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domingo, 18 de junho de 2023

Um índio esquecido na prisão - Revista Oeste

Cristyan Costa

Com comorbidades, cacique Serere é mantido preso na Papuda, mesmo com pedido de soltura feito pela PGR

José Acácio Serere Xavante | Foto: Reprodução/Redes Sociais

Sinais visíveis de depressão, 20 quilos a menos, visão turva e dores musculares constantes em virtude da diabetes avançada. Esse é o estado de saúde de José Acácio Serere, cacique da tribo Xavante, preso na Papuda a mando de Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). O indígena de 42 anos foi parar atrás das grades por supostamente liderar “atos antidemocráticos” em Brasília, em protesto à eleição do presidente Lula.
 A prisão temporária, que deveria durar dez dias, completou seis meses nesta semana — e não tem data para terminar. Isso porque, com o fim do prazo estabelecido pela lei, Moraes agiu de ofício e renovou a prisão de Serere sem consultar o Ministério Público Federal ou outras autoridades.
 
Geovane Pessoa, um dos advogados do cacique, rebate as acusações de que Serere praticou crimes. Ele lembra que, em março, Lindora Araújo, vice-procuradora-geral da República e responsável pelo requerimento de prisão do indígena ao STF no fim do ano passado, reiterou um pedido de soltura a Moraes. “‘Dona’ do caso, a PGR não vê mais motivos para Serere ficar no cárcere”, disse Pessoa. “Mesmo assim, com todos os argumentos, o ministro sentou em cima do processo, e não temos uma decisão até agora.”

Tampouco os pedidos para mudar o cardápio de Serere receberam a atenção da Justiça. 
O indígena tem de comer alimentos específicos, de modo a evitar a piora da diabetes. A defesa conta que, há algum tempo, entrou com requerimentos solicitando mudanças na alimentação. Não houve resposta. Nem mesmo a carta que Serere publicou, na qual pede desculpas pelas ofensas proferidas contra Moraes, sensibilizou o ministro. 
No documento, o indígena afirma que “nunca defendeu ruptura democrática”, mas, sim, criticou a vitória de Lula na eleição de 2022. Declarou também que não acredita na violência como método de ação política. “Entendo que o amor, o perdão e a conciliação são os únicos caminhos possíveis para a vida em sociedade”, afirma Serere, no texto.

Antes da carta, Serere divulgou um vídeo pedindo a seus apoiadores para não cometerem violência ou vandalismo como reação à sua prisãoNas imagens registradas direto da sede da Polícia Federal em Brasília, o cacique aparece falando em sua língua nativa, o aquém. “Não venha fazer conflito, briga ou confronto com autoridades policiais”, orientou o indígena. Na ocasião, a capital federal sofrera com ataques a prédios públicos e destruição de carros e lixeiras. Os atos teriam sido cometidos por Serere liderando apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro. Nas redes sociais, contudo, circulam imagens de pessoas denunciando a presença de black blocs e gente não pertencente a movimentos de direita.

Vida no cárcere
Atualmente, o indígena divide uma cela apertada com outros dez detentos, compartilha a toalete, não tem banhos quentes e, às vezes, dorme sentado para revezar os colchões escassos.
Inicialmente, não recebia visitas dos familiares e amigos. 
Serere só conseguiu ver sua mulher, Sueli, 90 dias depois de ser preso, graças a Pessoa e Levi de Andrade (este último saiu do caso há 15 dias), que assumiram a defesa do indígena. Sua família destituiu a primeira advogada, Jéssica Tavares, acusada de não trabalhar adequadamente e de ser filiada a uma sigla de esquerda. 
A cada 15 dias, Sueli e os filhos percorrem cerca de mil quilômetros, de carro, para ver Serere. A família mora em Campinápolis (MT), cidade onde o cacique atuava como pastor evangélico e missionário de um movimento religioso.

Sueli acompanha tudo desde o início e teme pela vida do marido na Papuda. Segundo ela, Serere teve um mal súbito na cadeia, fruto do estresse constante. A saúde do indígena piora a cada dia. Laudo assinado pelos médicos Nicole Hasegawa e José Glória constatou que o cacique apresenta “risco de insuficiência renal, retinopatia, amputação de membros e coma híper ou hipoglicêmico”. “O paciente está fora dos padrões de cuidados de sua saúde, podendo apresentar complicações inerentes à dieta inapropriada, alterações do seu aspecto psicoemocional, podendo evoluir para doenças até agora inexistentes, que poderão ser questionadas futuramente, como resultado de falta de cuidados imprescindíveis à sua raça e meio ambiente”, diz o documento enviado à Justiça há meses.

A Funai o esqueceu. Nenhuma associação que diz representar os “povos originários” nem o Ministério dos Povos Indígenas, chefiado por Sônia Guajajara, prestou solidariedade ou ajuda ao cacique.

Prisioneiro esquecido
Em dezembro de 2022 e em maio deste ano, ocorreram dois atos pacíficos pela soltura de Serere realizados por indígenas de sua tribo, além de outras etnias. O primeiro protesto se deu em frente ao STF, o outro aconteceu na Esplanada dos Ministérios. Na manifestação mais recente, o grupo liderado pelo indígena Delfim Tsererówẽse se encontrou com o senador Luis Carlos Heinze (PP-RS) e pediu providências sobre o caso. Outros parlamentares são procurados para tomar ciência da condição do cacique, mas poucos têm se engajado em sua defesa, com exceção da deputada federal Sílvia Waiãpi (PL-AP), que tem feito pronunciamentos sobre o indígena, além de criticar a prisão.

Levi de Andrade, ex-advogado de Serere, afirma que a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) nada fez por Serere. “A Funai o esqueceu”, disse Andrade. Ele observou que nenhuma associação que diz representar os “povos originários” nem o Ministério dos Povos Indígenas, chefiado por Sônia Guajajara, prestou solidariedade ou ajuda ao cacique. Ao tomar posse no comando da pasta, Sônia prometeu cuidar de todos os indígenas e se autoproclamou porta-voz de seus semelhantes. “Muitos povos indígenas vivem uma verdadeira crise humanitária em nosso país, e agora estou aqui para trabalharmos juntos, para acabar com a normalização desse estado inconstitucional que se agravou nestes últimos anos”, disse na ocasião. “Este ministério chega comprometido com a promoção de uma política indígena em todo o território nacional.”

Conforme Pessoa, há pouco a fazer no momento, visto que o STF ignora os pedidos feitos pela defesa. “Infelizmente, o que nos resta a fazer é esperar Moraes decidir”, disse. Serere vive situação semelhante à de outros manifestantes presos no 8 de janeiro. 
Muitos ainda continuam detidos na Papuda e na Colmeia. 
A maioria já conseguiu liberdade provisória, mas usa tornozeleira eletrônica e precisa cumprir uma série de medidas restritivas. 
Se conseguir deixar o cárcere com vida, Serere provavelmente será mais um na multidão que se tornou prisioneira do medo no Brasil sem ter cometido nenhum crime previsto na Constituição.

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