Análise Política
Em meio à acomodação política, um achado, nem tão novo assim, é a
mudança gravitacional das forças envolvidas na formação de uma base
política para o governo. Acontece com qualquer governo em alguma das
esferas da federação.
A mudança decorre da abolição, pelo Judiciário, do financiamento
empresarial das campanhas eleitorais. E de uma constatação: as
contribuições das pessoas físicas são um infinitésimo do que eram as das
empresas.
O objetivo de todo agente político é ampliar seu poder, ou ao menos
manter. É natural, portanto, que a atividade dele incline-se para
beneficiar quem é mais capaz de ajudá-lo a avançar, ou ao menos
continuar onde está se for legalmente possível.
Campanhas custam dinheiro. A utopia de campanhas eleitorais imunes ao
dinheiro é tão viável quanto seria, apenas como exemplo, a de um
jornalismo que, para se manter totalmente isento, abrisse mão da receita
publicitária vinda de governos e empresas que cabe a esse jornalismo
fiscalizar.
Quem tem hoje dinheiro para financiar legalmente uma campanha eleitoral
cara, como são as majoritárias e, na maioria dos casos, as
proporcionais, aqui por causa do sistema de lista aberta que tem o
estado como distrito? Os governos e os partidos.
Neste segundo grupo, sem a exigência de qualquer mecanismo democrático de decisão.
Os governos controlam o fluxo financeiro para os parlamentares por meio
das emendas aos orçamentos, recursos que, repassados às bases
eleitorais, alimentam as máquinas políticas. E os donos dos partidos têm
o poder de decidir quem vai ter ou não dinheiro na eleição.
Argumentar-se-á que dinheiro não é tudo, que o político precisa se guiar
também pelo que pensa o eleitor. Mas mesmo isso é relativo, pois o
eleitor pode perfeitamente alinhar-se pela política macro na eleição
majoritária e caminhar mais pragmaticamente na proporcional.
É o que tem acontecido. As eleições proporcionais, tirando alguns pontos
fora da curva de supercampeões de voto “de opinião”, fenômeno que tem
se concentrado na direita, acabam cada vez mais determinadas por bases
orgânicas articuladas em torno de recursos orçamentários.
E o ciclo virtuoso, para os beneficiados, se realimenta.
Daí uma certa estabilidade na composição político-ideológica da Câmara
dos Deputados. A consequência é a relativa autonomização da
representação parlamentar. [autonomização que pode não existir - se o governo tiver grande proximidade com o Judiciário] Um governo, qualquer um, tem de ser muito
turrão ou incompetente para ter problemas sérios com seu parlamento.
Mas precisa saber jogar, pois algo ainda não inventado é o político
satisfeito com o que recebe do governo e grato ao governante. É uma
permanente guerra de posição, que em administrações muito impopulares
corre o sério risco de virar guerra de movimento.
A esse jogo costuma-se chamar “articulação política”. Eis por que a
inocência de acreditar que ela e as relações entre governo e base
parlamentar dependem de “mais diálogo”, “carinho” ou “atenção”. É uma
guerra permanente por recursos e posições que gerem recursos.
A autonomização da representação popular pode ser lida como mecanismo de
“checks and balances” ou como enfraquecimento da democracia. De todo
modo, o Brasil é um exemplo quase extremo desse descasamento entre a
vontade popular expressa na eleição majoritária e a realidade
parlamentar dos governos eleitos.
Haveria mecanismos para corrigir isso. Um deles, de aplicação simples:
calcular a representação no parlamento a partir dos votos dados aos
candidatos ao cargo executivo.
Mas as resistências seriam grandes.
Vindas principalmente de quem se nutre das “denúncias de fisiologismo”
para manter a faca no pescoço dos políticos, mas se sustenta nesse dito
fisiologismo para relativizar que a vontade popular se expresse nas
políticas de governo.
Alon Feuerwerker, jornalista e analista político
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