Revista Oeste
Com produtos que vão de uma cachaça estampada com o rosto de Lula a um açúcar mais caro que picanha, os sem-terra querem alimentar o Brasil
Alguns produtos vendidos pelo MST | Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock
Num
bairro central da cidade de São Paulo existe uma loja da marca Armazém
do Campo.
A proposta da rede é vender a produção dos assentados do MST.
Na teoria, as prateleiras deveriam ser forradas por alimentos plantados
pelas mãos dos militantes do grupo. Na prática, os assentamentos não
conseguem produzir sequer todos os produtos oferecidos na cesta básica.
O
público e os preços se assemelham aos de um empório chique da capital
paulista.
Na semana passada, o açúcar da reforma agrária à venda no
Armazém do Campo vinha do coco. “Supersaudável e gostoso”, garantiu uma
consumidora vestida com uma camiseta estampada com a imagem de Lula,
boné de Che Guevara na cabeça e uma bolsa a tiracolo com a frase “o amor
venceu”. O preço: R$ 31,98 por 250 gramas. Ou seja: quase R$ 130 o
quilo — nem a picanha seria tão cara.
Açúcar de coco à venda na loja do MST, Armazém do Campo, por R$ 31,98 o pacote de 250 gramas | Foto: Artur Piva/Revista Oeste
Do que tem, falta tudo
A
cesta com os alimentos fundamentais para o consumo das famílias é
formada por pão francês, carne, leite, feijão, arroz, farinha, batata,
tomate, café em pó, banana, banha ou óleo, açúcar e manteiga.
No empório
do MST não há pão. Assim como não existe metade dos produtos dessa
lista. A outra metade é vendida por mais do dobro do preço médio.
“A
produção de carne ainda é muito pequena e distante”, disse um rapaz de
Santa Catarina ao tentar justificar a ausência da proteína.
Filho de
assentados em seu Estado de origem, ele comentou estar na loja cumprindo
uma missão dada pelo MST. “Funciona assim: eles pedem para migrarmos
conforme precisam de gente nos lugares”, disse. “Daí, vim para cá.”
Ele
reconheceu que nem tudo à venda vinha dos assentamentos. “A gente
procura alguns parceiros para suprir as faltas”, disse.
Ele garantiu,
porém, que a escolha acontecia somente entre os fornecedores alinhados
com os valores dos sem-terra.
Armazém do Campo, loja do MST | Foto: Artur Piva/Revista Oeste
Bibelôs da revolução
Três
prateleiras à frente, azeites importados da Espanha e da Itália (cerca
de R$ 50 por um vidro com meio litro) dividiam o espaço com o café da
reforma agrária: R$ 49,98 por um pacote de 500 gramas da marca Guaií
Sustentável.
A poucos metros dali, numa grande rede de supermercados, o
café do agronegócio era vendido na mesma quantidade por R$ 17.
Azeites importados à venda na loja do MST | Foto: Artur Piva/Revista Oeste
No armazém do MST, o café Guaií (500 gramas) custa R$ 46,98 | Foto: Artur Piva/Revista Oeste
Ao
lado, um freezer da Heineken com as latas de cerveja estampadas com
fotos de Fidel Castro, Olga Benário e Antonio Gramsci.
Quem quisesse uma
bebida mais forte — e mais cara — podia comprar uma garrafa de meio
litro da cachaça Vidas Secas, com o rótulo homenageando Lula.
O
MST se apresenta como o maior produtor de arroz orgânico do Brasil.
A
venda de acessórios é um dos negócios em destaque.
Logo na entrada do
armazém, começa uma área para vendas de souvenir. Ela é forrada com
camisetas com a cara do Lula, canecas e garrafas com o emblema do PT,
além de guardanapos e bonés do MST.
O arroz e o feijão, dois itens
imprescindíveis na mesa das famílias brasileiras, ficam quase escondidos
no fundo da loja.
Um
pacote com 1 quilo de feijão carioca dos assentamentos custa quase R$
15.
No supermercado, o mesmo alimento sai por menos de R$ 10.
No pé de
uma prateleira esquecida, um saco de arroz orgânico de 5 quilos estava à
venda por pouco menos de R$ 38. No mercado, a mesma quantidade do
produto sai por R$ 25.
Verdade opressora?
A
safra dos assentados, contudo, que em 2022 fechou em 15,5 mil toneladas,
não conseguiria alimentar o Brasil nem por um único dia
De
acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), hoje
aparelhada por companheiros do MST, os brasileiros consomem cerca de
13,5 milhões de toneladas em um ano. Ou seja: 18,5 mil toneladas a cada
12 horas.
Além
disso, foram necessárias quase 300 famílias sem-terra, todas
localizadas no Rio Grande do Sul, para conseguir as 15,5 mil toneladas.
Fazendo uma regra de três, seriam necessárias quase 150 mil famílias
para igualar a produção.
Para
ter uma base, toda a agropecuária gaúcha emprega por volta de 100 mil
trabalhadores com carteira assinada para produzir um leque extenso de
alimentos.
A começar por 7,6 milhões de toneladas de arroz — 500 vezes
mais que o MST.Cachaça com o rosto de Lula estampado no rótulo, à venda no armazém do MST | Foto: Artur Piva/Revista Oeste
No mundo real
Em
2022, o agronegócio gaúcho, longe das terras invadidas, gerou 25
milhões de toneladas de grãos.
Além do oceano de arroz, volumes
gigantescos como 3 milhões de toneladas de milho, 5,7 milhões de
toneladas de trigo e 9 milhões de toneladas de soja — carro-chefe da
agricultura nacional.
Aparentemente,
para os sem-terra, a soja também é o carro-chefe. Somando todas as
terras sob o comando dos assentados, a colheita desse grão é estimada em
2,4 milhões de toneladas. Isso é 60 vezes menos que a safra do grão
gerado nas lavouras do agronegócio brasileiro.Arroz orgânico do MST (5 quilos), vendido a R$ 37,49 | Foto: Artur Piva/Revista Oeste
Pobres e ricos precisam comer
A
safra de soja colhida no país é a maior do mundo. Haveria um desastre
em escala global caso o Brasil dependesse da produção do MST para o
plantio da cultura.
O
grão é um dos mais utilizados no planeta. Vai soja até em pneu de
carro, pasta de dente e chocolate, além de diversos outros itens e da
dependência da indústria de proteína animal.
A redução da produção
brasileira geraria uma devastação em cadeia e um verdadeiro apagão
alimentar.
Um
dos grandes motivos dos chineses serem os maiores importadores da soja
brasileira é manter o maior rebanho de porcos do mundo.
Não bastasse
isso, a disponibilidade dessa leguminosa no mercado interno faz do
Brasil o maior exportador de carne de frango do planeta.
Colocando
as ideologias de lado, a população mundial precisa comer.
O MST pode
até ter uma butique gourmet, mas é o agronegócio que alimenta a
humanidade. Fachada do Armazém do Campo | Foto: Artur Piva/Revista Oeste
Leia também “O fim da propriedade privada”
Artur Piva, colunista - Revista Oeste
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