Governo cogita ressuscitar um tributo disfuncional
Governo cogita ressuscitar um tributo disfuncional
A nova CPMF aumentará a taxa de juros, mudará a forma de organização da atividade econômica e prejudicará a eficiência e a produtividade da economia
É paradoxal uma equipe econômica
liberal defender, ao que parece, o restabelecimento da CPMF, agora com
outro nome, desprezando as distorções que provocará na economia. A
motivação é compensar a perda de arrecadação que decorreria da
eliminação da contribuição previdenciária patronal. Nada justifica esse
equívoco.
Claro, a nova CPMF é menos danosa do que a
ideia do imposto único sobre transações. Essa proposta foi lançada no
Brasil em 1989 pelo atual secretário especial da Receita Federal, Marcos
Cintra, até hoje fervoroso defensor da disfuncional tributação das
transações financeiras. A renascida CPMF não deixará de causar, caso
implementada, graves consequências na economia brasileira. Pouco passa de uma dezena o número de países
que adotam essa forma de tributação, nenhum deles relevante na economia
mundial, nenhum deles com uma economia com o grau de complexidade da
brasileira. A grande maioria, por outro lado, cobra contribuição
previdenciária das empresas, incluindo os Estados Unidos.
A primeira distorção que vem à vista é o
aumento do spread bancário brasileiro, um dos maiores do mundo e uma das
causas das altas taxas de juros paga pelos tomadores de empréstimos no
sistema financeiro. Elevar o peso dos juros é conspirar contra a
produtividade, a eficiência e o potencial de crescimento do país. Não se sabe ainda qual será a alíquota do
novo tributo, mas é certo que ele vai influenciar a organização da
produção, com empresas buscando livrar-se de sua incidência mediante a
integração vertical de suas atividades. Procurarão produzir o máximo
internamente. Será uma fonte permanente de perda de competitividade.
As cadeias produtivas mais longas,
justamente as que adotam mais intensamente a tecnologia e por isso
detentoras de maior eficiência, serão as mais prejudicadas. Como falar
nas vantagens de um tributo que piora o modo de funcionar da atividade
econômica?
O presidente Bolsonaro já se declarou
contrário à recriação da CPMF. Poderá mudar de ideia iludido com outra
denominação para o tributo? É hora de manter mais essa promessa.
É erro transferir o Coaf para o Banco Central
Órgão tem atribuições estranhas às funções do BC; transferência pode prejudicar o exercício das atividades de ambas as organizações
O Coaf tem similares mundo afora. Sua instituição, aqui e no exterior, foi consequência da Convenção da ONU, realizada em Viena (1988) com o objetivo de estabelecer instituições de controle da lavagem de dinheiro. Inicialmente voltada para combater o tráfico de drogas, as normas se alargaram para enfrentar também o terrorismo.
Os países signatários, inclusive o Brasil, se comprometeram a criar órgãos públicos de inteligência financeira. A respectiva legislação obrigou o fornecimento, a esse órgão, de informações sobre movimentações financeiras realizadas no sistema bancário, acima de um certo valor. Estão obrigados também a fornecer informações os cartórios de imóveis, bem como as empresas de comercialização de joias e metais preciosos e de outros bens e serviços que possam servir para a lavagem de dinheiro.
Normalmente, esses órgãos estão vinculados a ministérios, usualmente o das Finanças. O Banco Central não é, diante de tudo isso, a instituição governamental mais apropriada para assumir as funções do Coaf.
No passado, o BC se incumbiu da execução de responsabilidades que não lhe diziam respeito, como a de financiar a agricultura, as indústrias de beneficiamento de produtos rurais e as exportações. A ele cabia ainda a gestão da dívida pública interna e externa, e o lançamento de títulos do Tesouro nos mercados interno e internacional. Tais funções foram transferidas ao Ministério da Fazenda entre 1986 e 1987.
As mudanças institucionais que modificaram a estrutura do BC contribuíram decisivamente para que ele se amoldasse ao padrão dos bancos centrais em todo o mundo. No governo FHC, foi criado o Comitê de Política Monetária, pelo qual se institucionalizou o processo de decisão sobre a taxa de juros (Selic). Mais recentemente, o BC passou a integrar o Conselho do Banco de Compensações Internacionais, uma espécie de banco central dos bancos centrais. Por tudo isso, o BC se tornou um dos mais bem reputados bancos centrais do mundo. Em 2017, seu presidente, Ilan Goldfajn, foi eleito o banqueiro central do mundo.
Transferir o Coaf ao BC é atribuir a este último funções estranhas à sua missão, o que pode prejudicar o exercício das atividades de ambas as organizações. Além disso, o Coaf é estruturado em carreiras distintas das do BC. Sua absorção criará muitos problemas de gestão de pessoal. Nenhum país signatário da Convenção de Viena chegou a tanto.
Blog do economista Mailson da Nóbrega - Veja