Silvio Navarro
Cercado de aliados medíocres, Lula completa seis meses no cargo sem projetos para o país, sem votos no Congresso e sem contato com o povo
Lula e Alckmin com os ministros empossados no dia 1º de janeiro de 2023 | Foto: Ricardo Stuckert
Em março deste ano, quando o governo dava os primeiros sinais de que havia pifado na largada, o presidente Lula participou de uma grande recepção para os prefeitos em Brasília. Àquela altura, o petista já precisava justificar a escolha de ministros sem nenhuma aptidão para o ofício e a reciclagem de projetos ultrapassados. Lula afirmou sem rodeios: “Prefiro um político competente do que um técnico. Porque o político entende um pouco de tudo, e muitas vezes o técnico não entende de nada”.
Por que a frase causou desconforto aos prefeitos, secretários municipais e alguns funcionários de carreira? Porque é um retrato fiel de um governo desengonçado e sem quadros qualificados para funções técnicas. O resultado tem efeito na ponta: desestimula a profissionalização das administrações municipais, deixando os prefeitos com dificuldades para conseguir recursos dos ministérios — porque não encontram os programas para encaixar suas demandas. Pior: ao bater à porta dos gabinetes de deputados da região, ouvem que eles também não têm diálogo com o governo.
Isso ocorre porque Lula montou o Ministério sem planejamento. Não tinha um plano de governo na campanha. Não tinha nomes pré-selecionados para ocupar funções se fosse eleito. O resultado foi o aparelhamento vertical de empresas, autarquias e bancos públicos. Os cargos foram distribuídos em duas colunas: a da companheirada, tomada pelo PT e seu braço sindical, a Central Única dos Trabalhadores (CUT); e a ala mais ideológica e raivosa, que revelou ao país a existência de militantes do Partido Comunista do Brasil em pleno século 21.
Esse segundo grupo é liderado pelo ministro Flávio Dino (Justiça e Segurança Pública). Ele abandonou a magistratura para seguir carreira como político comunista no Maranhão. Já afirmou, mais de uma vez, que manda nas Polícias Federal, Rodoviária, no combate ao crime organizado, na vigilância de fronteiras e demais frentes de inteligência. É a favor do desencarceramento em massa nas cadeias e quer a população desarmada. Quando o chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Gonçalves Dias, caiu por ser flagrado nas cenas do 8 de janeiro no Palácio do Planalto, foi Dino quem indicou um assessor para substituí-lo interinamente.
Lula tem uma espécie de dívida de gratidão com Dino. Ele foi um dos mentores do grupo de advogados conhecido como “Prerrogativas”, que atuou no Supremo para tirar o petista da prisão, reabilitá-lo juridicamente para disputar a eleição e demolir a Lava Jato nos tribunais. Hoje, Dino cuida da sintonia entre a Polícia Federal e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que já prendeu 1,5 mil pessoas no país.Lula, durante a posse de Flávio Dino como ministro da Justiça e Segurança Pública | Foto: Ricardo Stuckert/PR
Nesta semana, a Presidência da República nomeou Gleide Andrade de Oliveira para o conselho da Itaipu Binacional. Ela é tesoureira do PT. O salário é de R$ 37 mil para participar de uma reunião a cada dois meses. Não é a primeira vez que isso acontece: João Vaccari Neto, que misturava as finanças do PT com o Petrolão — conhecido por cobrar o “pixuleco” —, ocupou o mesmo posto.
A parte brasileira da empresa foi tomada pelo partido. O diretor-geral é o deputado paranaense Enio Verri, indicado por Gleisi Hoffmann. Os demais assentos do conselho ficaram para os ministros Fernando Haddad (Fazenda), Rui Costa (Casa Civil) e Esther Dweck (Gestão). A remuneração é considerada em Brasília um complemento para os salários dos ministros — de R$ 40 mil.
Mas há casos que ganharam holofotes até da velha mídia pelo despudor. Por exemplo, a nomeação do ex-governador do Acre Jorge Viana para a Apex (agência de promoção do Brasil no exterior), com salário de R$ 65 mil, passagens aéreas e benefícios. O estatuto da empresa foi alterado, porque o petista não cumpria a exigência de ser fluente em inglês. Em vez de optar por um curso rápido do idioma, o governo mobilizou a Advocacia-Geral da União (AGU) nos tribunais para que ele não perdesse o emprego.
Derrotado nas urnas, Fernando Pimentel, ex-governador de Minas Gerais, ficou com a presidência da Empresa Gestora de Ativos S.A. (Emgea), vinculada ao Ministério da Fazenda. A Emgea cuida da gestão de ativos — bens e direitos — da União e de entidades da administração pública federal. O salário começa em R$ 42 mil.
A fragilidade técnica em detrimento dos conchavos políticos fica evidente numa simples busca pelas ações dos ministros nesses seis meses
O MST conseguiu o comando da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) com o gaúcho Edegar Pretto, além de trocar 19 superintendentes estaduais do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) da gestão passada. Os líderes do movimento também não precisam agendar audiências porque foi criado um ministério para atendê-los, a cargo de Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário).
Ministério fantasma
A fragilidade técnica em detrimento dos conchavos políticos fica evidente numa simples busca pelas ações dos ministros nesses seis meses. O titular da Educação, Camilo Santana, só aparece nas manchetes da imprensa para lamentar os assassinatos brutais ocorridos em escolas ou anunciar a abertura de concursos públicos.
Santana não sabe o que fazer até agora, por exemplo, com o Novo Ensino Médio — prorrogou a consulta pública por mais 30 dias. Pressionado pelos sindicatos de professores, o governo do PT barrou a proposta do ex-ministro Mendonça Filho, da gestão Michel Temer, que ampliava a carga horária e oferecia aulas profissionalizantes para o mercado de trabalho em vez de disciplinas empoeiradas. Camilo Santana obedeceu os sindicalistas e depois ficou paralisado porque não tem uma proposta.
Algumas pastas importantes, como Saúde e Cidades, têm parte dos seus orçamentos demarcados por programas antigos. Lula reciclou o Mais Médicos — usado no passado para enviar dinheiro a Cuba — e o Minha Casa Minha Vida. O público-alvo na habitação, desta vez, mudou: sai o pobre, entra a classe média.
“O cara que ganha R$ 10 mil, R$ 12 mil, R$ 8 mil, esse cara também quer ter uma casa e esse cara quer ter uma casa melhor”, disse o petista nesta semana. A ideia é abrir linhas de crédito para imóveis de até R$ 500 mil. São faixas de financiamento muito acima do modelo desenhado para as camadas mais pobres.
Sem nenhum canteiro de obras para visitar, Lula tem falado em ressuscitar o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), marco da maior enganação em infraestrutura do país desde a redemocratização. Para ganhar eleições, a dupla Lula-Dilma prometeu desembolsar R$ 1,5 trilhão em cimento, mas executou só 18% das 30 mil obras. O dinheiro dos projetos foi drenado pela corrupção de políticos e empreiteiras descoberta pela Operação Lava Jato.
Outro exemplo de como Lula governa no retrovisor é o programa de incentivo ao carro popular, similar aos anos de Itamar Franco na virada da década de 1990. O petista não levou em conta que o chamado carro de entrada (faixa mais barata) não tem o mesmo apelo do passado e que os jovens, hoje, optam por transporte público ou aplicativos de mobilidade. Tampouco a medida foi bem recebida por montadoras de veículos, que sugeriram retirar os airbags e outros dispositivos de segurança para baratear os carros. É um episódio que também demonstra falta de interlocução com o empresariado. O vice-presidente, Geraldo Alckmin, seria o responsável por essa área, mas ele parece estar com a cabeça em outro lugar.
Ao menos dois ministros frequentam páginas de denúncias há meio ano. Por alguma razão ainda desconhecida, Lula não consegue se livrar deles. A ministra do Turismo, Daniela do Waguinho — referência ao nome do marido, prefeito de Belford Roxo (RJ) —, é acusada de ter laços com milicianos. O outro é Juscelino Filho (Comunicações), que usou verba pública para visitar uma feira de cavalos e construir estradas nas cercanias de sua fazenda e mandou chips de celulares para terras ianomâmis — onde não existem antenas de telefonia.
A promessa da área econômica é que o Produto Interno Bruto (PIB) vai dar uma guinada de crescimento por causa do “arcabouço fiscal”, algo que o ministro Fernando Haddad não conseguiu explicar o que é. Na prática, o Congresso vai autorizar o governo a gastar um pouco mais do que o teto atual, desde que os parlamentares fiquem com uma fatia do bolo. Quem vai produzir o texto, no final das contas, serão os parlamentares.
Personagens chamadas para o primeiro escalão pelo apelo midiático, Marina Silva, Simone Tebet e a indígena Sônia Guajajara, tiveram seus poderes limitados pelos ajustes do Congresso à medida provisória dos ministérios. Hoje, são figuras decorativas — e causam dor de cabeça porque reclamam disso publicamente.
Na Cultura, além de cumprir a promessa de abrir o cofre para a classe artística que fez campanha, o único feito foi a inauguração de um letreiro na Esplanada.
Governo Lula atingiu o seu ápice hoje. Inaugurou um letreiro. Capaz de ter editorial no Jornal Nacional. pic.twitter.com/R2rbvjbRR7— Paulo Eduardo Martins (@PauloMartins10) March 30, 2023
No campo diplomático, o governo é desastroso. Lula nomeou o chanceler Mauro Vieira, mas segue as ordens do assessor para Assuntos Internacionais, Celso Amorim. É dali que surgem falas a favor da Rússia na guerra contra a Ucrânia, críticas ao dólar como moeda corrente internacional, afagos à China e desrespeito a Israel por causa da defesa da Palestina. O auxiliar defendeu a recepção ao ditador venezuelano Nicolás Maduro. Qualquer bate-papo com Celso Amorim é uma viagem no tempo.
A exemplo do que fazia Jair Bolsonaro, Lula resolveu fazer lives semanais sobre ações do governo. As transmissões são comandadas pelo jornalista Marcos Uchôa, ex-Globo, hoje na Empresa Brasil de Comunicação (EBC). As duas primeiras foram um fiasco de público — de 6 mil a 8 mil interessados. Na última delas, o presidente disse que faria um balanço dos seis meses na Cadeira, mas não levou nenhum dado e pediu paciência à população. “Governar é como plantar uma árvore. Você planta uma árvore frutífera, tem de aguar, tem que ter sol e tem que esperar os frutos aparecerem. Primeiro aparece uma flor, depois, um botão. Depois esse fruto vai crescendo, vai ficando bom, vai ficando maduro, e a gente come. Já sabemos o que fazer daqui para a frente.”
(Lula, durante balanço do seu governo)
Gabinete da Janja
Na semana passada, a primeira-dama, Janja, se irritou com uma reportagem do jornal O Estado de S. Paulo. A publicação relatava o que se ouve em qualquer corredor do Congresso Nacional: Janja toma decisões de governo e interfere em várias áreas.
Uma nota do colunista Lauro Jardim, no jornal O Globo, por exemplo, citava a dificuldade de ministros e parlamentares em almoçar com Lula sem a presença de Janja à mesa. Padilha reagiu nas redes sociais: “Muito bem, Janja! Aviso a todas e todos, almoçar com quem se ama e defender uma alimentação saudável faz muito bem para a saúde! Precisamos do PR Lula sempre saudável e feliz. Faz bem para vocês, para o governo e para todo o Brasil”.
Sem uma equipe que o ajude a sair do atoleiro, sem votos no Congresso, vaiado nas ruas e sem público na internet, Lula tem optado pelo aeroporto. Nesta semana, o presidente que já chegou ao poder como o que mais viajou na história — 146 viagens, com escalas em países diferentes —, foi a Roma e ao Vaticano. Janja ainda não tinha uma foto com o papa.
Leia também “O lado oculto do 8 de janeiro”
Silvio Navarro - colunista - Revista Oeste
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