Para Gabeira, ação do presidente sugere o espectro de uma guerra civil ou um golpe de Estado
Um ano atrás, o jornalista Fernando Gabeira tinha críticas ao presidente
Jair Bolsonaro, mas avaliava que as instituições eram suficientes para
contê-lo, como expressou em junho de 2019 em entrevista ao Estadão,
onde é colunista. Não pensa mais assim. A pregação em favor de armar a
população, seus movimentos para atrair as Forças Armadas e sua
aproximação das polícias militares foram decisivos para o jornalista
mudar de ideia.
[aos desavisados:
por favor, não confundam entrevista com profecia.]
Para ele, a ação do presidente sugere o espectro de uma guerra civil ou
um golpe de Estado, sem, necessariamente, participação direta das
Forças."Muito possivelmente ele pode estar articulando um golpe usando
polícias militares e neutralizando as Forças Armadas", disse Gabeira, em
nova conversa com o Estadão, anteontem.
Há quase um ano, o senhor fez críticas ao governo Bolsonaro, mas se
mostrou confiante nas instituições. Recentemente, o senhor passou a
defender que os brasileiros se mobilizem para barrar um possível golpe
do presidente. O que aconteceu?
O primeiro aspecto da minha confiança eram os contrapesos democráticos,
que estavam baseados no Congresso e no Supremo. Esses contrapesos
continuam tentando fazer frente a esse processo. Mas há sobre eles,
hoje, uma carga muito intensa, a partir do bolsonarismo. As
manifestações foram claramente dirigidas ao fechamento do Congresso e do
Supremo. Então, o que alterou é que Bolsonaro não está aceitando muito
bem a presença desses contrapesos, pelo contrário, está tentando
neutralizar alguns deles. Esse é um fato. Outro é a relação com as
Forças Armadas, que sempre (desde a redemocratização) tiveram,
aparentemente, um papel democrático, e funcionaram. E as Forças Armadas
foram muito envolvidas pelo Bolsonaro. Não só pelo trabalho
orçamentário, mas pela visão da reforma da Previdência dos militares,
pela entrada de 3 mil militares no governo, entende? E sobretudo agora
pela aliança que fizeram na Saúde.
Praticamente, (as Forças) estão atraindo, participando ou partilhando
uma política que pode trazer para elas uma repercussão nefasta. Então,
isso tudo alterou muito o quadro.
Recentemente, algum fato acelerou a mudança de opinião?
Aquela reunião (de 22 de abril) apresentou fatos alarmantes. O mais
importante foi a defesa pelo Bolsonaro do uso de armas. Se você lembrar a
campanha, Bolsonaro tinha como proposta de armamento da população a
necessidade de se defender da violência urbana. Mas naquela reunião
ficou evidente que ele tem uma visão de armas para a expressão da sua
visão política.
A pessoa armada teria condições de se expressar politicamente através
das armas. Inclusive, sugeriu que isso fosse feito contra a quarentena.
Quatro generais do Exército estavam presentes e não moveram uma palha,
nem houve expressão de surpresa. Isso é absolutamente novo: os generais
ouvindo a ideia de armar a população para a sua expressão política, sem
terem algum tipo de reação.
Na campanha de 2018, muita gente dizia "Bolsonaro só fala essas
coisas horríveis para ganhar voto". Ou: "Ele já pensou assim, não pensa
mais..."
Bolsonaro, na Câmara dos Deputados, tinha um tática de popularização.
Ele utilizava vários temas, como direitos humanos, como a questão das
mulheres, da homossexualidade...
(....)
Quando começou o governo, havia expectativa de que os militares seriam um fator moderador dos impulsos do Bolsonaro.
Olha, aconteceu o seguinte: ao invés de os militares se tornarem
moderadores do Bolsonaro, ele se tornou um fator de radicalização dos
militares. O general Augusto Heleno tem se tornado um radical, cada vez
maior, dentro do governo. É claro que, no caso dele, pesou aquela
prisão, na Espanha, de um oficial (na verdade, o sargento Manoel Silva
Rodrigues) da Aeronáutica com cocaína. E ele, como o homem do GSI, foi
considerado responsável pelo furo de segurança pelo Carlos Bolsonaro.
Depois disso ele ficou assustado e começou a se unir a este grupo
ideológico. Outros generais, por exemplo, o Braga Netto (chefe da Casa
Civil) tem até uma capacidade de organização boa, mas não tem condições
de segurar o Bolsonaro.
Da mesma maneira, o (vice-presidente Hamilton) Mourão não tem esse
papel. O Mourão sempre foi considerado pelos próximos ao Bolsonaro como
um adversário em potencial. Então, ele se recolheu. O general (Luiz
Eduardo) Ramos (chefe da Secretaria de Governo), que deu entrevista
dizendo que são todos democratas e que é uma ofensa às Forças Armadas
pensar que elas podem estar sendo cúmplices de um golpe, ele também é o
cara que está fazendo a política do Bolsonaro. Então, esses generais
viram que a proposta do Bolsonaro é a guerra civil. Eles sabem muito bem
que Bolsonaro é um homem que ganha as eleições e denuncia as eleições
como fraudadas. Então, com as armas na mão, o que vai querer fazer? Vai
querer se rebelar. Eles sabem disso.
O que explica a reação de Bolsonaro à pandemia?
O Bolsonaro pensa muito curto. Ele pensou: 'O que isso pode fazer
comigo? O que isso pode representar para o meu governo? Então, uma crise
econômica, o desemprego, vão atrapalhar minha gestão. Então, vou negar
essa epidemia'. Ele negou a epidemia porque achava que era contrária a
ele.
Como o senhor avalia a participação de Bolsonaro nas manifestações que pedem o fechamento do Supremo e do Congresso?
Qualquer democrata, diante de uma manifestação desse tipo, passa longe.
Ele (Bolsonaro) vai lá saudar os manifestantes. Meio que demonstra, com
isso, que tem uma simpatia pela causa deles. Ele tem alguma simpatia
pela causa do fechamento do Congresso e do fechamento do Supremo.
Bolsonaro pode ser levado a respeitar as leis?
Acho que é evidente agora que Bolsonaro está querendo armar o povo para
uma expressão política, para que o povo tome uma posição política que
eles querem. Está querendo criar milícias armadas. E um homem que quer
armar parte da população está preparando uma guerra civil. Naquele
momento, ficou bastante claro para mim qual é o desígnio dele, qual é a
posição. Então, acho que tem que trabalhar para, ou neutralizá-lo
visando ir até 2022, ou afastá-lo antes disso.
Aqui, MATÉRIA COMPLETA
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.