Líderes de partidos do Centrão querem condicionar a aprovação do
pacote anticrime apresentado pelo ministro da Justiça,
Sérgio Moro, à votação do projeto de lei que endurece a lei de abuso de autoridade. O texto foi aprovado no
Senado em abril de 2017, mas não avançou na
Câmara porque ganhou a pecha de anti-Lava Jato, por prever punição a juízes e integrantes do Ministério Público.
Agora, deputados vão usar a crise na
Receita Federal como pretexto para votar o projeto de abuso de autoridade. A articulação é estimulada por ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do
Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Integrantes das duas Cortes ou até mesmo seus parentes estão entre os
134 contribuintes alvo de pente-fino da Receita. O vazamento dessas
informações provocou reação do Judiciário.
Já o Tribunal de Contas da União (TCU) mandou abrir uma inspeção.
O presidente da Câmara,
Rodrigo Maia
(DEM-RJ), afirmou a interlocutores que o pacote de Moro andará no mesmo
ritmo do projeto de abuso de autoridade. Procurado para falar sobre
esse ponto, Maia não se manifestou. Já o líder do DEM, deputado
Elmar Nascimento (BA), afirmou ao
Estado que a investigação da Receita foi uma surpresa.
“Se fizeram isso com um ministro do Supremo e com a mulher do
presidente da Corte, o que se pode fazer com qualquer cidadão?
Aí é que
se pressiona pela votação do projeto de abuso de autoridade”, afirmou o
deputado, em referência a
Gilmar Mendes e a
Roberta Rangel,
mulher do ministro Dias Toffoli.
A ministra do STJ Isabel Gallotti também entrou na mira da Receita Federal.
[da mesma forma que o abuso de autoridade precisa ser contido, é dificil de entender a impunidade dos vazamentos - o Coaf, exercendo suas atribuições legais e de grande importância detectou movimentações atípicas na conta de um ex-assessor de um dos filhos do presidente Bolsonaro;
tais movimentações deviam e devem ser investigadas e tudo esclarecido, mas, por envolver, ainda que indiretamente, um dos filhos do presidente da República, o assunto vazou, vazamentos diários, e até hoje tais vazamentos (criminosos) não foram apurados.
Receita Federal, MP, PF, Coaf e qualquer órgão do Governo Federal tem o DEVER e o DIREITO de investigar o que for da sua competência institucional, encontrando irregularidades aprofundar as investigações, envolver outros órgãos, com competência legal, nas investigações, denunciar, processar e punir.
O inaceitável é que o assunto vaze, especialmente para prejudicar determinadas pessoas em função do cargo que exercem. ]
Em
nota,
a Receita afirmou que “os indícios originalmente apontados não se
confirmaram, razão pela qual os procedimentos de fiscalização não foram
instaurados”. O secretário especial da Receita,
Marcos Cintra, chegou a pedir desculpas aos contribuintes que tiveram seus dados expostos. Gilmar,
por sua vez, reforçou o coro sobre a necessidade de o Congresso votar o
projeto de abuso de autoridade
. “Está evidente que (o vazamento) virou um festival, um pandemônio”, argumentou ele.
O líder do PP,
Arthur Lira
(AL), definiu como
“esculhambação” não apenas o vazamento de dados da
Receita, como de investigações da Justiça e do Ministério Público.
“Sempre defendi o projeto de abuso de autoridade.” No PT, o deputado
Paulo Pimenta
(RS), líder da bancada, também disse ser favorável a dar prioridade ao
projeto que pune desvios de conduta de agentes públicos.
“Somos a favor
porque todos os setores da sociedade devem ter regras. Sejam deputados
ou juízes”, declarou Pimenta. Até mesmo integrantes do partido do presidente, o PSL, admitem votar as duas propostas
“casadas”. A deputada
Bia Kicis (DF) ressalvou, porém, que a alternativa
“não pode prejudicar o pacote de Moro”.
Penas
O
projeto sobre abuso de autoridade prevê mais de 30 ações que podem ser
assim classificadas,
com penas que variam de seis meses a quatro anos de
prisão. Para a força-tarefa da
Lava Jato, essas medidas, se aprovadas, acabarão por restringir as investigações. Na
prática, a votação conjunta das duas proposições também é uma resposta
do Congresso a trechos do pacote de Moro, como o que criminaliza o caixa
2 nas campanhas eleitorais. A medida foi apartada do projeto principal
justamente para evitar danos à parte do pacote que trata da segurança
pública e do combate ao crime organizado.
Na tentativa de obter apoio
dos congressistas, o próprio Moro tem adotado discurso mais brando sobre
o caixa 2.
Maia ainda avalia se irá ou não instaurar uma
comissão especial para analisar o pacote anticrime. Nesse caso, o
conjunto de propostas teria de tramitar em diversas comissões temáticas
,
o que poderia prolongar por anos a análise final. “Ainda não decidi.
Vamos analisar isso com calma”, disse Maia ao
Estado. A
preocupação é evitar que esse debate contamine a votação da reforma da
Previdência. A pauta econômica é prioridade não só do governo como do
presidente da Câmara. Outro
“entrave” ao projeto de Moro é o ministro do Supremo
Alexandre de Moraes.
Ex-ministro da Justiça, ele integrou uma comissão de juristas que
preparou projeto semelhante ao de Moro. Na noite de ontem, os dois se
reuniram para tentar uma aproximação.
O Estado de S. Paulo