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quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

Os jihadistas de gênero estão descontrolados - Revista Oeste

Brendan O'Neill, da Spiked

O ativismo trans se tornou quase uma caça às bruxas para mulheres desobedientes 

Manifestantes seguram cartazes com os dizeres "decapitem as TERFS" e "eu como TERFS..." durante protesto em Glasgow, Reino Unido | Foto: Reprodução/Twitter Manifestantes seguram cartazes com os dizeres "decapitem as TERFS" e "eu como TERFS..." durante protesto em Glasgow, Reino Unido | Foto: Reprodução/Twitter

Imagine se políticos britânicos conhecidos fossem fotografados em uma manifestação em que alguém estivesse segurando um cartaz dizendo “Cortem as  cabeças de pessoas de cor”. Uma manifestação em que houvesse expressões explícitas e horríveis de violento desprezo por pessoas negras que supostamente têm opiniões erradas. Uma manifestação em que fosse dito que pessoas dessas minorias étnicas não deveriam ser apenas executadas, mas comidas também. “Eu como pessoas de cor” estaria em um dos cartazes. Haveria um furor, e com razão. É improvável que esses políticos mantivessem o cargo por muito tempo.

Bem, o equivalente sexista desse cenário de fato aconteceu em Glasgow, no último sábado. Políticas foram vistas diante de cartazes de protesto que fantasiavam sobre atos de violência preconceituosa, não em relação a negros desobedientes, mas em relação a mulheres moralmente desobedientes. TERFs, que é como elas como são conhecidas na sigla em inglês, significa “trans-exclusionary radical feminist” — ou feminista radical transexcludente —, mas na verdade quer dizer bruxa, vadia, megera, gagá. Qualquer um que já tenha visto ativistas trans radicais dispararem o termo “TERF” não tem dúvidas sobre a ameaça misógina que está por trás desse xingamento de quatro letras. No entanto, apesar de haver preocupações sobre o que aconteceu em Glasgow, não houve a reação que seria de se esperar.

As figuras presentes incluíram Kirsten Oswald e Kaukab Stewart, respectivamente do Parlamento britânico e do Parlamento escocês, membros do Partido Nacional Escocês. Elas estavam em um ato pró-trans em que as pessoas estavam manifestando apoio ao projeto de lei de reconhecimento de gênero de Nicola Sturgeon e indignação à decisão do governo de Westminster de bloqueá-lo. Oswald e Stewart foram fotografadas com sorrisos largos enquanto um homem atrás delas brandia um cartaz dizendo “Decapitem as TERFs”. Outro dizia “Eu como TERFs e conservadores”. JK Rowling resumiu essa cena perturbadora com sua típica concisão: “Políticas maravilhosamente gentis e progressistas posando orgulhosas diante de cartazes pedindo que mulheres sejam decapitadas e comidas”.

Oswald e Stewart afirmam não ter visto os cartazes (talvez “uma nova forma de cegueira temporária tenha surgido entre a classe política escocesa”, comentou Rowling). Elas afirmam odiar o que os cartazes diziam. Tudo bem. Vamos dar às duas o benefício da dúvida. Com certeza não vamos cancelá-las, ainda que o cancelamento seja, inquestionavelmente, o destino que recairia sobre o político que fosse fotografado ao lado de um cartaz que dissesse “Decapitem as pessoas de cor”. Já temos cancelamento suficiente.

Mas existe uma pergunta muito importante que Oswald, Stewart e os demais apoiadores de Sturgeon naquele ato de Glasgow precisam responder: vocês podem não ter visto os cartazes, mas ninguém notou a febre de ódio contra as mulheres que se tornou uma característica crucial da ideologia transgênero? 
Ninguém percebeu a bile misógina vertendo não só da manifestação em Glasgow de que vocês participaram alegremente, mas também de boa parte do lobby trans? 
Como vocês podem não saber que, apesar de “Decapitem as TERFs” ser novidade, houve muitas explosões de fúria com toques de violência direcionados às TERFs nos últimos anos, tanto na internet quanto fora dela? 
Não ver dois cartazes cheios de ódio é meio que perdoável; não enxergar que o ativismo trans agora parece consistir de pouco mais que homens furiosos gritando “bruxa” para mulheres que cometeram a temeridade de discordar deles, não.

A ideia fundamental do movimento trans contemporâneo — de que “mulheres trans são mulheres” — é em si misógina

Precisamos falar sobre o ódio pelas TERFs. Ele está fora de controle. É a forma mais veemente de preconceito no Reino Unido neste momento. Nos últimos dias, não só vimos homens com ilusões de gênero em Glasgow dizendo “Decapitem as TERFs”, mas também vimos a revista Reduxx revelar a identidade de um ativista trans escocês — um homem — que escreveu tuítes violentos e horríveis sobre alguém avançar com o carro em uma reunião de mulheres críticas da teoria de gênero organizada por Kellie-Jay Keen, para talvez vermos as TERFs “explodindo como sacos de lixo cheios de feijões assados no seu para-brisa”. O mesmo jihadista de gênero falou em matar Rosie Duffield com uma arma e JK Rowling com um martelo.

Manifestante segura cartaz escrito "Eu jogo Terfs no sol"
Manifestante segura cartaz escrito “Eu jogo TERFs no sol” - 
 Foto: Reprodução
Um pouco abaixo na escala mental anti-TERF, também temos uma vereadora do Partido Nacional Escocês em Dundee colocando o feminismo radical na mesma conta que o nazismo. Em um ato pró-trans, ela disse que precisamos nos posicionar contra o “ódio” (diga isso para os seus camaradas!) porque “vi em primeira mão quando viajei… para um lugar chamado Auschwitz”. 
 Usar as atrocidades do Holocausto para demonizar mulheres por simplesmente não quererem homens em seus refúgios, esportes e vestiários? 
Todo dia vemos um novo fundo do poço nesse lobby. Alguns meses atrás foi relevado que o secretário de igualdade do Partido Nacional Escocês, que foi fotografado com Sturgeon, tinha escrito tuítes dizendo que queria “quebrar a cara de algumas TERFs”. Em 2021, um pesquisador do mesmo partido foi suspenso de Westminster quando foi revelado que ele havia compartilhado um tuíte defendendo a violência armada contra feministas radicais.
 
Um partido político que abriga homens que sonham em agredir mulheres, cujos representantes eleitos são vistos ao lado de placas que pedem a decapitação de mulheres, cujos vereadores comparam mulheres que defendem os direitos de seu sexo com as pessoas que supervisionaram o massacre em escala industrial dos judeus da Europa tem um problema muito sério, não tem? “BRUXA, BRUXA, BRUXA!”, uma ativista trans gritou para uma feminista radical em uma manifestação em Edimburgo, em 2021, resumindo a confusão sexista que a Escócia se tornou sob a tirania de gênero de Nicola Sturgeon. 
No ano passado, Sturgeon publicou um pedido público de desculpas pelos julgamentos das bruxas que abalaram a Escócia entre os séculos 16 e 18. Mas quando vai se desculpar pela caça às bruxas modernas que ela mesma claramente ajudou a facilitar?
 
O ódio sexista é uma realidade cotidiana para as mulheres que questionam a ideia de que é possível mudar de sexo. Veja os trechos em que multidões de homens mascarados gritando “escória maldita” e “lixo” para Kellie-Jay Keen e suas amigas TERFs. Veja as ameaças de estupro e morte que JK Rowling recebe toda semana. Você é a próxima”, um delinquente disse quando ela expressou tristeza pelo ataque a Salman Rushdie. Ou a intimidação de baixíssimo nível que ocorre em praticamente toda reunião das TERFs
Vai sempre haver grupos de homens do lado de fora de encontros das feministas radicais; homens horrorizados diante da ideia de mulheres conversando entre si sobre seus direitos; homens que têm a crença ridícula de que sentir sua “feminilidade” e usar batom faz deles mulheres também. Mulheres melhores, na verdade. Como tuitou India Willoughby no fim de semana, “Sou mais mulher do que JK Rowling algum dia vai ser”. Isso também é misoginia. A ideia de que um homem sim, India é um homemvive a feminilidade melhor que as mulheres é prova da visão depreciativa das mulheres que é cultivada pela seita trans.

Qualquer movimento que atraia tantas pessoas intolerantes realmente precisa se repensar. Qualquer ativista que ajude a trazer de volta a moda de chamar mulheres de bruxas realmente precisa fazer uma séria reflexão. Porque a questão é: ainda que sejam exceções no culto trans que chamam mulheres de bruxas, fazem ameaças de morte e gritam “chupe meu pau de mulher”, essas grosserias só expressam com mais desprezo e ferocidade a misoginia que é inerente ao ativismo trans moderno.

A ideia fundamental do movimento trans contemporâneo — de que “mulheres trans são mulheres” — é em si misógina. 
Sua redução da condição da mulher de um fenômeno biológico, social, relacional a uma roupa que qualquer um pode vestir, até mesmo pessoas que têm pênis, é profundamente sexista.  
Ela desumaniza as mulheres. E nega a especificidade de suas experiências. Ela torna a condição da mulher uma sensação, algo trivial. Então, sim, ao dizer que para se tornar uma mulher basta passar três meses usando um vestido, Sturgeon está contribuindo com a misoginia que alimenta a ideologia de gênero do século 21.

O mantra “mulheres trans são mulheres” fundamenta a volta do pensamento misógino. Existe um rastro visível desse grito mainstream para os gritos nas margens de “puta” para qualquer mulher que afirme que mulheres trans não são mulheres, que ser mulher é mais do que uma sensação e uma imagem. O ódio violento pelas TERFs talvez venha basicamente de indivíduos instáveis on-line, mas ele expressa o sexismo e a intolerância que são a chave fundamental do ativismo trans de modo mais amplo, e em especial sua crença de que um homem pode ser uma mulher. Precisamos de uma reação firme contra o ódio pelas TERFs e em defesa do que está sendo ameaçado por essa nova caça às bruxas os direitos das mulheres, a liberdade de expressão e a verdade científica. 

Brendan O’Neill é repórter-chefe de política da Spiked e apresentador do podcast da Spiked, The Brendan O’Neill Show.
Ele está no Instagram: @burntoakboy

Leia também “O auge da histeria climática”

Brendan O'Neill, da Spiked - Revista Oeste


domingo, 1 de março de 2020

É nós ou eles (os micróbios) - O Globo

Dorrit Harazim 

Com seu poder de disseminação planetária em redes sociais, o medo encontra neste novo milênio um hospedeiro frondoso

Nada a ver com o nosso medo natural e real que convida à ação e começa com a luta do embrião por oxigênio. Trata-se aqui do medo do invisível e do desconhecido, onde expectativas ansiosas e interpretações agourentas favorecem crendices. É esse tipo de medo que induz à paralisia ou a comportamentos irracionais.

Coube ao financista americano Bernard Baruch escrever o prefácio para a reedição de 1932 do clássico sobre nossos desvarios coletivos. Não por acaso. A nova edição chegou às livrarias americanas em 1932, com a Bolsa de Nova York ainda em pandarecos, e Baruch fora um dos grandes especuladores que escapara ileso da histórica hecatombe financeira. Ele atribuía o fato de ter economizado milhões à leitura do inventário de maluquices humanas feito por Mackay no século anterior. Baruch concluiu que boa parte das ruínas do crash de 1929 poderia ter sido evitada se os bípedes da época tivessem continuado a repetir que 2+2 são apenas e sempre 4.

Não é de hoje nem de ontem que nações sensatas, tidas como evoluídas, se agarram a um desvario e nele arrastam milhões de seguidores. Afinal, foi na Idade de Ouro da Holanda do século 17 que ocorreu a famosa “tulipamania”— o desejo insano e insaciável de todo um povo por uma flor de origem turca, forma de turbante (daí seu nome) e cotação nas Bolsas da época. Especuladores ofereciam valores extravagantes, além de propriedades, charretes, cavalos ou pratarias por um único bulbo da raríssima Semper Augustus, enquanto cidadãos comuns vendiam o que tinham ou se endividavam por espécies menos nobres. Ao final do surto, houve fartura de donos com tulipas que não valiam mais nada por falta de comprador. Coube à Câmara de Amsterdã decidir pela anulação dos contratos de compra e venda originais, para que os holandeses voltassem a olhar para uma tulipa pelo que ela é: uma tulipa.

Agora, para quem quiser mergulhar fundo e sem medo nos desafios que a natureza coloca na marcha humana sob forma de doenças infecciosas, recomenda-se o monumental “A próxima peste”, da jornalista americana Laurie Garrett, especializada em ciências e saúde pública. O livro não lida com medos irreais. É um trabalho de jornalismo investigativo científico apaixonante, que mergulha nos micróbios que nos cercam e deixa lições duradouras sobre a vasta gama de pragas com que aprendemos a conviver. Ou a morrer. A obra não é recente, data de 1995, mas ajuda a compreender como chegamos ao coronavírus. 

A autora conclui as mais de 600 páginas com uma constatação: do ponto de vista dos micróbios, nosso planeta de seis bilhões de humanos majoritariamente carentes se parece com a Roma do século 5 a.C. Enquanto a raça humana lutar intestinamente, brigando por espaço cada vez mais abarrotado de gente e carente de recursos, a vantagem continuará no campo dos micróbios. Eles são nossos predadores e sairão vitoriosos se não aprendermos a viver numa aldeia global racional que deixa poucas chances ao inimigo. Ou é isto ou devemos nos preparar para a próxima praga.

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domingo, 2 de fevereiro de 2020

Humanos como nós - Nas entrelinhas

Os povos isolados têm o direito de decidir se preferem viver em isolamento ou não. Para exercer esse direito, porém, precisam de tempo e espaço

Considerado o pai da antropologia estruturalista, o franco-belga Claude Lévi-Strauss (1908 — 2009), entre 1935 e 1939, dedicou-se a estudar os índios do Brasil Central, base para a publicação de sua tese As estruturas elementares do parentesco, em 1949. Ele rompeu com a ideia de que os índios são apenas índios, porque não concordava com a divisão entre civilizados e selvagens. Lévi-Strauss foi professor da recém-criada Universidade de São Paulo, com sua esposa Dinah Lévi-Strauss, Fernand Braudel, Jean Maugüé e Pierre Monbeig, e realizou pesquisas de campo em Goiás, Mato Grosso e Paraná, que também resultaram no livro Tristes Trópicos (1955). Procurou decifrar as relações entre o ser humano, a natureza e a cultura.

Para o antropólogo, o ser humano se diferencia dos outros animais devido ao uso de símbolos para se comunicar, não importa as particularidades de cada grupo humano. Seu objetivo não era estudar uma sociedade específica, mas identificar o que há nela de universal; por exemplo, sistemas de parentesco e restrições matrimoniais. Graças aos índios, por exemplo, sua compreensão do incesto ultrapassou as explicações biológicas ou morais. A proibição de manter relações sexuais com certas mulheres (como a mãe ou a irmã) e a permissão para tê-las com outras teceram as alianças fundadoras da vida social. O sistema de parentesco é o meio pelo qual se cumpre a transição entre a natureza e a cultura. Explica, por exemplo, como se formou a economia do sertão no Brasil colonial, a partir da miscigenação e do escambo entre os tupis e os portugueses.

Na monumental Mitológicas, de 1960, com mais de 2 mil páginas, Lévi-Straus analisou 813 mitos originários de povos do continente americano, desde os bororos, os jês e os tupi-cavaíbas do Brasil até os hopi, os pueblo, os mohawk e os kwakiutl da América do Norte. No primeiro volume, intitulado O Cru e o Cozido, comparou a análise conjunta dos mitos americanos à audição de uma sinfonia. Os músicos, porém, estão separados no tempo e no espaço, e cada um executa seu fragmento sem saber a partitura completa. Só é capaz de ouvir a música inteira quem estiver a distância. O concerto, segundo Lévi-Strauss, iniciou-se há milênios e hoje poucos músicos remanescentes continuam a tocar na orquestra.

Isolamento
No Maranhão, Karapiru, um indígena Awá, é um dos remanescentes da orquestra. Sobreviveu a um ataque de homens armados e, durante dez anos, morou sozinho, se escondendo na floresta. Agora vive com outros Awá, que são caçadores-coletores e nômades em constante movimento. Em Rondônia, outro índio solitário talvez seja o único sobrevivente de uma tribo massacrada por grileiros que ocuparam a região de Tanuro. Vive em fuga e é conhecido como “homem do buraco”, porque escava grandes covas para se esconder e guardar seus alimentos. Desde 1987, a Fundação Nacional do Índio (Funai) tem um departamento dedicado aos povos indígenas isolados, cuja política é fazer contato somente nos casos em que sua sobrevivência está em risco iminente. Em vez disso, a Funai busca demarcar e proteger suas terras de invasores.


Os povos isolados têm o direito de decidir se preferem viver em isolamento ou não. Para exercer esse direito, porém, precisam de tempo e espaço. [muito justo, justíssimo que exerçam esse direito e outros - desde que também tenham deveres e os cumpram; 
a classificação,  real e honesta, de que são seres humanos iguais a nós, é plenamente válida, desde que em todos os aspectos, incluindo que nós temos deveres e obrigação de cumpri-los.
inaceitável é que só tenham direitos, benesses, impunidade e nenhuma obrigação.] É o caso dos Piripkura, ou o “povo borboleta”, como são chamados pelos “Gaviões”, com quem interagem. Eles falam Tupi-Kawahib, o mesmo tronco linguístico de vários outros povos do Brasil. Os Piripkura eram cerca de 20 pessoas quando a Funai fez o primeiro contato no final da década de 1980. Depois, voltaram para a floresta, e mantêm relações esporádicas com os sertanistas. Somente sobreviverão se suas terras forem protegidas. Há centenas de grupos isolados na Amazônia.

Agora, o presidente da Funai, Marcelo Augusto Xavier, pretende nomear o antropólogo Ricardo Lopes Dias para a Coordenadoria Geral de Índios Isolados e Recém Contatados. Formado pela Faculdade Teológica Sul Americana, atuou por mais de dez anos para a Missão Novas Tribos do Brasil (MNTB), organização que tem por objetivo evangelizar os indígenas. Lopes Dias terá a missão de tornar o índio cada vez mais “um ser humano igual a nós”, para usar a expressão do presidente Jair Bolsonaro.

Voltemos à antropologia, que explica muitas coisas. Papa do estudo das religiões, o escocês Victor Turner (1920 — 1983) também bebeu das águas das sociedades primitivas. Tendo por base os Lunda-Ndembus, na região Noroeste da antiga Rodésia do Norte, atual Zâmbia, entre 1950 e 1954, viveu na aldeia e estudou o papel dos ritos, dos símbolos e das metáforas nos dramas sociais. Nesse período, de tempos em tempos, eclodiram conflitos, nos quais Turner identificou um padrão universal:
Primeiro, uma crise irrompia no cotidiano, expondo as tensões existentes; depois, os envolvidos acionavam suas redes de parentela, relações de vizinhança e amizade, e a crise se ampliava; a seguir, surgia a turma do deixa disso, que buscava a conciliação e soluções em rituais coletivos; finalmente, havia um rearranjo e as posições e relações eram redefinidas, ou não se chegava a um acordo e a cisão se tornava inevitável, seguindo a clivagem de parentesco e suas alianças, o que daria origem a uma nova aldeia. Qualquer semelhança com o que também acontece nas religiões e na política não é mera coincidência.

 Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - Correio Braziliense


terça-feira, 26 de novembro de 2019

Pirataria no petróleo - O Globo

José Casado  

Negócios no submundo do óleo renderam a Taylor um fortuna

Aos 63 anos, o escocês Ian Roper Taylor tenta vencer um câncer na garganta e se manter na mesa de jogos com petróleo, onde aprendeu a viver perigosamente, como um pirata moderno em aventuras com figuras sombrias, como o iraquiano Saddam, o líbio Kadafi e o sérvio Arkan, responsáveis por alguns dos maiores massacres humanos do século XX. 

Negócios no lado oculto do mundo do óleo renderam a Taylor uma das maiores fortunas do Reino Unido, avaliada em US$ 180 bilhões — superior ao PIB de Minas. Sua biografia remete à de Marc Rich, fundador da Glencore (Rich acabou condenado nos EUA a três séculos de prisão, maior que a  pena do ex-governador Sérgio Cabral. Morreu em 2013, na Suíça).
A empresa de Taylor, Vitol, aumentou lucros em cem vezes nos últimos 25 anos, sobretudo na alta das commodities que mudou economias de Brasil, China e Índia e inflou o caixa da Venezuela, do Congo e da Nigéria.
Semana passada, os escritórios suíços da Vitol e das concorrentes Glencore e Trafigura foram invadidos pela polícia. A ordem judicial nasceu em Curitiba, onde se investigam contratos dessas empresas com a Petrobras. 

Parte das transações delas com a Petrobras, entre 2004 e 2014, não teve registro e deu prejuízos à estatal. Foi azeitada com subornos a funcionários, intermediários e políticos de PT, MDB, Progressistas (antigo PP) e do PSDB. As propinas oscilaram de dez centavos até US$ 2 por barril — mostram os processos da Operação Lava-Jato. 

Vitol negociou 14 bilhões de barris, e Taylor sabia de tudo — confessou um dos seus agentes, Carlos Herz. Segundo ele, o fundador da Trafigura Claude Dauphin (morto em 2015) e os executivos Tim Water e Mike Wainwright também pagavam para obter lucros fáceis com a Petrobras.

As investigações avançam em Curitiba, Houston e Genebra. Pela dimensão das empresas envolvidas, é previsível uma reforma nas regras do comércio de commodities. A última resultou na divisão da Glencore, de Marc Rich. Desta vez, quem está no centro é a Vitol de Taylor, benfeitor da Royal Opera House, de Londres, e filantropo de pesquisas contra o câncer.
 
José Casado, colunista - O Globo
 

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Escondidos atrás da mesa

Executivos como Murilo Ferreira, Andrew Mackenzie e Lakshmi Mittal agora são vistos como líderes de grupos que lucram por meio de práticas irresponsáveis e danosas à vida

Eles comandam um trio de potências globais da mineração e siderurgia, com faturamento somado de R$ 520 bilhões no último ano fiscal.  O indiano Lakshmi Mittal, de 65 anos, lidera a ArcelorMittal, o maior conglomerado. Vende o dobro do escocês Andrew Mackenzie, 59 anos, chefe da BHP Billinton, cuja receita é equivalente à do grupo Vale, presidido pelo brasileiro Murilo Ferreira, 57 anos.

Os três estão escrevendo um capítulo novo nas suas biografias, muito além do fascínio comum pela metalurgia. Tornaram-se protagonistas de dois grandes litígios ambientais.
Ferreira, Mackenzie e Mittal são os principais executivos por trás da mutação da paisagem e da vida numa área de 70 mil quilômetros quadrados, entre Minas Gerais e Espírito Santo, com graves sequelas para três milhões de pessoas em 230 cidades da bacia do Rio Doce à região metropolitana de Vitória.

Parceiros na mineradora Samarco, Ferreira (Vale) e Mackenzie (BHP) comandaram a leniência que, em novembro, resultou numa avalanche de compostos quimicamente estáveis de éter, arsênio, cádmio, mercúrio, chumbo, manganês e ferro, entre outros, sobre o Rio Doce.  Ferreira, agora na companhia de Lakshmi Mittal (grupo ArcelorMittal), se destaca como ator principal de outro desastre, na região de Vitória. Semana passada, a Justiça Federal interditou o Porto de Tubarão, o maior em exportação de minério e produtos siderúrgicos. A ordem judicial objetiva impedir “a atividade criminosa” de emissão de poeira de carvão no ar e o lançamento de pó de minério no mar.

Essa poluição tem provocado “lesões corporais e até óbitos decorrentes de enfermidades respiratórias e cardiovasculares”, registra o juiz, citando evidências em investigação policial, ações civis, relatórios sanitários e de CPIs.

Ferreira, desta vez, não pode esgrimir o argumento rudimentar manejado na catástrofe da Samarco (“Ela não é parte da Vale”). Do seu gabinete, no Rio, saiu uma resposta anódina: “A Vale reitera o seu compromisso com as comunidades da Grande Vitória, com o meio ambiente e com as suas operações.” Mittal, que fatura R$ 17 bilhões no país, optou pelo silêncio. É o oposto do que se espera nas relações empresa-sociedade.

No desastre do Rio Doce, os presidentes da Vale e da BHP Billinton se esconderam atrás da mesa diretora da subsidiária Samarco. Limitaram-se à contenção de danos às respectivas imagens — como ocorreu quando uma barragem da BHP Billinton desabou sobre os rios Ok Tedi e Fly em Papua Nova Guiné.

Emissários da ONU ao Brasil, John Knox e Baskut Tuncak notaram: “Empresas e o governo deveriam estar fazendo tudo que podem para prevenir mais problemas, o que inclui a exposição a metais pesados e substâncias tóxicas. Não cabem posturas defensivas.”

O tempo passou na janela. Em Nova York, investidores foram à Justiça. Alegam perdas na compra de papéis da Vale, em 2015, por “declarações falsas” , “engodo” e “omissão” de Ferreira e sua diretoria. O prazo para adesões ao processo vai até 5 de fevereiro.  Em universidades como o King’s College, de Londres, executivos como Ferreira, Mackenzie e Mittal já são vistos como líderes de empresas que lucram por meio de práticas empresariais irresponsáveis e danosas à vida no planeta.
Fonte: José Casado - O Globo