiro de 2023)
A decisão, no entanto, não chama a atenção apenas pela interferência no Legislativo do Distrito Federal, mas também por sua seletividade, pois a culpa foi imputada apenas às autoridades distritais, ainda que a Força Nacional de Segurança Pública estivesse autorizada a agir pela Portaria 272/2023 do Ministério da Justiça e Segurança Pública, assinada no dia 7 pelo ministro Flávio Dino.
Na decisão, Moraes afirma que houve “conduta dolosamente omissiva”, pois o governador teria dado “declarações públicas defendendo uma falsa ‘livre manifestação política em Brasília’ – mesmo sabedor por todas as redes que ataques às instituições e seus membros seriam realizados”. O ministro do STF ainda lembrou a Lei Orgânica do Distrito Federal, que em seu artigo 101 lista os crimes de responsabilidade que podem ser cometidos pelo governador, entre os quais estão atos que atentem contra “o livre exercício do Poder Executivo e do Poder Legislativo ou de outras autoridades constituídas” (inciso II) e “a segurança interna do País e do Distrito Federal” (inciso IV). O afastamento de Ibaneis por Moraes desorganiza um processo que deveria ocorrer em respeito à lei e ao devido processo legal, atropelando etapas e novamente usurpando funções de outros poderes
No entanto, a mesma lei diz, em seu artigo 60, que “Compete, privativamente, à Câmara Legislativa do Distrito Federal: (...) XXIV – processar e julgar o governador nos crimes de responsabilidade” (destaque nosso). Ou seja, se Ibaneis cometeu crime de responsabilidade ligado ao vandalismo cometido pelos manifestantes do dia 8, isso é assunto para o Legislativo estadual do DF, não para o STF. A corte suprema, aliás, não tem competência sobre o governador nem mesmo no caso dos crimes comuns, já que, pelo artigo 103 da mesma Lei Orgânica do Distrito Federal, “admitida acusação contra o governador, por dois terços da Câmara Legislativa, será ele submetido a julgamento perante o Superior Tribunal de Justiça, nas infrações penais comuns, ou perante a própria Câmara Legislativa, nos crimes de responsabilidade”.
Ou seja, não bastou, neste caso, a Moraes agir como investigador (e um investigador particularmente genial, pois chegou a conclusões definitivas sobre a responsabilidade de Ibaneis em pouquíssimas horas), acusador e julgador, papéis aos quais ele já está acostumado após quase quatro anos de inquéritos abusivos. Agora, o ministro assumiu, sozinho, também o papel da totalidade dos deputados distritais, a quem caberia analisar um processo de impeachment de Ibaneis e suspendê-lo no caso de a denúncia ser aceita.
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A decisão, no entanto, não chama a atenção apenas pela interferência no Legislativo do Distrito Federal, mas também por sua seletividade, pois a culpa foi imputada apenas às autoridades distritais, ainda que a Força Nacional de Segurança Pública estivesse autorizada a agir pela Portaria 272/2023 do Ministério da Justiça e Segurança Pública, assinada no dia 7 pelo ministro Flávio Dino.
Ora, se Ibaneis tinha informações de inteligência afirmando que haveria uma tentativa de invasão do Planalto, do Congresso e do Supremo, é de se supor que também o governo federal as tivesse.
Se a Força Nacional não estava presente em número suficiente, ou se não agiu com a firmeza necessária para impedir a invasão das sedes dos três poderes, não seria também o caso de apontar a responsabilidade daqueles a quem a Força Nacional responde?
A intervenção federal decretada no domingo já era suficiente para que houvesse os meios de restituir a ordem no centro do poder federal e para que pudesse haver a “investigação profunda e criteriosa” e “a devida punição aos responsáveis” que também pedimos neste espaço na noite de domingo. O afastamento de Ibaneis por Moraes, no entanto, desorganiza um processo que deveria ocorrer em respeito à lei e ao devido processo legal, atropelando etapas e novamente usurpando funções de outros poderes. Por mais que não se possa descartar de imediato alguma responsabilidade do governador, ela deveria ser cuidadosamente apurada por aqueles a quem a lei reserva essa competência de forma privativa, e não desta forma precipitada.
A intervenção federal decretada no domingo já era suficiente para que houvesse os meios de restituir a ordem no centro do poder federal e para que pudesse haver a “investigação profunda e criteriosa” e “a devida punição aos responsáveis” que também pedimos neste espaço na noite de domingo. O afastamento de Ibaneis por Moraes, no entanto, desorganiza um processo que deveria ocorrer em respeito à lei e ao devido processo legal, atropelando etapas e novamente usurpando funções de outros poderes. Por mais que não se possa descartar de imediato alguma responsabilidade do governador, ela deveria ser cuidadosamente apurada por aqueles a quem a lei reserva essa competência de forma privativa, e não desta forma precipitada.
Editorial - Gazeta do Povo
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