A
lei traz mesmo absurdos, que precisam ser corrigidos. Quanto a Barroso, recomendo que seja menos
ambíguo e menos anfíbio
O ministro Roberto
Barroso tem um estilo do qual definitivamente não gosto. Considero suas falas ambíguas,
seu raciocínio oblíquo, suas considerações cheias de vieses subterrâneos.
Está em pauta um
debate sobre a chamada Lei da Ficha Limpa. Vamos lá. Trata-se, e basta
pesquisar em arquivo o que escrevi a respeito, como
disse o ministro Gilmar Mendes, de uma das peças jurídicas mais malfeitas de
que se tem notícia. Na
fala de Mendes, ela parece ter sido feita por bêbados.
O presidente da OAB,
por exemplo, Claudio Lamachia, não gostou da consideração. Entendo. A Ordem foi defensora
do texto como está. Não custa lembrar que o petrolão comeu solto com Ficha
Limpa e tudo. Onde estão os buracos? Nas
condições que tornam inelegível um candidato.
Há a regra básica, até fácil de entender: condenada em segunda instância, a pessoa
está proibida de concorrer a um cargo eletivo. Ocorre que a coisa não para por aí. Se
alguém sofrer um processo numa associação de classe e acabar sendo expulsa
dela, ainda que não seja pela via judicial,
também está proibida de se candidatar. Misturam-se alhos com
bugalhos. Mais: não se procurou harmonizar o texto com outros diplomas
legais. Querem ver? O STF decidiu que cabe às casas legislativas dar a palavra final
sobre as contas de candidatos. Assim, políticos que tiveram suas contas
rejeitadas pelo Tribunal de Contas local poderão concorrer nas próximas
eleições caso elas não tenham sido rejeitadas pelas câmaras municipais.
Isso
não está devidamente clarificado na lei, constantemente submetida a
interpretações. Virou uma espécie de obra aberta. Por
quê? Porque esta malfeita. Barroso
resolveu, nesta quinta, responder a Mendes, fazendo de conta que não. Disse:
“Eu nem comento nem
critico opiniões de colegas, embora eu tenha a minha. Numa democracia, é
legítimo que haja opiniões diferentes. Eu, diversamente, acho que a lei é boa,
acho que a lei é importante e acho que a lei é sóbria. Acho que é uma lei que
atende a algumas demandas importantes da sociedade brasileira por valores como
decência política e moralidade administrativa”.
O ministro faz crer,
com sua fala ambígua e anfíbia, que os que criticam os furos da lei
são contra a decência política e a moralidade administrativa. Uma ova, né, doutor Barroso? O que Mendes está criticando é o improviso legal. Aliás, nessa matéria,
Barroso é doutor. Ele foi o principal patrocinador, junto a OAB do doutor Lamachia, da
proibição da doação de empresas privadas a campanhas eleitorais. A tese votada
no Supremo, na verdade, é do ministro, quando, no passado, foi chamado a
elaborar um parecer para a OAB. Ela foi vivificada na forma de uma Ação Direta
de Inconstitucionalidade. Por motivos
óbvios, Barroso deveria ter se abstido de votar. Não só votou como virou
propagandista da tese. Ah, sim: o grande
propagandista da proibição era o PT, esse antro da moralidade nacional!
Resultado: essas eleições têm tudo
para entrar para a história como o pleito do caixa dois. Mais: há sinais evidentes de que o crime organizado
resolveu se aproximar de candidatos a prefeitos e vereadores Brasil afora porque,
afinal, dispõe daquilo que lhes faz falta em campanha: dinheiro vivo. Criticar os defeitos de uma lei, votada
às pressas e de maneira impensada, não é sinônimo de criticar suas eventuais
qualidades. A luta por decência e moralidade não dispensa o método nem a devida
higidez legal e constitucional.
E uma recomendação à
OAB: em
vez de bater boca com Mendes na defesa de uma lei torta, sugiro que seja a OAB, e não o ministro (já que não é seu papel) a
apresentar sugestões para corrigir seus defeitos. De quebra, a Ordem podia também fazer uma
mea-culpa e retirar seu apoio esdrúxulo à proibição do financiamento de
campanhas eleitorais por empresas. A
Ordem precisa ajudar a afastar os bandidos das disputas políticas. Ou não é por isso que passou
a ser propagandista da Lei da Ficha Limpa?
Fonte: Reinaldo Azevedo