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sábado, 3 de junho de 2023

O “carrinho” do atraso- J. R. Guzzo

Revista Oeste

O governo insiste em “aumentar o consumo” dando reduções artificiais de preço, quando a única maneira eficaz de levar um cidadão a comprar mais é aumentar a sua renda — algo que só é possível com crescimento econômico


Luiz Inácio Lula da Silva, Janja e Geraldo Alckmin | Foto: Montagem Revista Oeste/Ricardo Stuckert/PR/Shutterstock

O “carro popular” que anda em discussão por aí é o retrato mais nítido do que é realmente o governo Lula na vida real da economia brasileira — uma trapaça permanente, mal-arrumada e sem benefício nenhum para o interesse público, que só é levada adiante, o tempo inteiro, pela propaganda oficial. É sempre a mesma tapeação: uma medida que “enfim” se propõe a ajudar os “pobres deste país” com a doação de algum benefício material. É sempre o mesmo resultado: o Tesouro Nacional transfere dinheiro público para uma facção qualquer da confederação de parasitas que manda no Brasil, e o pobre de verdade não ganha coisa nenhuma

 O “carrinho” do pobre, como diz Lula e a mídia repete no piloto automático, é como o voo de avião com passagem “baratinha”, o apartamento popular com “terracinho” e outros prêmios de programa de auditório que ele passa a vida prometendo ao “povo”. Na prática não acontece nada, a não ser a entrega de impostos a um punhado de amigos capazes de falar mais alto que os outros dentro do palácio presidencial. “Carro popular” é como a “picanha”: não existe, a não ser no churrasco para os ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, ou em outros folguedos dessa corte de Luís XV subdesenvolvida, brega e gulosa que continua a engordar em Brasília com o trabalho do povo brasileiro.


“Carro popular” é como a “picanha”: não existe, a não ser no churrasco para os ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes | Foto: Shuterstock

O “carro popular” do governo Lula é tudo o que pode existir de mais atrasado em qualquer proposta de “política industrial”, como eles gostam de dizer: entrega dinheiro de todos os brasileiros para a produção de um bem de qualidade ruim, que não serve para nada a não ser ajudar as montadoras a continuarem operando com métodos industriais da idade da pedra — e, quem sabe, permitir que a classe média economize uns trocados para ter um segundo carro na garagem. 
A proposta, pelo que deu para entender até agora, reduz impostos federais e quer oferecer ao público uma carroça por R$ 60 mil em vez de R$ 70 mil, digamos — como se algum pobre brasileiro, no mundo das realidades, tivesse dinheiro para pagar um carro de R$ 60 mil ou qualquer preço parecido. No caso, o único efeito prático será aumentar duas coisas: a frota que está batendo lata na rua com carros de terceira categoria e o estoque nacional de ferro-velho. É isso, na prática, que produz a “política econômica com preocupação social” do governo Lula — atraso direto na veia, com os “pobres” servindo de biombo para a promoção de interesses privados dos amigos, e dos amigos dos amigos.
 
Eis aí, exposto à luz do sol, mais um exemplo do que talvez seja um dos piores traços do caráter de Lula como homem público — a ignorância mal-intencionada.  
Ele não tem, comprovadamente, capacidade para tomar nenhuma decisão que seja de fato competente — e, ao mesmo tempo, tem sempre um propósito viciado nas decisões que toma. Ou seja: decide errado, e pelo motivo errado. Acaba contaminando todo o seu governo, pois o presidente vive num bioma povoado unicamente de puxa-sacos sem nenhum vestígio de espinha dorsal, incapazes de lhe dar uma única opinião honesta — seja qual for a estupidez que ele quer impor ao país, todos concordam. 
 
No caso do carro “para o pobre” a estupidez é múltipla. O governo insiste, aí, na miragem de “aumentar o consumo” popular dando reduções artificiais de preço nisso ou naquilo, quando a única maneira eficaz de levar um cidadão a comprar mais é aumentar a sua renda — algo que só é possível com crescimento econômico, o que, por sua vez, só é possível com a combinação de investimento privado em massa e plena liberdade para os sistemas de produção. O governo Lula, na sua ação concreta, é francamente hostil a isso tudo. 
 Acha que a única maneira de investir é aumentar o “gasto público” algo que no Brasil só serve para transferir o resultado do trabalho de todos para o bolso das mesmas minorias que formam essa elite inepta, preguiçosa e dependente do Erário que manda no país desde Pedro Álvares Cabral. Fizeram isso durante quase 14 anos seguidos, quando tiveram a chance de aplicar o seu “modelo” no governo. Produziram a maior recessão da história econômica do Brasil. Estão fazendo exatamente a mesma coisa de novo.

O carro “baratinho” é uma idiotice, também, porque se coloca diretamente contra toda a lógica que existe hoje na indústria mundial. Um produto só vale alguma coisa, de verdade, se puder ser vendido no exterior; se não serve para ser exportado, não serve para nada que faça sentido efetivo do ponto de vista econômico. 
Para isso, qualidade e tecnologia de ponta são essenciais e o governo Lula está propondo utilizar dinheiro público para fabricar produtos de baixa qualidade e com tecnologia em estado de coma. Pense um pouco. Passa pela cabeça de algum sujeito normal, na Alemanha, na Inglaterra ou nos Estados Unidos, comprar um carro produzido no Brasil? 
Por que raios faria isso, se o automóvel brasileiro é pior e mais caro? 
Já é assim, hoje, com qualquer modelo. Imagine-se, então, com o “carrinho” que Lula quer fazer no seu programa “social”.  
É uma negação de tudo o que está valendo no mundo como ele é hoje. Para completar o desastre, o governo quer incentivar o uso do “componente nacional” na fabricação desse seu novo portento. 
É o oposto, exatamente, do que a realidade atual exige — cadeias produtivas capazes de importar pelo menor preço possível, de qualquer lugar do mundo, componentes de qualidade máxima para montar o melhor produto final e colocar esse produto com chances reais de venda no mercado internacional. Se não tem acesso ao mercado externo, é produto ruim; se é produto ruim, o governo não pode ajudar com subsídio.

Numa época em que a indústria mundial fala em nanociência, robôs e inteligência artificial, Lula fala, acredite se quiser, em “trocar tecnologia” com a Venezuela

Vale para qualquer coisa — a chave de tudo é a capacidade de competir. É por isso, e por nenhuma outra razão, que o Brasil não exporta equipamentos de tomografia, máquinas de precisão e reatores atômicos. Quem iria comprar? Em compensação, faz sucesso vendendo no exterior aviões a jato da Embraer — que importa tudo o que encontra de melhor no mundo para montar os seus produtos aqui no Brasil. O economista Samuel Pessôa deu há pouco, no jornal O Estado de S. Paulo, uma entrevista que resume com notável clareza toda essa situação. “O governo petista, na sua outra fase no Planalto, colocou R$ 400 bilhões no BNDES para gerar fundos de crédito subsidiado”, diz Pessôa. “Os estudos que conheço mostram que isso não gerou muitos resultados.” Só vale a pena investir dinheiro público em subsídios, afirma ele, se for para a produção de coisas que possam ser exportadas. “Muitos falam dos subsídios agrícolas, mas a agricultura exporta, e muito”, diz o economista — mais exatamente, exportou US$ 160 bilhões em 2022, ou cerca de metade de todas as exportações do país. E a indústria automobilística
Exportou quanto no ano passado? Mal passou dos US$ 10 bilhões, e tudo vendido na periferia do mercado. “No dia em que a nossa indústria conseguir fazer um carro que compita no mercado internacional, aí eu vou achar que algum tipo de subsídio vai fazer sentido. Mas essa é uma indústria que está conosco há 60 anos e, tirando um ou outro período relativamente curto, nunca gerou capacidade exportadora.” É simples. Uma fábrica de carros só faz nexo como negócio, hoje em dia, se for capaz de produzir 300 mil unidades do mesmo modelo por ano. Para isso, precisa exportar, porque só as vendas internas não produzem escala suficiente — e para exportar precisa da qualidade, que é o exato contrário da proposta do “carrinho barato”.

Truques como o “carro barato” não levam nada de útil para a sociedade, pois os problemas do desenvolvimento brasileiro vão muito além disso. Pessôa lembra os exemplos da Coreia, Taiwan, Japão e China. “Olhem a qualidade educacional desses países”, diz ele. “Eles não têm indústria porque dão subsídio, mas porque trabalham muito, estudam muito, poupam muito.” 
Não tem nada a ver com o que faz o governo Lula; querem aqui, justamente, sabotar o trabalho, o estudo e a poupança pública. 
Ainda há pouco, Lula e o vice, Geraldo Alckmin, falavam de uma “política de neo-industrialização” para o Brasil. 
Poderiam ser duas múmias discutindo o seu programa de construção de pirâmides no Egito dos faraós. 
Numa época em que a indústria mundial fala em nanociência, robôs e inteligência artificial, Lula fala, acredite se quiser, em “trocar tecnologia” com a Venezuela — isso mesmo, a Venezuela, que não consegue produzir um parafuso de rosca. Pior: não passa pela cabeça de nenhum dos dois, e de ninguém no governo, que simplesmente não existe sociedade desenvolvida, com maior igualdade e mais justiça, sem níveis de educação muitíssimo superiores aos do Brasil que ocupa os piores lugares do mundo no conhecimento da matemática, das ciências e da simples capacidade de leitura, por culpa exclusiva e direta da qualidade desastrosa do ensino público
Como lembrou a economista Cláudia Costin no mesmo O Estado de S. Paulo, nenhum país conseguiu se industrializar dando apenas quatro horas de aula por dia, como o Brasil. E aí — o que Lula e Alckmin vão fazer com o seu programa de neo-industrialização? 
Se o governo pudesse, haveria só três horas, pois o Sistema Lula-PT vai estar sempre do lado dos interesses da sua clientela, e não da maioria. Seu projeto educacional é o projeto do sindicato dos professores, e o sindicato dos professores tem interesses opostos aos interesses dos alunos; na epidemia de covid, para ficar só no último exemplo, foram esses sindicatos que impediram por mais tempo a reabertura das escolas. É a frente unida pela preservação da ignorância, que torna impossível o avanço social do Brasil. 
É o triunfo do eterno conto do vigário do governo Lula.

Leia também Em busca do silêncio”

J. R. Guzzo, colunista - Revista Oeste

 

 

quarta-feira, 16 de novembro de 2022

"Parecemos um país ciclotímico e masoquista" - Alexandre Garcia

Crise institucional ter origem num Tribunal Constitucional é a última causa que se pode imaginar. Parecemos um país ciclotímico e masoquista. Quando a nação se encaminha para grandeza, pensa que não merece e provoca numa guinada para cair de novo

Lula quando fala assusta, como disse a decepcionada economista Elena Landau, que o apoiou no segundo turno. "Lula não aprendeu com os erros do passado". Na verdade, parece que voltou ainda mais disposto a recrudescer nos erros. Agora mesmo aceitou o jatinho para ir ao Egito, como aceitou o sítio e o triplex. [se ele tivesse puxando  cadeia não cometeria o delito de agora; 
bandido preso comete menos crimes = certeza da punição; 
bandido SOLTO,  pratica mais crime = certeza de impunidade.] Henrique Meirelles já recolheu os flaps e não está disposto a pousar no novo governo. "Boa sorte!", desejou ironicamente Meirelles, que vê um período diferente daquele primeiro ano de Lula, em 2003, em que a economia mundial derramava suas bênçãos sobre o Brasil.  
Hoje, a economia chinesa, desacelerada, faz uma grande diferença.
 
Depois do desprezo pelo "tal mercado", Lula foi condenado com duras palavras por editorial da Folha de S.Paulo, que tanto o apoiou. 
Pérsio Arida, falando ontem em Nova York, parecia Paulo Guedes; será que fica na equipe de transição? [ficha suja, prontuário com delitos é o que não falta na equipe do eleito = tem o Paulo Bernardo, o Genoíno, a Gleisi, o Mantega = em contagem rápida, contamos mais de 30 prontuários sujos.]  
Investidores, empregadores, produtores ainda não sabem o que virá. Fernando Haddad em lugar de Paulo Guedes pode ser apenas um bode na sala, para dar lugar a alguém que tenha assistido a mais de dois meses de aula de economia.  
Boulos para Habitação é tão irônico quanto Stédile para a Reforma Agrária. [exatamente exato; não esqueçamos o senador Costa pronto para a Saúde - é só atualizar o vulgo de 'drácula' para 'drácula 1'.]     Os nomes que circulam podem ser de fogo amigo de quem está de olho no ministério, ou fake news para assustar, mas bem que Lula poderia mostrar algum nome que acalmasse a incerteza que faz os investidores apertarem fundo o pé no freio. [em nosso entendimento ele,  por ser apenas presidente eleito, pode ser processado pela vantagem ilícita do jatinho; o PL também declarou que vai impugnar o mandato do eleito = fulcro no parágrafo 14, artigo 10, da CF.]

Avestruz

Enquanto isso, ele pega o jatinho de 54 milhões de dólares com matrícula americana de um empresário de plano de saúde, que, como ele, já andou preso, e voa para o Egito dos faraós.
As manifestações de rua continuam e os comandantes das três Forças Armadas deram um aviso direto, sem intermediários, às instituições e ao povo: estão ao lado do povo, fonte do poder, e lembram que a lei diz que não é crime a manifestação crítica contra as instituições, vale dizer, o Supremo, o Congresso, o presidente ou mesmo o Exército. [em outras palavras = entendimento maciço do POVO: o cidadão que criticar o governo, falar alguma verdade indigesta, pode até ser preso de madrugada em sua residência, mas NÃO SERÁ PRESO em ÁREA MILITAR, protestando,  pacificamente contra o governo ou falando verdades indigestas.]  
 
A nota adverte que o Legislativo, casa do povo, tem que ser respeitado — isto é, não se pode prender deputado nem censurar parlamentar e rede social —, e que os parlamentares precisam corrigir possíveis arbitrariedades e desvios autocráticos — vale dizer, o Senado precisa fazer o Supremo voltar à Constituição e ao devido processo legal. 
A nota reitera que as Forças Armadas estão a serviço do povo brasileiro e que as autoridades a serviço desse povo precisam atender reivindicações legais e legítimas. 
Fingir que não viu, não leu e não ouviu é esconder-se como avestruz. [entendemos que a reivindicação, petição, respeitosa, pode até ser negada, mas negativa fundamentada, jamais um antidemocrático 'arquive-se'.] 
Desrespeitaram direitos e garantias individuais que são cláusulas pétreas da Constituição e do direito natural.  
Crise institucional ter origem num tribunal constitucional é a última causa que se pode imaginar. 
Parecemos um país ciclotímico e masoquista. Quando a nação se encaminha para a grandeza, pensa que não merece e provoca uma guinada para cair de novo. 
Desta vez, a guinada veio de uma elite da política, da Justiça e da mídia, usando eleitores desinformados. 
Planejada ou não, muitos sentem nesses dias uma transição para baixo.

Alexandre Garcia, colunista - Correio Braziliense


sábado, 11 de abril de 2020

A cadeira e o homem - Nas entrelinhas

“Ao estimular as pessoas a saírem do isolamento e voltarem ao trabalho, Bolsonaro não leva em conta o risco de colapso do sistema de saúde

Dizem que a cadeira é uma invenção dos antigos egípcios, que adicionaram um encosto aos assentos. Faraós reinavam em cadeiras de madeira dourada, adornadas com ébano e marfim. Daí em diante, o trono seria a representação da ambição e do poder dos monarcas. Somente com a Revolução Industrial e o capitalismo passaram a ser produzidas em série, como as cadeiras Thonet, famosas pelo curvamento das madeiras, que foram as primeiras numeradas e vendidas por catálogos. No começo do século passado, o ferro passou a ser utilizado para reforçar as cadeiras, como no caso da Hil House de Charles R. Mackintosh, em 1928. Logo surgiram peças mais arrojadas, como a cadeira Wassily, de Marcel Breuer, inspirada nos tubos das bicicletas.

Com o modernismo, as escolas de Bauhaus e Milão passaram a dar o tom na produção do mobiliário mais arrojado. As cadeiras do Palácio da Alvorada, por exemplo, são peças autênticas do modernismo brasileiro, especialmente desenhadas a pedido do arquiteto Oscar Niemeyer. Foram recuperadas pouco antes de Jair Bolsonaro assumir o governo, por uma comissão cuja curadoria ficou a cargo da própria designer dos sofás, poltronas e cadeiras. Anna Maria Niemeyer cuidou pessoalmente da restauração e do posicionamento de móveis, quadros, tapetes, estátuas e outras obras de arte do acervo, que retornaram aos locais que ocupavam no projeto de interiores original, a partir de rigorosa pesquisa. 
A primeira coisa que o presidente Jair Bolsonaro fez ao chegar ao Alvorada foi mandar substituir as cadeiras vermelhas por cadeiras azuis [medida acertadíssima e que integra qualquer processo de desinfecção dos males do petismo.] da grande mesa do Salão de Estado, com 18 lugares.

Com seis metros, base de jacarandá e latão e tampo de pau-ferro, estava em péssimo estado quando foi reconstituída a sua base, com polimento do metal dourado oxidado e a fabricação de um novo tampo. A despesa de R$ 5 mil recuperou uma peça avaliada em R$ 300 mil, devido ao seu valor artístico e histórico. No painel de madeira que reveste a maior parede do ambiente, destaca-se uma tapeçaria assinada por Di Cavalcanti, cuja limpeza havia removido 1kg de pó. A reforma foi realizada no governo de Michel Temer, que assumiu a Presidência, mas preferiu continuar morando no Palácio do Jaburu, que considerava mais aconchegante.

Essa visita ao mobiliário do Alvorada tem uma motivação política: um comentário do ex-presidente José Sarney, durante uma entrevista ao jornalista Roberto D’Ávila, na GloboNews: “A cadeira é maior do que o presidente, não é ela que deve se adaptar”, disse o veterano político conservador. Sarney governou o Brasil num momento difícil, a transição à democracia, enfrentando um período muito conturbado, com milhares de greves, hiperinflação e uma Constituinte que estava acima de tudo, sob comando do líder da derrotada campanha das Diretas Já, o deputado Ulysses Guimarães, presidente do então PMDB.

Além disso, Sarney havia assumindo em razão da morte do presidente Tancredo Neves, ou seja, como vice de um presidente eleito por via indireta, embora com amplo respaldo político e social, mas que nem chegou a tomar posse. Mesmo depois de encerrada sua longeva carreira parlamentar, continua sendo uma espécie de oráculo dos cabeças brancas do MDB e do DEM, porque se mantém lúcido e tem memória privilegiada, às vésperas de completar 90 anos, no próximo dia 24 de abril. A referência à cadeira foi a única crítica velada que Sarney fez a Bolsonaro durante toda a entrevista. Disse que não gosta de comentar a atuação de seus sucessores.

Imprudência
Nos bastidores, porém, Sarney sempre foi um interlocutor privilegiado, levado em conta no Congresso, sobretudo nos momentos de crise, como a que estamos enfrentando. Suas principais características são a prudência, a moderação e a capacidade de adaptação às circunstâncias.  [fato é que as três podem ser unificadas em 'capacidade de ficar em cima de um muro'.] Esses não são o forte do presidente Jair Bolsonaro. Talvez a principal causa da deterioração do atual cenário político esteja sintetizada no breve comentário de Sarney: Bolsonaro não respeita a liturgia do cargo, se acha maior do que a cadeira que ocupa. Não se dá conta de que o simbolismo da liderança está muito mais no poder de articulação do presidente da República, quando conversa com alguém, do que na caneta cheia de tinta para assinar exonerações, nomeações e medidas provisórias. [Geisel -  um modelo de presidente e cuja conduta, postura, deveria ser seguida por Bolsonaro - especialmente, no falar -  ao que se sabe, nunca mencionou em seu período de governo, sua caneta.] 

A articulação transborda para os demais poderes e níveis de governo, enquanto a caneta se limita às atribuições do governo federal, que pode muito, mas não pode tudo que Bolsonaro gostaria. É óbvio que essa questão comportamental reflete uma concepção de mundo e de exercício de poder, mas está aquém das mudanças em curso no mundo e de uma pandemia que pôs tudo de pernas para o ar. Ontem, pela primeira vez, num passeio pela Asa Norte de Brasília, quando resolveu confraternizar com comerciantes e populares numa padaria, Bolsonaro sentiu a chamada voz rouca das ruas [será que foi a voz rouca das ruas os ruídos que chamam de 'panelaços' ou  foram os estertores dos que não aceitam o presidente Bolsonaro na Presidência da República?] criticando seu posicionamento em relação à política de distanciamento social preconizada por Ministério da Saúde, governadores e prefeitos.

Ao estimular as pessoas a saírem do isolamento e voltarem ao trabalho, contrariando a orientação das autoridades estaduais e municipais, Bolsonaro parece não levar em conta que todos os que procederam dessa maneira estão enfrentando grandes dificuldades. É o caso de Donald Trump, nos Estados Undos, em risco de inviabilizar sua própria reeleição. As nossas dificuldades podem ser ainda maiores. Nas últimas 24 horas, houve 141 mortes e 1.930 casos confirmados. [FATO: infelizmente o crescimento era esperado, pior é que o  índice de letalidade é liderado por São Paulo, pioneiro no isolamento exacerbado = Brasil, beirando os 5%, São Paulo acima dos 6% = quando comparados o paulista é  superior em 20% ao do Brasil.] Olhando os gráficos, parece que não estamos conseguindo achatar a curva da epidemia na medida necessária para evitar o colapso do sistema de saúde. Se isso ocorrer, Bolsonaro será o principal responsável perante a opinião pública.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo, jornalista - Correio Braziliense