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terça-feira, 4 de outubro de 2022

Crônica pós-eleições - Venho de 2023. E trago boas notícias! - Gazeta do Povo

Paulo Polzonoff Jr - Vozes

"Ensina-me, Senhor, a ser ninguém./ Que minha pequenez nem seja minha". João Filho.

Crônica pós-eleições

O futuro: Senado abre processo de impeachment contra ministros do STF enquanto Câmara atua em causas conservadoras. -  Foto: Reprodução

Ontem recebi dezenas de milhares (sem exagero! sem exagero? com exagero) de mensagens de pessoas perguntando onde estava minha crônica pós-eleições. Ei-la. 
Mas, antes, deixe-me contar o que me aconteceu no domingo, no exato minuto e segundo em que Lula ultrapassou Bolsonaro na apuração do TSE.[a inversão de 2022 ocorreu no espaço de tempo em que determinada emissora de TV passou a transmitir apenas os resultados dos estados - o que nos impede de ter exatidão do ritmo em que ocorreu a inversão.]
Ou talvez tenha sido bem depois, mas é que assim fica mais legal.

Entrei no Uber e fui logo perguntando o que o motorista achou do resultado das eleições. Ele disse que tinha achado ótimo, excelente, extraordinário, magnífico. “Você acha tudo isso porque acredita numa vitória do Lula ou do Bolsonaro no segundo turno?”, perguntei. Ele respondeu que nem uma coisa nem outra. “Por isso!”, disse. De repente o Palio (acho que era um Palio) caindo aos pedaços foi envolto em raios de um tom azulado e, por algum motivo, em meio às faíscas eu consegui ouvir Huey Lewis cantando “The Power of Love”.

“Pronto, chegamos”,
disse o motorista. Por lógica, concluí que tinha dormido e sonhado que era o Marty McFly. Prestes a completar 45 anos de idade?! Que patético, eu sei. Saí do carro ansioso para chegar em casa, tomar um banho e me jogar na cama. Mas além de patético reconheço que sou filho do meu tempo e me confesso viciado em informações. Por isso, ainda na calçada tirei o celular do bolso.

E o que vi no aparelhinho foi maravilhoso. Ou, para usar as palavras do motorista, ótimo, excelente, extraordinário e magnífico. No site da Gazeta do Povo, acabo de ver que o Senado brasileiro, com a presença do General Mourão, Tereza Cristina, Damares Alves, Marcos Pontes e até Sérgio Moro, acabou de autorizar a abertura de um processo de impeachment contra um ministro do Supremo Tribunal Federal. Eu disse “um”? Minto. Só não são nove os processos porque um dos ministros, antevendo a aposentadoria compulsória, abdicou espertamente do trono, digo, cargo.

E tem mais: plantado ali na calçada, com os olhos fixos no celular, descobri (ainda no site da Gazeta do Povo, claro) que a base conservadora na Câmara, em acordo com o centro, decidiu legislar e votará nos próximos dias uma PEC ou um PL ou uma MP sei lá que raios de instrumento é esse! – impedindo o Supremo Tribunal Federal de legislar e considerando nulas decisões como a que equiparou a homofobia ao crime de racismo. Ah, já contei que uma articulação surpreendente de Deltan Dallagnol conseguiu aprovar a PEC da Segunda Instância? Pois.

Lá de longe e bem baixinho já ouço a voz claudicante de alguém que franze a testa e arqueia a sobrancelha para me perguntar se posso provar que estive mesmo em 2023. Posso e não posso. Digo, as viagens no tempo da Uber TM™ são totalmente seguras e confiáveis, mas, aqui em 2023, ainda não são auditáveis. Você vai ter que confiar em mim.

Sim, sei que você está louco para que eu diga quem preside o Brasil aqui em 2023. Mas, neste caso vou ficar devendo. Porque bem na hora em que estava prestes a descobrir quem era o presidente do Brasil, senti a mão do motorista no meu ombro. “Seus cinco minutos no futuro acabaram!”, disse. Sem que eu tivesse tempo de reagir, com um movimento brusco ele tirou o celular das minhas mãos e, se aproveitando da minha debilidade, me jogou dentro do carro.

Vi raios azulados em volta do Pálio. Pelo menos acho que era um Pálio. Não entendo nada de carros. De novo ouvi “The Power of Love”. Novamente me senti um patético adolescente calvo, barrigudo e de All Star. E uma vez mais me descobri diante do portão de casa e com a sensação de ter dormido. Me despedi do motorista sem falar nada para não parecer maluco. Tomei um banho, me joguei na cama e comecei a fazer anotações para uma primeira crônica pós-eleições. Esta.

Paulo Polzonoff Jr., colunista - Gazeta do Povo - VOZES


sexta-feira, 30 de julho de 2021

Me ajuda a te ajudar - Alon Feuerwerker

Análise Política

Suponhamos, por exercício intelectual, um Brasil sem a Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19 no Senado. 
O cenário para o governo estaria razoável. 
Os números da vacinação avançam e são expressivos, e as curvas de casos e mortes vêm caindo faz algum tempo. E todas as projeções são de recuperação robusta do Produto Interno Bruto este ano, compensando com alguma margem a retração do ano passado. Mas há a outra face da realidade. Iluminar o lado escuro da lua mostrará que os casos e mortes pelo novo coronavírus ainda vão em patamares altos. E o sofrimento social nascido do desemprego e da pobreza não dá sinal de arrefecer. Apesar disso, todas as pesquisas mostram que vetores positivos começam a superar os negativos na resultante de percepção popular.
Falando nela, a política, a avaliação do presidente da República anda algo estacionada. Verdade que o ótimo+bom das pesquisas deslizou para em torno de um quarto do eleitorado, mas o número retorna ao resiliente um terço se juntarmos o "regular positivo"
Um terço que aliás tem sido o patamar da aprovação de Jair Bolsonaro e também a intenção de voto nele no segundo turno. Ou seja, o presidente parece ter chegado a um certo piso.

O “parece” aqui é recurso de prudência, porque a política gosta de trazer elementos que desestabilizam cenários. Entretanto, como já repetido tantas vezes, o imprevisível é muito difícil de prever. O fim do filme só saberemos em outubro de 2022, mas o retrato agora projeta disputa acirradíssima na urna eletrônica daqui a pouco mais de catorze meses. Entre um candidato à esquerda (hoje seria Lula) e um à direita (hoje seria Bolsonaro).

E as alternativas? Outro dado trazido pelas últimas pesquisas: se houvesse um único nome da terceira via, ou “centro”, ele (ou ela) partiria de algo em torno de 15 a 20%. Um número bastante razoável. E aí o desafio seria lipoaspirar o candidato à reeleição em uns pontinhos, passar ao segundo turno e tentar ganhar a disputa surfando a rejeição a Luiz Inácio Lula da Silva e ao PT. À luz de hoje é difícil, mas não impossível.

Os aspectos objetivos da realidade (contenção da pandemia e aceleração da economia) tendem a favorecer Bolsonaro na resistência contra a ofensiva do centrismo para tirar o incumbente do segundo turno. Mas há os aspectos subjetivos. Até que ponto as confusões e polêmicas que tanto ajudam o presidente a manter agrupado o núcleo duro da base dele vão gerar efeitos centrífugos prejudiciais, e assim facilitar o trabalho de quem disputa com ele o eleitorado à direita?

Bolsonaro fez o movimento "by the book" ao trazer o senador Ciro Nogueira (PP-PI) para a Casa Civil. Um sinal do acerto é a escolha ter sido bombardeada pelos adversários hoje mais renhidos do presidente. Mas é preciso saber se, como diz o clichê, Bolsonaro vai ajudar Nogueira a ajudá-lo. Pois a operação político-parlamentar avança bem na solução do desafio imediato de não ser derrubado, mas é insuficiente para resolver outro: a reeleição.

Alon Feuerwerker, jornalista e analista político

Publicado na revista Veja de 04 de agosto de 2021, edição nº 2.749


segunda-feira, 27 de julho de 2020

Agitação e espuma dentro da bolha - Alon Feuerwerker

Análise Política


Esta primeira quase metade de gestão Jair Bolsonaro vem sendo marcada pelo sonho oposicionista de que o governo é uma construção frágil, pronta a desabar pela ação do próximo “fato novo”. Foi assim quando das manifestações em defesa da educação, logo no comecinho do mandato. Mais recentemente, as esperanças da oposição passaram a ser depositadas nos efeitos econômicos e sanitários da pandemia da Covid-19. E de tempos em tempos os olhos brilham quando surge alguma novidade no “Caso Queiroz”.

A realidade, porém, é que Bolsonaro por enquanto defende com sucesso a fatia de mercado conquistada por ele em 2018. O Brasil tinha então 147 milhões de eleitores e o candidato do PSL recolheu no primeiro turno 33% desse eleitorado, 49 milhões de votos, tudo em números arredondados. A esta altura você já percebeu. Os fatos vêm e vão, mas o percentual de “ótimo” e “bom” do presidente oscila sempre em torno desse mesmo um terço.

A taxa de aprovação de Bolsonaro só pode ser medida se se pergunta “você aprova ou desaprova?”, e não deve ser confundida com o ótimo+bom. Ela também oscila pouco, em torno de 40%. Interessante notar que essa ordem de grandeza corresponde ao market share do capitão no segundo turno. Aliás é também o patamar da fatia que aposta que o governo será bom ou ótimo ao final do mandato em 2022. Eis por que é furada a tese do “somos 70%”. Serve como propaganda, mas estrategistas políticos que acreditam cegamente na própria propaganda estão a caminho de ter problemas.

Há, é claro, as variações. Uma foi em meados do ano passado, quando o tema das queimadas na Amazônia ganhou visibilidade. Outra, agora mesmo, na decolagem da pandemia. Mas essas oscilações costumam deslocar mais do “regular” para o ruim/péssimo que qualquer outra coisa. E Bolsonaro tem mostrado resiliência. Quando a pressão afrouxa, as curvas de avaliação dele tendem a voltar para o padrão de “um terço, um terço, um terço”.

Sempre supondo que a conjuntura correrá pelos trilhos desse “normal”, fica claro portanto que a base social de sustentação de Jair Bolsonaro é consistente e ampla o suficiente para ele se segurar na cadeira e ser competitivo em 2022. Poderá ser derrotado? Sim, desde que se encontre um candidato capaz de aglutinar todo o restante do eleitorado e que além disso consiga ganhar alguma margem levando para votar uma parte dos que têm insistido no absenteísmo.

Não é simples. Implicaria costurar uma alternativa em que todas as facções do antibolsonarismo estejam contempladas. Como diz o ditado, seria o casamento do jacaré com a cobra d'água. Por enquanto, o que cada facção antibolsonarista vem pedindo às demais é a capitulação incondicional em nome do combate ao adversário comum. Na real, hoje ainda inexiste na oposição um sentimento autêntico de "qualquer um menos Bolsonaro". Aliás, é o contrário.

Outro problema: a cada gesto de distensão do presidente, os ensaios de coalizão são lipoaspirados. E Bolsonaro tem sido hábil (ou tido sorte) na política, como mostrou a votação do Fundeb. Enquanto o novelo não desenrola, vem restando ao antibolsonarismo repetir o antipetismo praticado na maior parte do extenso período do PT no poder. Promover agitação e criar espuma dentro da própria bolha. Não deixa de ser uma maneira de passar o tempo fazendo algo útil. 


[Recomendamos: alguém explica.]

Alon Feuerwerker, jornalista e analista político