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sábado, 3 de junho de 2023

O “carrinho” do atraso- J. R. Guzzo

Revista Oeste

O governo insiste em “aumentar o consumo” dando reduções artificiais de preço, quando a única maneira eficaz de levar um cidadão a comprar mais é aumentar a sua renda — algo que só é possível com crescimento econômico


Luiz Inácio Lula da Silva, Janja e Geraldo Alckmin | Foto: Montagem Revista Oeste/Ricardo Stuckert/PR/Shutterstock

O “carro popular” que anda em discussão por aí é o retrato mais nítido do que é realmente o governo Lula na vida real da economia brasileira — uma trapaça permanente, mal-arrumada e sem benefício nenhum para o interesse público, que só é levada adiante, o tempo inteiro, pela propaganda oficial. É sempre a mesma tapeação: uma medida que “enfim” se propõe a ajudar os “pobres deste país” com a doação de algum benefício material. É sempre o mesmo resultado: o Tesouro Nacional transfere dinheiro público para uma facção qualquer da confederação de parasitas que manda no Brasil, e o pobre de verdade não ganha coisa nenhuma

 O “carrinho” do pobre, como diz Lula e a mídia repete no piloto automático, é como o voo de avião com passagem “baratinha”, o apartamento popular com “terracinho” e outros prêmios de programa de auditório que ele passa a vida prometendo ao “povo”. Na prática não acontece nada, a não ser a entrega de impostos a um punhado de amigos capazes de falar mais alto que os outros dentro do palácio presidencial. “Carro popular” é como a “picanha”: não existe, a não ser no churrasco para os ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, ou em outros folguedos dessa corte de Luís XV subdesenvolvida, brega e gulosa que continua a engordar em Brasília com o trabalho do povo brasileiro.


“Carro popular” é como a “picanha”: não existe, a não ser no churrasco para os ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes | Foto: Shuterstock

O “carro popular” do governo Lula é tudo o que pode existir de mais atrasado em qualquer proposta de “política industrial”, como eles gostam de dizer: entrega dinheiro de todos os brasileiros para a produção de um bem de qualidade ruim, que não serve para nada a não ser ajudar as montadoras a continuarem operando com métodos industriais da idade da pedra — e, quem sabe, permitir que a classe média economize uns trocados para ter um segundo carro na garagem. 
A proposta, pelo que deu para entender até agora, reduz impostos federais e quer oferecer ao público uma carroça por R$ 60 mil em vez de R$ 70 mil, digamos — como se algum pobre brasileiro, no mundo das realidades, tivesse dinheiro para pagar um carro de R$ 60 mil ou qualquer preço parecido. No caso, o único efeito prático será aumentar duas coisas: a frota que está batendo lata na rua com carros de terceira categoria e o estoque nacional de ferro-velho. É isso, na prática, que produz a “política econômica com preocupação social” do governo Lula — atraso direto na veia, com os “pobres” servindo de biombo para a promoção de interesses privados dos amigos, e dos amigos dos amigos.
 
Eis aí, exposto à luz do sol, mais um exemplo do que talvez seja um dos piores traços do caráter de Lula como homem público — a ignorância mal-intencionada.  
Ele não tem, comprovadamente, capacidade para tomar nenhuma decisão que seja de fato competente — e, ao mesmo tempo, tem sempre um propósito viciado nas decisões que toma. Ou seja: decide errado, e pelo motivo errado. Acaba contaminando todo o seu governo, pois o presidente vive num bioma povoado unicamente de puxa-sacos sem nenhum vestígio de espinha dorsal, incapazes de lhe dar uma única opinião honesta — seja qual for a estupidez que ele quer impor ao país, todos concordam. 
 
No caso do carro “para o pobre” a estupidez é múltipla. O governo insiste, aí, na miragem de “aumentar o consumo” popular dando reduções artificiais de preço nisso ou naquilo, quando a única maneira eficaz de levar um cidadão a comprar mais é aumentar a sua renda — algo que só é possível com crescimento econômico, o que, por sua vez, só é possível com a combinação de investimento privado em massa e plena liberdade para os sistemas de produção. O governo Lula, na sua ação concreta, é francamente hostil a isso tudo. 
 Acha que a única maneira de investir é aumentar o “gasto público” algo que no Brasil só serve para transferir o resultado do trabalho de todos para o bolso das mesmas minorias que formam essa elite inepta, preguiçosa e dependente do Erário que manda no país desde Pedro Álvares Cabral. Fizeram isso durante quase 14 anos seguidos, quando tiveram a chance de aplicar o seu “modelo” no governo. Produziram a maior recessão da história econômica do Brasil. Estão fazendo exatamente a mesma coisa de novo.

O carro “baratinho” é uma idiotice, também, porque se coloca diretamente contra toda a lógica que existe hoje na indústria mundial. Um produto só vale alguma coisa, de verdade, se puder ser vendido no exterior; se não serve para ser exportado, não serve para nada que faça sentido efetivo do ponto de vista econômico. 
Para isso, qualidade e tecnologia de ponta são essenciais e o governo Lula está propondo utilizar dinheiro público para fabricar produtos de baixa qualidade e com tecnologia em estado de coma. Pense um pouco. Passa pela cabeça de algum sujeito normal, na Alemanha, na Inglaterra ou nos Estados Unidos, comprar um carro produzido no Brasil? 
Por que raios faria isso, se o automóvel brasileiro é pior e mais caro? 
Já é assim, hoje, com qualquer modelo. Imagine-se, então, com o “carrinho” que Lula quer fazer no seu programa “social”.  
É uma negação de tudo o que está valendo no mundo como ele é hoje. Para completar o desastre, o governo quer incentivar o uso do “componente nacional” na fabricação desse seu novo portento. 
É o oposto, exatamente, do que a realidade atual exige — cadeias produtivas capazes de importar pelo menor preço possível, de qualquer lugar do mundo, componentes de qualidade máxima para montar o melhor produto final e colocar esse produto com chances reais de venda no mercado internacional. Se não tem acesso ao mercado externo, é produto ruim; se é produto ruim, o governo não pode ajudar com subsídio.

Numa época em que a indústria mundial fala em nanociência, robôs e inteligência artificial, Lula fala, acredite se quiser, em “trocar tecnologia” com a Venezuela

Vale para qualquer coisa — a chave de tudo é a capacidade de competir. É por isso, e por nenhuma outra razão, que o Brasil não exporta equipamentos de tomografia, máquinas de precisão e reatores atômicos. Quem iria comprar? Em compensação, faz sucesso vendendo no exterior aviões a jato da Embraer — que importa tudo o que encontra de melhor no mundo para montar os seus produtos aqui no Brasil. O economista Samuel Pessôa deu há pouco, no jornal O Estado de S. Paulo, uma entrevista que resume com notável clareza toda essa situação. “O governo petista, na sua outra fase no Planalto, colocou R$ 400 bilhões no BNDES para gerar fundos de crédito subsidiado”, diz Pessôa. “Os estudos que conheço mostram que isso não gerou muitos resultados.” Só vale a pena investir dinheiro público em subsídios, afirma ele, se for para a produção de coisas que possam ser exportadas. “Muitos falam dos subsídios agrícolas, mas a agricultura exporta, e muito”, diz o economista — mais exatamente, exportou US$ 160 bilhões em 2022, ou cerca de metade de todas as exportações do país. E a indústria automobilística
Exportou quanto no ano passado? Mal passou dos US$ 10 bilhões, e tudo vendido na periferia do mercado. “No dia em que a nossa indústria conseguir fazer um carro que compita no mercado internacional, aí eu vou achar que algum tipo de subsídio vai fazer sentido. Mas essa é uma indústria que está conosco há 60 anos e, tirando um ou outro período relativamente curto, nunca gerou capacidade exportadora.” É simples. Uma fábrica de carros só faz nexo como negócio, hoje em dia, se for capaz de produzir 300 mil unidades do mesmo modelo por ano. Para isso, precisa exportar, porque só as vendas internas não produzem escala suficiente — e para exportar precisa da qualidade, que é o exato contrário da proposta do “carrinho barato”.

Truques como o “carro barato” não levam nada de útil para a sociedade, pois os problemas do desenvolvimento brasileiro vão muito além disso. Pessôa lembra os exemplos da Coreia, Taiwan, Japão e China. “Olhem a qualidade educacional desses países”, diz ele. “Eles não têm indústria porque dão subsídio, mas porque trabalham muito, estudam muito, poupam muito.” 
Não tem nada a ver com o que faz o governo Lula; querem aqui, justamente, sabotar o trabalho, o estudo e a poupança pública. 
Ainda há pouco, Lula e o vice, Geraldo Alckmin, falavam de uma “política de neo-industrialização” para o Brasil. 
Poderiam ser duas múmias discutindo o seu programa de construção de pirâmides no Egito dos faraós. 
Numa época em que a indústria mundial fala em nanociência, robôs e inteligência artificial, Lula fala, acredite se quiser, em “trocar tecnologia” com a Venezuela — isso mesmo, a Venezuela, que não consegue produzir um parafuso de rosca. Pior: não passa pela cabeça de nenhum dos dois, e de ninguém no governo, que simplesmente não existe sociedade desenvolvida, com maior igualdade e mais justiça, sem níveis de educação muitíssimo superiores aos do Brasil que ocupa os piores lugares do mundo no conhecimento da matemática, das ciências e da simples capacidade de leitura, por culpa exclusiva e direta da qualidade desastrosa do ensino público
Como lembrou a economista Cláudia Costin no mesmo O Estado de S. Paulo, nenhum país conseguiu se industrializar dando apenas quatro horas de aula por dia, como o Brasil. E aí — o que Lula e Alckmin vão fazer com o seu programa de neo-industrialização? 
Se o governo pudesse, haveria só três horas, pois o Sistema Lula-PT vai estar sempre do lado dos interesses da sua clientela, e não da maioria. Seu projeto educacional é o projeto do sindicato dos professores, e o sindicato dos professores tem interesses opostos aos interesses dos alunos; na epidemia de covid, para ficar só no último exemplo, foram esses sindicatos que impediram por mais tempo a reabertura das escolas. É a frente unida pela preservação da ignorância, que torna impossível o avanço social do Brasil. 
É o triunfo do eterno conto do vigário do governo Lula.

Leia também Em busca do silêncio”

J. R. Guzzo, colunista - Revista Oeste

 

 

quinta-feira, 13 de abril de 2023

E se Lula for o Plano B? - Percival Puggina

 

         Não se requer muita imaginação para perceber uma certa ordem (no sentido filosófico da palavra) quando se rememora a sequência de decisões judiciais que iniciou com aquele voto do ministro Gilmar Mendes. Em 2016, com Lula e outros réus graduados soltos, o ministro votou a favor da prisão após condenação em segunda instância. Em 2019, com Lula e seus amiguinhos, o ministro mudou de ideia e prisão de quem tem bons advogados ficou para a véspera do Juízo Final.

Essa foi a ponta de uma corrente de decisões judiciais ordenadas e irrecorríveis. Na outra, aparecem duas bizarrices da política brasileira: 1ª) Lula candidato à presidência da República e 
2ª) interdição judicial a quaisquer referências a seu passado recente. Sobre todo um período triste da nossa história se impôs silêncio. Recaiu sobre aqueles “malfeitos” uma espécie de sigilo de cem anos, servilmente obedecido pela mesma mídia que cobriu as denúncias, investigações e julgamentos a que se submeteram corruptos e corruptores.

Como se sabe, há uma diferença importantíssima entre as palavras casual e causal. “Casual” se diz do que acontece por acaso; já a palavra “causal” refere algo que dá causa a determinado efeito. Acontecimentos fluem quando se abre a torneira das causalidades.

De outro lado, tenho bem presente o estupor nacional quando irrompeu na pauta política a impensável aproximação entre Luiz Inácio e Geraldo Alckmin.  
Muito foi dito sobre isso, ao longo de vários meses, sempre na sessão de curiosidades. 
Tratou-se como loucura, devaneio, coisa de terraplanistas a ideia de que essa aproximação fosse possível.  [o maligno, ateu, ex-presidiário, servidor do diabo, das forças satânicas, unir-se a um ex-membro da OPUS DEI.] 
 Que curvatura precisaria ter a espinha dorsal de alguém que, um dia disse ser a volta de Lula à presidência o retorno do criminoso à cena do crime e, noutro dia, ambicionava ser seu vice-presidente?

A linha das causalidades seguia seu curso. Tudo que parecia impossível se foi tornando provável e o provável se convertendo em fato, como se os movimentos fugissem das leis da mecânica política. Só que não! As consequências do ingresso de Alckmin na chapa da oposição, mobilizou os caciques partidários e os “donos do poder” (nas palavras de Faoro) que farejam habilmente a atmosfera política e institucional mesmo quando rarefeita. E isso ela não era. Verdadeira enxurrada de siglas partidárias e patrões da Economia, com apoio das grandes máquinas da comunicação social, fechou fileiras com a dupla.

Os primeiros cem dias do novo governo, se para algo serviram, foi para mostrar que o Poder Executivo, sob a regência do petismo e de Lula, age com uma obstinação: destruir. Destruir não apenas o que foi feito após sua saída do poder, mas, até mesmo, a memória do que foi feito
Editados com furor missionário, decretos e medidas provisórias destes cem dias lembram marretas, marteletes demolidores e rompedores, furadeiras e cortadores de concreto. Derruba tudo!
 
As atenções se voltam para Geraldo Alckmin e as especulações do ano passado sobre os planos dos donos do poder ganham consistência.  
E se a sequência de causalidades estiver seguindo seu curso? 
E se Alckmin for, desde o início, o Plano A, com Lula de Plano B, só cumprindo todo o mandato se algo der errado? [mesmo com toda a contaminação sofrida por Alckmin ao se associar ao maligno e a sua seita de demônios - lembrando  que o antes vulgo 'picolé de chuchu', já não era boa coisa quando era apenas o sucessor de Covas -  Alckmin é para o Brasil e milhões de brasileiros que não fizeram o L e outros milhões que fizeram e hoje se arrependem, a melhor, quiçá, a única, opção para o Brasil se livrar de todo o mal que o maligno está ainda iniciando a execução.]

Como Miguel de Cervantes, “yo no creo en brujas, pero que las hay, las hay”...

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

O radical Barack Obama - Ana Paula Henkel

Revista Oeste

O ex-presidente norte-americano deixou uma economia em frangalhos, uma divisão grave na espinha dorsal norte-americana, e suas digitais não serão encontradas em realizações na política externa ou interna

 Em razão do aniversário de morte de Olavo de Carvalho, o primeiro a me apresentar a nefasta cartilha da Escola de Frankfurt e seus nomes, semana passada resolvi abordar aqui em Oeste não apenas o nome, mas o legado de Saul Alinsky, um apreciador da bizarra Escola de Frankfurt e mentor de Barack Obama. A interação nas redes sociais com o artigo que mostra o personagem por trás do atual Partido Democrata nos EUA foi bastante interessante e muitos, assim como eu há algum tempo, ficaram surpresos e curiosos diante do diabólico mentor do fofo Obama. Então, já que falamos do criador, hoje falaremos da criatura.

A mídia militante global baba em Barack Obama. O sujeito é um fenômeno. Não vou negar que Obama é carismático e tem uma brilhante oratória, mas vou direto ao ponto sem rodeios: Barack Obama é uma farsa. [limitando o julgamento aos presidentes dos EUA pós 2ª Guerra Mundial, divide com Jimmy Carter, o primeiro lugar entre os piores presidentes norte-americanos. Agora, com Biden, prestes a ingressar na disputa, há o risco dos dois  perderem a primeira posição entre os piores.]

Uma das primeiras mentiras espalhadas por Obama e seus minions na imprensa é a de que não houve escândalo em seu governo. Aposto que você já ouviu que o governo Obama, quaisquer que sejam suas outras pequenas falhas, claro, foi um governo “livre de escândalos” (scandal free). Muitos de seus oficiais repetiram incansavelmente, quase como um mantra, que “se orgulhavam do fato de que o governo não teve um escândalo e nunca fez absolutamente nada para se envergonhar”.

Vamos começar por um campo muito, muito sagrado para os norte-americanos. Seus veteranos de guerras e combates. Durante o segundo mandato de Obama, pelo menos 40 veteranos morreram esperando por consultas em uma Secretaria para Veteranos (Veterans Affairs), em Phoenix, Arizona. Muitos estavam em uma lista de espera secreta — parte de um esforço para esconder que entre 1,4 mil e 1,6 mil veteranos foram forçados a esperar meses por consultas. 
Uma auditoria interna em 2014 na Secretaria descobriu que quase 60 mil veteranos recém-inscritos no programa tiveram uma espera mínima de 90 dias para atendimento médico; e que outros 63 mil veteranos que se inscreveram na última década, solicitando uma consulta, nunca foram atendidos. Até mesmo Obama admitiu em uma coletiva de imprensa, em novembro de 2016, que “foi escandaloso o que aconteceu”, mesmo tendo se gabado minutos antes na mesma entrevista de que deixaria sua administração sem nenhum escândalo significativo.

Mas não foi bem assim. Um dos maiores escândalos para qualquer administração norte-americana aconteceu sob o comando de Obama: Benghazi. O norte-americano Chris Stevens e três outros oficiais foram mortos no ataque a um complexo diplomático dos EUA na Líbia e soldados norte-americanos não tiveram ajuda na operação. Faltando menos de dois meses para a eleição de 2012 (Obama concorria à reeleição), o Departamento de Estado alegou falsamente que o ataque não foi um ataque terrorista, mas uma reação a um filme antimuçulmano. E-mails oficiais mostraram posteriormente que Hillary Clinton, secretária de Estado do governo Obama, sabia que o ataque era um ato terrorista. Os promotores do Departamento de Justiça chegaram a convencer um juiz a prender o cineasta que produziu o filme que criticava muçulmanos. Há um filme espetacular sobre essa mancha militar na história norte-americana com a digital de Obama e Hillary, “13 Horas: os Soldados Secretos de Benghazi”.

Operação Fast and Furious: o Departamento de Justiça de Obama perdeu o rastro de milhares de armas que permitiu que passassem para as mãos de supostos contrabandistas, na esperança de rastreá-las aos cartéis de drogas mexicanos. Uma das armas foi usada no tiroteio fatal de 2010 contra o agente da Patrulha de Fronteira Brian Terry. O Congresso condenou o então procurador-geral, Eric Holder, por desacato, quando ele se recusou a entregar os documentos sobre a operação.

O escândalo da Receita Federal. Em 2013, foi divulgado que oficiais da Internal Revenue Service, um braço da Receita Federal norte-americana, tinham como alvo grupos conservadores e do Tea Party para um escrutínio extra antes da eleição presidencial de 2012 entre o presidente democrata Barack Obama e o republicano Mitt Romney. As consequências foram pesadas e, pelo menos nessa ocasião, levaram à renúncia do chefe da agência tributária.

E o escândalo dos e-mails de Hillary Clinton. Quem não se lembra! Em um esforço para burlar as leis federais de registros, a secretária de Estado de Obama criou um servidor privado e usou-o exclusivamente para conduzir negócios oficiais, incluindo comunicações com o presidente e transmissão de material confidencial. Uma investigação criminal federal não produziu acusações (não é só no Brasil, não…), mas o diretor do FBI, James Comey, relatou que Hillary e seus colegas “foram extremamente descuidados” ao lidar com segredos nacionais. O caso veio à tona novamente na eleição presidencial em 2016, quando Hillary era a oponente de Donald Trump. Ela acusou o ex-diretor do FBI de prejudicar sua campanha.

O assunto petróleo sempre foi de interesse global, claro, mas, diante da atual guerra na Ucrânia, o tópico permeia também o debate público de maneira bem mais detalhada. O que poucos norte-americanos sabem é que em 2019, pela primeira vez desde pelo menos a década de 1940, os Estados Unidos exportaram mais petróleo do que importaram, estimulando o crescimento econômico. Isso foi conquistado em grande parte devido à decisão de Donald Trump de remover as onerosas restrições da era Obama à produção de petróleo em terras federais. Há apenas uma década, os avanços tecnológicos em perfuração direcional — comumente chamado de “fracking” — criaram um aumento na produção de petróleo dos EUA. A produção de petróleo do ano fiscal de 2009 a 2017 mais que dobrou em terras privadas e estatais, graças quase inteiramente à revolução do fracking. No entanto, durante o mesmo período em terras federais, praticamente não houve mudança na produção de petróleo. Embora os produtores de petróleo pudessem extrair melhor o petróleo de terras federais arrendadas, o governo Obama reduziu drasticamente o acesso dos produtores a essas terras. Como resultado, a porcentagem de petróleo produzido em terras federais caiu de 36% em 2009 para apenas 22% em 2016.

Uma vez que perdeu a maioria no Congresso, Obama assinou leis incrivelmente inconstitucionais, como o Obamacare, um programa de saúde federal que ignora o sagrado federalismo norte-americano

Em 2017, Trump iniciou seu primeiro mandato revertendo as políticas restritivas de perfuração de Obama. Como resultado, a produção de petróleo em terras federais em 2017 aumentou dramaticamente. De acordo com o Bureau of Land Management federal, a receita das vendas de aluguel de petróleo e gás quase dobrou no primeiro ano do governo Trump, em comparação com o último ano do governo Obama. A revolução do fracking aumentou significativamente a produção de petróleo dos EUA e baixou os preços do petróleo e da gasolina, explorados em propriedades federais. Além de sufocar a produção de petróleo em terras federais, Obama criticou rotineiramente o petróleo como fonte de energia e até impediu os produtores nos EUA de exportarem petróleo para outros países. Em 2015, Obama concordou em não vetar a legislação do Congresso que permitia as exportações de petróleo, mas só o fez depois que os republicanos concordaram em autorizar subsídios adicionais de energia renovável em troca. Depois da quase impossível independência energética adquirida pela administração de Trump, Joe Biden revogou as medidas do republicano, e hoje os EUA não apenas importam mais que exportam, mas Biden teve de pedir ao ditador venezuelano para ajudar na produção.

A administração Obama pode ter sido uma das que mais cometeram ilegalidades na história dos Estados Unidos. O 44º presidente norte-americano se viu muitas vezes acima da lei, ignorando os limites legais do Executivo e desrespeitando limites constitucionais como o federalismo e a separação dos Poderes, coisa de Terceiro Mundo. Até progressistas, como o professor de Direito Garrett Epps, admitiram que, “mesmo para aqueles que, como eu, admiram Barack Obama, o registro constitucional da administração é perturbadoramente confuso. Obama deixa a Constituição mais fraca do que no início de seus mandatos”. Epps rotula a postura de Obama de “conformidade agressiva”, torturando a linguagem estatutária o máximo possível para evitar reivindicações constitucionais.

Epps aponta primeiro para a intervenção na Líbia, em 2011, a mesma que gerou Benghazi. Essa intervenção não envolveu autorização do Congresso para o uso da força, nem conformidade com a Lei dos Poderes de Guerra de 1973, que exige pelo menos notificação do Congresso sobre compromissos de tropas e permissão afirmativa após 60 dias. Obama ignorou a Constituição e afirmou que os ataques com mísseis e dezenas de missões aéreas com drones constituíam apenas “ação militar cinética”, e não operação de guerra.

Uma vez que perdeu a maioria no Congresso, Obama assinou leis incrivelmente inconstitucionais, como o Obamacare, um programa de saúde federal que ignora o sagrado federalismo norte-americano e a autonomia dos Estados. Obama, mirando na visão progressista de Woodrow Wilson sobre o Estado administrativo, constantemente aplicou suas frustrações no sistema de freios e contrapesos que inibia sua capacidade de “transformar fundamentalmente o país”, como ele sempre pregou. A falta de aquiescência do Congresso não impediu Obama de fazer o que queria para “transformar fundamentalmente o país”. Já no primeiro mandato, o governo lançou uma iniciativa “Não podemos esperar”, com o assessor sênior Dan Pfeiffer explicando que, “quando o Congresso não agir, este presidente o fará”. E, quando o reeleito presidente Obama anunciou seus planos econômicos para o segundo mandato, ele disse: “Não permitirei que o impasse, a inação ou a indiferença deliberada se interponham em nosso caminho”.

(Vocês têm alguém em mente?)

Obamagate. Só esse tópico daria um livro. Em todas as discussões sobre o uso do Departamento de Justiça (DOJ) e do FBI como armas políticas, a corrupção nos mais altos escalões dessas agências e o abuso em série do processo secreto da Fisa (pedidos de mandados especiais para juízes especiais em assuntos que envolvem segurança nacional) em torno da eleição presidencial de 2016, um nome está sempre envolvido: Barack Obama. É claro que essas vertentes obscuras institucionais não se materializaram da noite para o dia. Uma das críticas ao presidente Nixon foi que, embora não soubesse da invasão de Watergate, ele havia criado um ambiente no qual tal ação era aceitável. Décadas depois, Obama criou um clima no qual o uso indevido e potencialmente criminoso do DOJ e do FBI, como atualmente vem sendo desvendado, não era apenas aceitável, mas talvez encorajado, dando origem ao que poderia ser o escândalo mais perigoso da história norte-americana: o Obamagate. Uma teia de espionagem e uso das instituições para derrotar e até incriminar inimigos políticos.

Mas algo muito mais profundo impulsionou os esforços do fofo Obama para implementar sua agenda e sua urgência na “transformação fundamental do país” — um grande projeto muito maior do que o próprio Obama ou qualquer outra figura isolada. Ele cumpriu em grande parte a ambição progressista de longa data de mudar o curso da nação. As pautas identitárias saíram de todas as teorias alinskyanas e ganharam escolas e universidades com uma força brutal, impulsionada por Hollywood e seus satélites.

Em uma revolução silenciosa, como ensina seu mentor, Obama pregou a divisão completa do país, começando por negros vs. brancos. A agenda segregacionista e divisiva seguiu a todo vapor na sociedade norte-americana: 
- gays contra héteros, filhos contra pais, mulheres contra homens, e a pior de todas elas: norte-americanos contra norte-americanos. 
 Foi durante a administração Obama que republicanos — eleitores, políticos e oficiais — passaram a receber uma intolerância jamais vista. Nazista, fascista, racista… toda a lista de “istas” saiu das pequenas esferas de uma animosidade política cotidiana e tomou conta do grande debate e de braços do Judiciário, com sérios investimentos de Obama em estigmatizar aqueles que não rezavam a cartilha de Alinsky, agora implementada por Barack e sua fofurice diabólica na sociedade norte-americana.

Obama entendeu que uma revolução eficiente hoje em dia é aquela que implode tradições e pilares democráticos de dentro para fora. Numa viagem pela Ásia, em 2016, por exemplo, Obama caracterizou seus compatriotas norte-americanos — os trabalhadores mais produtivos da nação mais próspera do mundo — como “preguiçosos”. Ele chegou a ridicularizar os norte-americanos por uma lista de supostas transgressões que vão desde a Guerra do Vietnã até a profanação ambiental e o tratamento dado aos nativos norte-americanos no século 19: “Se você está nos Estados Unidos, às vezes você pode se sentir preguiçoso e pensar que somos tão grandes que não precisamos realmente saber nada sobre outras pessoas”.

Há muito mais para ser mostrado sobre o que — de fato — foi o governo Obama e quem é Barack Obama. O livro The Worst President in History: The Legacy of Barack Obama, de Matt Margolis e Mark Noonan, mostra detalhes de todos os fatos de seus oito anos na Casa Branca, para que o livro ganhasse esse título. Mas o legado do filhote de Alinsky pode ser resumido no fato de que Obama fortaleceu a esquerda radical nos EUA. Outros tentaram no passado, fato. Mas ele estabeleceu um legado retórico progressista no lugar de qualquer conquista legislativa ou de política externa duradoura e fez de sua Presidência um eterno palanque histérico para a promessa de “transformar fundamentalmente o país”. (Parece familiar?)

The Worst President in History , de Matt Margolis e Mark Noonan | Foto: Divulgação

Obama deixou uma economia em frangalhos, uma divisão grave na espinha dorsal norte-americana, e suas digitais não serão encontradas em realizações na política externa ou interna. Mais provavelmente, ele será visto como um progressista radical que deixou o cargo da mesma maneira que entrou — como um crítico da cultura e do país em que prosperou e se tornou presidente. Um país “racista” que elegeu um homem negro para a Presidência por duas vezes.

Leia também “Quem é Saul Alinsky”

Ana Paula Henkel, colunista - Revista Oeste 

 

domingo, 26 de junho de 2022

Um homem brilhante - Ana Paula Henkel

Revista Oeste

O juiz Clarence Thomas conquistou seu lugar na história de uma maneira edificante, mas, curiosamente, não é celebrado nas bolhas hollywoodianas ou no movimento Black Lives Matter

Clarence Thomas, juiz da Suprema Corte norte-americana | Foto: John Amis/AP/Shutterstock
Clarence Thomas, juiz da Suprema Corte norte-americana | Foto: John Amis/AP/Shutterstock

Apesar de Brasil e Estados Unidos serem países muito diferentes desde o seu nascimento, atualmente há similaridades impressionantes em pontos do cenário político. A esquerda, por exemplo, tanto lá quanto cá, vem usando as mesmas ferramentas para controle social e cerceamento de liberdades, seja através da mídia, de partidos e governantes, seja através do tosco ativismo judicial.

No entanto, quando o assunto é a comparação da Suprema Corte do Brasil com a Estados Unidos, talvez o único ponto em comum entre elas seja a toga preta que os juízes usam. Digo juízes, como nos Estados Unidos, e não essa colcha de retalhos que são nossos ministros do STF, indicados para a Corte mais importante da nação apenas como advogados.

As diferenças entre os tribunais são tão profundas que não caberiam em apenas um artigo.  
Nossos advogados de toga do STF, que adoram lagostas, vinhos caros e interferir em outros Poderes, vivem citando a SCOTUS (Supreme Court of the United States), mas, curiosamente, não citam como os honrados homens e mulheres da Corte constitucional norte-americana se comportam como verdadeiros magistrados e protetores da lei. É claro que há algumas pinceladas de ativismo judicial nas páginas da SCOTUS, mas elas são a exceção, não a regra, como no Brasil.
 
Nesta semana, a Suprema Corte norte-americana deu outra prova de que os juízes constitucionalistas, indicados por presidentes republicanos, sempre protegerão a letra fria das leis e a Constituição. A SCOTUS derrubou na última quinta-feira uma lei de Nova Iorque que restringia os direitos de porte de armas, no julgamento mais importante sobre o tema em mais de uma década. 
Na verdade, a decisão expande os direitos de armas em meio a um acirrado debate nacional sobre o assunto, quando a esquerda norte-americana tenta desarmar a população de bem que quer defender a propriedade, a família e o estado de lei e ordem. Essa é a grande e vasta maioria da população armada nos EUA.
 
A decisão, que compromete regulamentações semelhantes em Estados como Califórnia e Nova Jersey, deve permitir que mais pessoas carreguem armas legalmente. Cerca de um quarto dos norte-americanos vive em Estados que podem ser afetados se suas próprias restrições de armas forem desafiadas. O tribunal decidiu que uma lei de Nova Iorque exigindo que os moradores provem “causa adequada” — ou uma boa razão para portar armas de fogo escondidas em público viola a Constituição dos EUA. 
A decisão da Suprema Corte continua um padrão constante de decisões que expandiram esse direito, sustentando que o porte de armas de fogo tanto em casa quanto em público é garantido pela Segunda Emenda da Constituição dos EUA. Mesmo à sombra dos tiroteios em Uvalde e Buffalo, a maioria conservadora de seis juízes na Suprema Corte manteve uma ampla interpretação da Segunda Emenda de “manter e portar armas”.  
O juiz Clarence Thomas, escrevendo em nome dos seis juízes conservadores que compõem a maioria do tribunal, decidiu que os norte-americanos têm o direito de portar armas de fogo “comumente usadas” em público para defesa pessoal. Thomas escreveu: “Não conhecemos nenhum outro direito constitucional que um indivíduo possa exercer somente após demonstrar aos funcionários do governo alguma necessidade especial”.

Um exemplo a ser seguido
E, apesar de a Corte norte-americana e sua espinha dorsal serem um assunto fascinante (infelizmente um sonho inatingível para nós brasileiros), é exatamente sobre o brilhante juiz Clarence Thomas que gostaria de escrever hoje. Tento sempre trazer para nossos encontros semanais alguém de minha assembleia de vozes que possa refrigerar um pouco o espírito, não nos deixar desanimar diante de tantos descalabros e bizarrices no mundo atual. E Clarence Thomas é, sem dúvida, uma dessas vozes. Para a nossa sorte, ele ainda está vivo e sua altivez pode — e deve — ser um exemplo.
Quem sabe, não custa sonhar, nossos “juízes” não se inspirem em homens como Thomas.

Clarence Thomas completou 74 anos no último dia 23 de junho e segue sendo um dos juízes mais respeitados da Corte. No tribunal desde 1991, ele é o segundo afro-norte-americano a ser nomeado para a SCOTUS. Sua confirmação deu ao tribunal um elenco conservador decisivo. E a própria vida de Clarence Thomas repudia o ódio da esquerda pelos conservadores e pela América.

A vida de Thomas é um testemunho emocional da persistência do homem aliada à sua fé em Deus em meio aos altos e baixos da história norte-americana. “Venho de um lugar regular”, diz o juiz. Thomas conquistou seu lugar na história de uma maneira edificante, mas, curiosamente, não é celebrado nas bolhas hollywoodianas, na imprensa, no movimento Black Lives Matter ou no Mês da História Negra. O documentário sobre sua vida, “Created Equal: Clarence Thomas In His Own Words” é simplesmente espetacular e foi retirado em 2021 do site da Amazon. Sua história é, ao mesmo tempo, o epítome do melhor e do pior da América.

Sem fugir das sérias razões que ele e muitos outros norte-americanos tratados injustamente podem ter para o cinismo sobre o projeto de “liberdade e justiça para todos”, o juiz da Suprema Corte também demonstra como transcender o ódio com magnanimidade. É uma lição que todos podemos aprender melhor. Justice Thomas tem razões legítimas para odiar a América. Aos 6 anos, vagava sozinho pelas ruas segregadas de Savannah, na Geórgia, enquanto sua mãe trabalhava em turno duplo depois que o pai abandonou a família. 
Eles moravam em um cortiço só para negros, com esgoto a céu aberto nas valas perto de onde as pessoas cozinhavam. “Savannah era o inferno”, diz ele, no documentário. Seus avós assumiram a responsabilidade de criá-lo e o enviaram para escolas católicas, onde Thomas recebeu uma rara e excelente educação para um jovem negro. 
 
Após o colegial, Thomas se matriculou no seminário com o objetivo de se tornar um padre católico. O racismo cultural de seus colegas brancos, no entanto, acabou fazendo com que ele abandonasse o seminário depois de receber bilhetes dizendo “Eu gosto de Martin Luther King — morto” e ouvir um estudante do seminário se alegrar quando MLK foi baleado. Isso foi seguido pelos distúrbios raciais e pelo assassinato de Robert Kennedy, no verão de 1968, e fez Thomas mergulhar na raiva: “Pela primeira vez na minha vida, o racismo e a raça explicavam tudo para mim. Tudo aquilo havia se tornado uma espécie de religião substituta. Eu empurrei o catolicismo de lado, e fiz tudo ser sobre raça”.

Ele se juntou aos revolucionários marxistas negros no College of the Holy Cross, em Worcester, Massachusetts. Passavam o dia demonizando as forças policiais e planejando atacá-las com pedras. Durante uma visita aos avós na Geórgia, o avô de Thomas e o irmão veterano do Vietnã ficaram envergonhados e irritados com suas atividades e ideologia de “poder racial negro”, mas ele ainda se sentia justificado por fazer parte daquele grupo e beber daquela fonte.

Depois que ele se formou na Faculdade de Direito de Yale, no entanto, a única pessoa que contrataria Thomas era um republicano. Os empregadores presumiram que os graduados negros de Yale eram de menor calibre do que os brancos por causa da ação afirmativa e se afastaram dele. “A parte mais difícil de aceitar o emprego foi que ele era republicano. E a ideia de trabalhar para um republicano era, na melhor das hipóteses, repulsiva”, diz Thomas. No entanto, com uma esposa e um filho para sustentar, Thomas engoliu seu desgosto e aceitou o emprego no Missouri. [ação afirmativa, no caso  = privilegiar um aspecto - por exemplo, a raça - em prejuízo do mérito.]

O trabalho era como procurador-geral adjunto. Hoje, rindo de seu eu mais jovem, ele diz: “Na época, meu pensamento era que todos os negros eram prisioneiros políticos. Esse era o nível com que eu olhei para o sistema de justiça criminal”. No entanto, através de seu trabalho, Thomas entrou em contato com tantos casos e dados que ele teve de finalmente reconhecer que isso não era verdade.  
A grande maioria dos negros envolvidos no sistema de justiça criminal estava lá por motivos justos. “Foi uma dessas experiências de estrada para Damasco”, diz ele, no filme, engolindo em seco, com uma dor óbvia em seus olhos.

O tratamento injusto de Thomas continua até hoje, principalmente nas mãos de pessoas filiadas ao partido político que afirma representar o antirracismo

Thomas trabalhou em Direito societário em seguida, depois voltou para o Direito público. Ao longo do caminho, tornou-se cada vez mais conservador em seu pensamento. A imprensa acabou descobrindo e o tornou notório. O ápice disso foi a batalha de confirmação de Thomas para a Suprema Corte dos EUA, em 1991 recomendo uma pesquisa no YouTube, você assistirá a cenas lamentáveis de latente racismo de senadores democratas, inclusive Joe Biden

O documentário explora de forma significativa essa saga, incorporando imagens da audiência com flashbacks atuais de Thomas e sua esposa, Virginia. Você verá que não é difícil se emocionar com os clipes do que Thomas chamou de “linchamento de alta tecnologia”, diante de acusações hediondas de abuso sexual. Sim, como todo manual para desacreditar conservadores, havia uma acusação de assédio sexual. A acusadora de Thomas, Anita Hill, mudou sua história várias vezes e não conseguiu corroborar suas alegações. Pesquisas da época mostram que a maioria dos norte-americanos acreditava que ela estava mentindo.

O tratamento injusto de Thomas continua até hoje, principalmente nas mãos de pessoas filiadas ao partido político que afirma representar o antirracismo. O documentário mostra alguns dos insultos que pessoas e publicações proeminentes aplicaram a Thomas que seriam furiosamente criticados como racistas se aplicados a alguém com diferentes compromissos filosóficos. Aparentemente, o racismo só importa para as pessoas que controlam a cultura e se ele puder ser usado como arma política contra seus oponentes.

Mesmo já próximo de uma possível aposentadoria, a história de Clarence Thomas não termina com um documentário. Seu corpo monumental de erudição constitucional justifica sua mente, e a fé justifica sua alma. Como reflexo dessas graças, e embora tenha todos os motivos para ser vingativo e amargo, Clarence Thomas escolheu não ser. Em vez disso, ele é grato, eficaz e alegre. Talvez acima de tudo entre os juízes da Suprema Corte, a jurisprudência de Thomas mostre veneração pelas ideias majestosas do que alguns racistas automaticamente desqualificam porque um bando de “homens brancos” concordou com eles. No entanto, as maiores ideias dos Pais Fundadores da América — homens que descendem de uma grande gama de pessoas de aparências diferentes — transcendem construções mentais menores, como raça, sexo e opção sexual, e nos possibilitam fazê-lo também. É por isso que Thomas ama e enaltece esses homens, assim como todas as pessoas sábias o suficiente para ver além da pele na alma o fazem.

O honroso cumprimento de seus deveres por Clarence Thomas, independentemente do sofrimento que eles trouxeram, não apaga os pecados cometidos contra ele, mas os redime. Ele, majestosamente, transforma o que foi um trampolim para a glória em apenas uma pedra de tropeço de vergonha. Esta é a história norte-americana e a história de Thomas. E pode ser a de cada um de nós também. Pena que essa estirpe de homem e juiz não faz parte dos discursos hedonistas de nossos ministros do STF.

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Ana Paula Henkel, colunista - Revista Oeste