Embora seja formalmente um julgamento em que o Supremo avaliará o
recurso extraordinário contra a quebra de sigilo fiscal, pela Receita,
de um posto de combustíveis no interior de São Paulo, o processo ganhou
ampla dimensão.
A partir do voto do relator do recurso, ministro Dias
Toffoli.
Estão em foco, no voto de Toffoli, o Ministério Público; o ex-Conselho
de Controle de Atividades Financeiras, rebatizado de Unidade de
Inteligência Financeira (UIF);
o Banco Central, em cuja jurisdição está a
UIF, além da própria Receita. O peso deste julgamento
aumentou quando Toffoli aceitou em julho pedido
de liminar de advogados do senador Flávio Bolsonaro (PSL) contra o
compartilhamento de dados de movimentações financeiras atípicas do filho
do presidente da República, feito pelo Coaf, de quando ele ainda era
deputado estadual fluminense.
E estendeu a medida a todos os inquéritos
semelhantes. Mais de 900.
O posto paulista serve de mote para o Supremo tratar dos limites do
avanço do Estado sobre a privacidade financeira da sociedade, questão
vital na democracia. O julgamento se converte em balizador dos
organismos de investigação, um aspecto estratégico no combate à
corrupção. Além do mais, o caso terá
“repercussão geral”, ou seja,
definirá referenciais para os tribunais de todo o país. Ao começar a leitura do seu longo voto, na quarta, e que se estendeu ao
início da sessão de quinta,
Toffoli ressaltou que o processo nada tinha a
ver com Flávio Bolsonaro. Inútil, até porque, sendo um caso de
repercussão geral, atingirá todos os recursos desse tipo.
A pouca clareza do voto de Toffoli funcionou como estímulo a
prognósticos negativos para o julgamento, do ponto de vista do crucial
enfrentamento da corrupção. A sessão de quinta, porém, começou a afastar
temores,
mesmo que apenas só mais um dos nove ministros restantes tenha
votado — Alexandre de Moraes. Há sinais de que não haverá um perigoso
tolhimento dos organismos de fiscalização, mas a clarificação de regras
para ordenar melhor o fluxo de informações entre eles, sem risco de
ferir o preceito constitucional da privacidade.
Mesmo que o ministro Alexandre de Moraes possa ter parecido pouco rígido
na graduação da remessa de informações (UIF/Receita) ao MP, há
convergências entre sua posição e a do relator Toffoli em aspectos do
rito a ser seguido neste circuito de remessa e recebimento de dados.
Ainda é necessário definir se, além da Receita, objeto da reclamação,
também serão incluídos no julgamento os demais entes que atuam no âmbito
da inteligência financeira. Mas os votos do relator e de Moraes, junto a
tendências conhecidas de outros ministros,
indicam haver grande
possibilidade de o combate à corrupção ser preservado, e com mais
segurança jurídica. Sem que o Brasil se torne um pária por romper
tratados de que participa para o combate à lavagem de dinheiro,
instrumento usado pelo crime organizado dentro e fora do país.