Paulo Polzonoff Jr.
A
confiabilidade das torradeiras está sendo novamente questionada pelo
presidente Jair Bolsonaro. E está sendo mais uma vez reafirmada
enfaticamente pelo Judiciário.
De um lado, uma dúvida que,
independentemente de ser ou não paranoica na origem, está por aí.
No ar,
no éter. De outro, a arrogância inexplicável e teimosia idem de todo um
grupo que existe justamente para garantir que sobre as eleições e suas
torradeiras maravilhosas não paire qualquer dúvida - por mais infundada
que ela pareça.
Torradeiras.| Foto: Abdias Pinheiro/TSE
Numa conversa recente com amigos bem mais velhos do que eu, fui
levado a lembrar que as torradeiras,
ao contrário do que diz a campanha do TSE,
nunca foram exatamente uma
unanimidade. Se temos essa impressão,
é porque aqueles eram outros
tempos.
Tempos de calmaria política, de estabilidade econômica e de
tranquilidade com a queda razoavelmente recente do Muro de Berlim. "A
gente achava que era impossível alguém continuar comunista depois de ver
as torneiras de ouro dos governantes da Alemanha Oriental", disse um
deles.
Apesar do clima geral de alienação,
sempre houve quem olhasse com
desconfiança
para as torradeiras. Nem que essa desconfiança nascesse de um espírito
que misturava nostalgia, tradição e uma pitadinha de ludismo.
Hoje a gente gosta de rir dos
luditas porque eles eram basicamente contra as máquinas que permitiram a
Revolução Industrial e, à la Boulos, invadiam as fábricas destruindo tudo. E
por “tudo” leia-se “principalmente teares”, que eram o ápice da tecnologia da época.
É muito fácil, com o olhar contemporâneo, ridicularizar essas pessoas. Mas a
gente não pode esquecer que o sustento e o estilo de vida delas estavam sendo
ameaçados por uma geringonça sem alma.
E nem chegava a ser uma torradeira
dessas que o TSE jura por tudo o que é mais sagrado que são seguras.
Avançando
um pouco no tempo, do começo à metade do século XX temos a “era de ouro
da ficção científica”, gênero que consagrou muitos escritores de
imaginação exuberante e estilo sofrível.
E, em essência, do que fala a
ficção científica?
Da relação sempre complicada entre o homem e a
tecnologia criada pelo homem.
E nem por isso filmes e livros com
máquinas malvadas são considerados luditas.
É natural, pois, que muita
gente se sinta profundamente ameaçada quando se trata de confiar o
destino de um país a máquinas tão simples quanto torradeiras.
Em
relação às nossas torradeiras, a dúvida é natural. Naturalíssima. De
uma naturalidade tão grande que há não mais de uma década os próprios
parlamentares, representantes democraticamente eleitos da população,
aprovaram uma norma que determinava que o pãozinho torrado eletrônico
viesse acompanhado por um paõzinho torrado físico, verificável. Em 2015,
porém, os ministros do STF, talvez deslumbrados com o potencial
ideológico da manipulação sutil das torradeiras, deram início à teimosa
iniciativa de garantir a legitimidade das eleições na marra.
Inatural
é a teimosia nascida da soberba tecnocrata. Uma arrogância que ignora
um desejo que você pode considerar “retrógrado”, irracional, equivocado,
mas que é autêntico dentro da ordem democrática: o desejo de ver suas
ideias devidamente representadas por meio do voto.
O quanto esse desejo é
ilusório
não está em questão aqui. O que está em questão é a recusa inexplicável
das autoridades competentes.
Uma recusa que tem potencial para jogar o
país num abismo maior ainda.
Afinal,
se as torradeiras derem a vitória ao ex-presidiário Lula (toc, toc, toc),
a legitimidade de uma eleição que tem por base apenas a canetada do
ministro Edson Fachin e a fé na tecnologia das torradeiras será,
evidentemente, questionada. Ou melhor, negada e rejeitada por uma parcela nada desprezível da população.
Nesse ambiente, não se pode esperar de um presidente eleito legalmente, mas ilegitimamente, que ele governe o país em paz.
Porque não haverá paz. E, na falta de paz, os governos tendem a usar o que lhes resta: a força.
A
crer na honestidade dos ministros & suas torradeiras infalíveis,
resta a hipótese não menos absurda de que STF e TSE agem movidos pela
empáfia, pelo desprezo aos sentimentos – insisto: legítimos – de parte
da sociedade, e pela certeza
(essa, sim, infundada) de que a história reserva aos ministros um lugar
de honra pela defesa arrogante que eles fazem dessa democracia com
contornos muito particulares.
Paulo Polzonoff Jr. , - colunista - Gazeta do Povo - VOZES